Ginecologista mineiro assume federação em meio a diversos desafios na área

Renata Galdino
rgaldino@hojeemdia.com.br
13/01/2020 às 08:39.
Atualizado em 27/10/2021 às 02:16
 (Fotos Rafael Tavares/Divulgação)

(Fotos Rafael Tavares/Divulgação)

Qualificar o relacionamento médico-paciente, investir na formação de profissionais e promover ações para conscientizar sobre a prevenção de doenças consideradas evitáveis. Esses são os pilares do médico Agnaldo Lopes, de 47 anos, o primeiro mineiro a assumir a presidência da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) nas seis décadas de existência da entidade. Ginecologista oncológico e professor titular da UFMG, ele exercerá o mandato até 2023, em meio a grandes desafios. Nessa entrevista ao Hoje em Dia, Agnaldo defende o direito reprodutivo da mulher e comenta assuntos polêmicos, como a criminalização do aborto e denúncias de abusos sexuais contra médicos da especialidade.

Quais os desafios da ginecologia no Brasil?

Mesmo com a pílula anticoncepcional e com os preservativos distribuídos gratuitamente em postos de saúde, a gravidez não planejada ainda é um grande problema de saúde pública. Estima-se que 55% das gestações não são planejadas, e a metade dos casos resulta em aborto, muitos deles sem segurança. Uma das estratégias para mudar esse cenário é o incremento no uso da contracepção intrauterina hormonal e não hormonal, assim como nos implantes subcutâneos.

A quantidade de mulheres que nunca foi ao ginecologista preocupa. Qual a importância de visitar esse especialista regularmente?

Esse é outro grave problema. Cerca de 12% das brasileiras não costumam ir ou nunca foram ao ginecologista, contribuindo para o aumento das doenças ginecológicas. Um dos motivos do crescimento de câncer de colo de útero, por exemplo, é porque mais da metade delas (52%) não faz exame preventivo. De duas a cada três mulheres mineiras têm câncer de colo uterino em estágio avançado. Muitas doenças, como HPV, endometriose e câncer, seriam evitadas ou diagnosticadas no início a consulta médica de rotina. A conscientização sobre a importância de ir ao especialista, fazer os exames, usar métodos contraceptivos e preservativos já é um começo para proporcionar melhor qualidade de vida.<EM>

A mortalidade materna (durante a gravidez, parto ou puerpério) ainda é considerada crítica. O que fazer para amenizar esse quadro?

Reduzir a mortalidade materna também é um dos principais desafios da saúde feminina. O último índice, de 2016, é de 64,4 óbitos para cada cem mil nascidos vivos, bem acima da meta firmada com a Organização das Nações Unidas (ONU), que é de 35 óbitos para cada cem mil nascidos vivos, conforme os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. A taxa atual supera em mais de dez vezes a registrada em países desenvolvidos. As últimas análises apontam um crescimento dos casos no país, sendo que 92% deles poderiam ser evitáveis. Uma assistência obstétrica adequada e a capacitação das equipes podem melhorar esses índices. A gravidez não planejada, principalmente entre adolescentes, contribui muito para o aumento das mortes, pois metade dos casos resulta em aborto. Informar a população e viabilizar o acesso aos melhores meios contraceptivos dão às mulheres o direito de planejar o melhor momento de terem um filho, garantindo gestação saudável e melhor qualidade de vida para o bebê.

A queda nos índices de vacinação contra HPV pode adiar o sonho de se ter a primeira geração livre do câncer de colo de útero (prevista para até 2030)?

Uma das metas da OMS é a erradicação do câncer de colo uterino. Para isso, devemos melhorar o rastreamento da doença pelo exame papanicolau, aumentar a cobertura populacional do exame e melhorar a qualidade do mesmo. Um outro ponto fundamental é a vacinação contra o HPV. Uma mudança do esquema vacinal para as escolas, campanhas educativas, combate às fake news e a vacinação de meninas e meninos podem impactar nos índices de câncer de colo uterino.

Que ações são, de fato, necessárias para que mais mulheres se conscientizem de fazer exames para evitar as doenças?

É um grande desafio ampliar o número de pacientes que fazem o papanicolau, que reduziu em até 80% a ocorrência de câncer de colo uterino nos países desenvolvidos, e melhorar a qualidade do exame. No Brasil, apesar do programa nacional Viva Mulher, as taxas continuam muito elevadas. Outro pilar é a vacinação contra o HPV.

Há muita reclamação sobre a falta de médicos na rede pública de saúde. Pode ser esse um dos fatores para o aumento das doenças ginecológicas? Com consultas mais demoradas, exames podem demorar mais a serem feitos e a detecção precoce acaba sendo prejudicada?

Um dos problemas em todo país é a distribuição dos profissionais de saúde, concentração nos grandes centros e, ao mesmo tempo, carência desses especialistas nas regiões mais distantes e menos favorecidas. A Febrasgo defende assistência de qualidade para todas as brasileiras, com profissionais bem capacitados. Temos feito um grande investimento na formação dos novos profissionais.

O que fazer para atrair o ginecologista para uma cidade mais distante, por exemplo?
Boas condições de trabalho são fundamentais, além de ser essencial para uma assistência médica de qualidade.

É notório o ganho que a tecnologia trouxe para a saúde, inclusive nos cuidados com as mulheres. Porém, muitas inovações ficam restritas a uma parcela da população. Como esses recursos podem ser melhor disponibilizados na rede pública?

A prevenção ainda é o melhor remédio. Investimento em promoção de saúde com planejamento familiar, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, rastreamento de câncer, vacinação e prevenção de doenças cardiovasculares são medidas que fazem diferença para a saúde delas. Todas essas ações são realizadas na atenção primária. Os casos mais complexos devem ser encaminhados aos centros de referência, ou seja, centros altamente especializados e de alto volume apresentam melhores resultados.

Em dezembro, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) lançou campanha para sensibilizar planos de saúde, médicos e gestantes sobre a importância do parto normal. Qual a avaliação o senhor faz sobre essa temática?

Os índices de cesariana no Brasil ainda estão muito elevados, refletindo todo um modelo de assistência obstétrica. A Febrasgo defende que a gestante tenha assistência de acordo com as melhores evidências científicas para garantir mãe e bebê saudáveis. A Febrasgo publicou, em 2017, manifesto contrário à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que criminaliza o aborto.

A discussão está parada na Câmara. Como o senhor, agora presidente da federação, pretende atuar caso o tema volte à tona durante a sua gestão?

Não cabe à Febrasgo se posicionar contra ou a favor do aborto. Compreendemos que a mulher tem razões próprias e convicções. Isso passa por suas crenças, religião, por seu entendimento de vida. Defendemos a não criminalização do aborto.

O senhor busca consolidar a confiança entre paciente-médico. O que seria isso e como impacta na saúde da mulher como um todo?

O ginecologista é, em grande parte das vezes, o único médico da mulher. O papel dele extrapola apenas as questões ginecológicas. Uma relação de confiança é fundamental para que possa exercer o seu papel. A Febrasgo tem função importante na educação médica continuada e na formação de novos profissionais, sempre defendendo um atendimento ético e respeitoso.

Em julho do ano passado, um ginecologista (que também é prefeito de uma cidade no Ceará) foi acusado de abuso sexual contra pacientes. Recentemente, em BH, um profissional foi denunciado por importunação sexual. A Febrasgo acompanha esses casos? Como pretende se posicionar para evitar que casos do tipo aconteçam?

A Febrasgo expressa forte repúdio em relação a quaisquer abusos cometidos contra pacientes e também sua mais absoluta condenação a qualquer tipo de assédio de médicos à pacientes. Acontecimento isolado e desprezível como esse não pode, por si, macular o atendimento gentil, acolhedor e respeitoso praticado pela imensa maioria dos ginecologistas brasileiros. Prova disso foi pesquisa da Datafolha, encomendada pela Febrasgo, apresentando 95% das mais de mil brasileiras entrevistadas manifestando um alto nível de confiança em seu ginecologista. A Febrasgo reitera o compromisso com as boas práticas empregadas pela imensa maioria dos profissionais e se solidariza com as vítimas desse episódio lamentável, esperando que os responsáveis sejam julgados e punidos pelas autoridades, que já estão investigando o caso.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por