Grupo de teatro mineiro fará espetáculos com produção e elenco menores

Paulo Henrique Silva
17/06/2019 às 10:58.
Atualizado em 05/09/2021 às 19:08
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

 A televisão está ligada no Canal Brasil para assistir à premiação do Festival de Gramado, um dos principais dedicados ao cinema brasileiro. Alguns minutos depois, Fernanda Vianna ouve o próprio nome como ganhadora do troféu de melhor atriz, por “O que se Move”, dirigido por Caetano Gotardo.
“Estava deitada e aquilo abriu um buraco na minha cabeça. Saí pulando de alegria. Não acreditava”, registra Fernanda. 

Sete anos depois de ganhar um dos prêmios mais importantes da carreira, a atriz continua ligada à mesma família: o Galpão. A entrada num dos mais importantes grupos teatrais do Brasil, em 1995, abriu novo campo de trabalho, após começar na dança, por influência do tio Klauss Vianna. “Foi como um pulo no abismo”, registra a atriz, lembrando o quanto transpirava nos ensaios de “Romeu e Julieta”.

Além das peças da companhia, divide o tempo com filmes e novelas e dirigiu a peça infantil “Berenice e Soriano”. De Santos (SP), onde apresentou “De Tempos Somos”, ela adiantou à reportagem do Hoje em Dia sobre a mudança de planos do Galpão motivada pelos cortes de recursos públicos direcionados à cultura. ]“O ponto de partida será um trabalho de menor estrutura, com menos pessoas”.

Você começou fazendo dança muito cedo, passando por grupos importantes de Belo Horizonte. A dança, de alguma forma, foi importante para o seu desenvolvimento como atriz?
Comecei dançando por causa do meu tio, Klauss Vianna, que me colocou no (grupo) Transforma aos oito anos. Ele era o professor da escola e pediu para a minha mãe me colocar. Era uma escola de arte e não apenas de balé ou dança contemporânea. Lá fiz curso de teatro e de palhaço e íamos muito a festivais. Aos 16, eu me profissionalizei como bailarina, fazendo o meu primeiro espetáculo no grupo sob direção de Dudude Hermann. Uma experiência que foi muito importante para mim. Essa coisa de ser artista, de ser atriz, começou ali.

O sobrenome Vianna chegou a “pesar”, tornando-se uma espécie de cobrança pessoal para você?
Não. Ele me inspirava. Ia muito em lá casa, estava sempre muito presente. Era questionador o tempo inteiro. Questionava o porquê de não poder falar 

Como surgiu o convite do Vilela, diretor de “Romeu e Julieta”, para você se integrar ao Galpão em 1995?
Estava no Primeiro Ato, que foi o primeiro grupo de dança profissional do Estado, com patrocinador. Aprendi muito lá. Na época, já namorava o Rodolfo (Vaz, que também fez parte do Galpão). Teve o acidente (automobilístico) da Wanda Fernandes, que veio a falecer. Eles já estavam começando com o “A Rua da Amargura” e fizeram alguns testes. Eu tinha uma relação muito afetiva com o grupo, viajando junto com eles por causa do Rodolfo. Em “Romeu e Julieta”, Vilela costumava dizer que o texto era sobre a instabilidade dos jovens amantes. Por isso, os personagens estão em cima de pernas de pau ou como se andassem sobre uma corda bamba. Como eu era bailarina, ele dizia que o princípio da ponta era o mesmo da perna de pau. Você nunca está estável. Ele sabia também que eu cantava. Fiz o teste e entrei, interpretando o papel que era da Wanda, a Julieta. Fazer (uma adaptação de William) Shakespeare foi um presente.

Você já pensava em ser atriz? 
Não pensava, não. Pensava em ser cantora. Entrar no Galpão para fazer o “Romeu e Julieta” foi como pular no abismo. Lembro que, ao dançar, eu nunca transpirava. Mas nos ensaios de “Romeu e Julieta” com o Cacá Carvalho, eu suava, transpirava até de nervoso. Ao mesmo tempo, o Galpão me deu muita liberdade de atuação, algo muito gostoso, mas difícil.

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Fernanda Vianna integra o Galpão desde 1995, após fazer carreira na dança

 Apesar de outros atores do Galpão terem maior experiência no audiovisual, até mesmo atrás das câmeras, você foi a integrante a receber um dos prêmios mais cobiçados do cinema, o troféu de melhor atriz no Festival de Gramado por “O que se Move”, em 2012.
Acho que o Caetano Gotardo, diretor do filme, me chamou por acompanhar bastante teatro e também por causa de “Moscou” (documentário de Eduardo Coutinho sobre o processo de construção de uma peça teatral). Estava viajando com o grupo quando ele me ligou e fez o convite. O prêmio foi construído junto ao Caetano, que é um grande diretor de atores, de muita delicadeza e calma no set. Geralmente é um lugar confuso e estressante, mas com ele foi diferente.

E por que você não foi buscar o prêmio em Gramado?
Essa é uma das tristezas na minha vida. Não me imaginava ganhando o prêmio. Aliás, não sabia que estava concorrendo a melhor atriz. A Sara (Silveira, produtora do filme) me dizia: “Olha, você pode concorrer como melhor atriz”. Eu fui ao lançamento e à coletiva em Gramado, mas depois vim embora, pois tinha trabalho aqui. Falei que, qualquer coisa, eles me chamassem que eu voltaria. Na hora da premiação, estávamos eu e o Rodolfo em casa e ele recebeu uma mensagem falando da transmissão. Ligamos no Canal Brasil e a minha premiação já tinha passado. Aí exibiram algumas imagens de “O que se Move” e o comentarista disse o nome do filme, acompanhado de um “que acabou de ganhar o prêmio de melhor atriz, para Fernanda Vianna”. Estava deitada e aquilo abriu um buraco na minha cabeça. Saí pulando de alegria. Não acreditava. Depois recebi o troféu em São Paulo, num festinha realizada pelo pessoal do filme.

E você canta no filme, que era um dos seus sonhos de juventude?
Eu já cantei em algumas peças do Galpão. “De Tempos Somos”,que ainda está em nosso repertório, é um sarau musical. No filme, a minha música é muito linda. Os diálogos são construídos sem emoção, que não é explicada. Na cena da churrascaria, que é o lugar mais sem emoção, surge a música de uma forma muito bonita. A música, na verdade, já era um universo conhecido para mim, um lugar próximo. Investir numa carreira musical agora? Isso não.

Como é pra você manter as atividades do grupo e aceitar convites para trabalhar em filmes e novelas?
O Rodolfo Vaz preferiu abrir mão do Galpão a certa altura. É complicado. É algo que vai se construindo nas brechas. Eu mesmo faço um trabalho com o Galpão, depois não faço o seguinte. Não fiz todos os trabalhos do grupo. O Rodolfo foi o primeiro a romper com isso. 

Há alguma regra no grupo sobre isso, como se ausentar de apenas uma peça?
Não tem. Mas é preciso saber se você está se aproximando cada vez mais ou se afastando cada vez mais do grupo. No meu caso, eu continuo próxima. Hoje me sinto mais madura em relação ao grupo para construir essas possibilidades. Agora estamos num momento complicado e é preciso que nos ajudemos.

Em 2017, você dirigiu o espetáculo infantil “Berenice e Soriano” de Manuela Dias. Você tem outros projetos como diretora?
Era o Rodolfo que iria dirigir, mas, por conta da agenda, ele não pôde. Para mim, foi uma experiência maravilhosa, a partir de um texto maravilhoso, da Manuela, com quem trabalhei na série “Justiça”. A peça ganhou vários prêmios, mas ainda gosto de ser atriz. Cada vez mais estou adorando ser atriz. A música por perto me ajuda, me norteia.

Num momento em que recursos públicos para a cultura estão sendo cortados no país, como este quadro vem afetando o Galpão?
O grupo tinha o patrocínio da Petrobras, que também anunciou o corte de verbas para a cultura. É triste, muito triste. O patrocínio da Petrobras ainda vale para este ano, mas, em 2020, não sabemos o que vai acontecer. Já estamos nos preparando. A gente vem diminuindo bastante a nossa estrutura. Uma peça como “Os Gigantes da Montanha”, por exemplo, não será mais possível, pois precisa de uma carreta de vários metros para levar o cenário. É como um circo. Sem um patrocínio forte, a gente não consegue tornar essa montagem viável. Foi muito bonito viajar pelo país, de Sul a Norte, de Oeste a Leste, sem privilegiar apenas o Sudeste.

Qual será o próximo trabalho do Galpão?
Estamos começando a preparar. Vamos fazer três experimentos cênicos ao final do ano, com três diferentes diretores. O ponto de partida será um trabalho de menor estrutura, com poucas pessoas.

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