‘Não adianta falar de morador de rua achando que é só Assistência Social’, afirma Maíra Colares

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
19/07/2020 às 16:13.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:04
 (Rômulo Righi / Divulgação)

(Rômulo Righi / Divulgação)

Um dos primeiros desafios de Maíra Colares à frente da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, no início da gestão de Alexandre Kalil na Prefeitura de Belo Horizonte, foi explicar o próprio nome da pasta, que antes se chamava Secretaria de Políticas Sociais. “As pessoas perguntaram o porquê de colocar todas as políticas no nome e eu respondi que era para mostrar que não somos uma secretaria que faz tudo”, observa.

Com esta simples mudança de nomenclatura, a gestora pública, que completou 14 anos de formada no curso de Assistência Social da PUC no dia da entrevista ao Hoje em Dia, buscou evidenciar que o atendimento às populações pobres e vulneráveis é responsabilidade de todas as áreas do governo. “Minha grande missão nesta passagem no governo é pautar a cidade e mostrar que as minorias, que, na verdade, são as maiorias, não são um assunto exclusivo de assistência social”, afirma.

“Resolvemos todos os problemas dos moradores de rua?”, indaga a secretária, para logo completar: “Não, mas chegamos aqui com melhorias em 90% da rede de atendimento, que antes estavam do mesmo jeito de quando foram criadas na década de 1990”. Ela comemora uma ampliação em mais de 20% do orçamento da pasta, em relação a 2016. “Tivemos saltos orçamentários muito importantes”, assinala Maíra, que costuma se definir, em tom de brincadeira, como uma militante profissional.

“A escola em que me formei preza muito a questão da defesa da democracia, dos direitos humanos, temas com que eu me identifico. Hoje toda a minha atuação profissional é voltada para viabilizar direitos. Agora, estou naquele difícil momento que deixei de ser militante para ter a caneta na mão”, ressalta. O grande desafio atual da secretaria é ajudar as populações de vilas e favelas, em situação de rua e de povos tradicionais a enfrentar o coronavírus.

Em relação à pandemia, quais as principais ações que estão sendo realizadas para as comunidades mais vulneráveis de Belo Horizonte?
Dentro das três áreas que eu coordeno, que são de segurança alimentar, assistência social e cidadania, a gente tem olhado para dois tipos daquilo que consideramos populações vulneráveis: as territoriais, com a situação de vilas e favelas na zona urbana e, as comunidades tradicionais, como os quilombos e as famílias de indígenas e ciganos. Na segurança alimentar, uma ação que considero importante é a oferta das cestas básicas para todos esses públicos. E, para isso, nós lançamos mão dos cadastros oficiais da Prefeitura. No caso de vilas e favelas, temos o Cadastro Único dos programas sociais, os dados do Sistema Único de Saúde (SUS) e os cadastros da política de urbanização. Nós também fizemos a inclusão destas pessoas no Cadastro Único nos kits de higiene, para facilitar o acesso aos produtos de limpeza. No caso das comunidades tradicionais, a gente entra com as cestas básicas e, com os quilombos urbanos, os kits de higiene e a complementação dos bancos de alimento, em que entregamos frutas, verduras, legumes e laticínios. Todas as inovações e melhorias de serviços nesta gestão, assim como as respostas rápidas ao enfrentamento de Covid-19, foram possíveis pela qualidade técnica da nossa equipe, pela articulação e solidariedade intersetorial da Prefeitura e, de maneira muito decisiva, pela lideração política e mão de ferro do prefeito Alexandre Kalil. Ele sempre esteve à frente dos processos e cuidando muito proximamente disso tudo. Não só cuidando, mas cobrando de sua equipe.

Durante a pandemia, foram distribuídas 880.930 cestas básicas e mais de 16 mil toneladas de alimentos, totalizando R$ 63,32 milhões, e 142.547 kits de higiene, investimento de R$ 3,3 milhões

Os dados vêm mostrando que os números de mortos por Covid-19 estão aumentando expressivamente nas zonas periféricas. O que tem sido feito para conter este crescimento?
A Prefeitura tem diálogo com as lideranças das vilas e favelas por meio da Secretaria de Política Urbana, para se discutir estratégias específicas. Desde o início, a gente começou com uma ação de comunicação, usando até mesmo carros de som, que resultou na distribuição muito rápida de mais de dois milhões de máscaras, feita por agentes de endemias. Todas as áreas da Prefeitura têm se mobilizado no sentido de reforçar o atendimento a este público. A Secretaria de Política Urbana também tem discutido para que se torne possível, eventualmente, uma ação de isolamento social de um integrante da família. A partir de uma avaliação das lideranças das favelas, porém, inicialmente percebemos que não iriam querer que os familiares saíssem e ficassem isolados. Então é uma estratégia que está sendo desenvolvida com muito cuidado. Outra ação importante foi o fato de termos dado continuidade ao atendimento do Centro de Referência de Assistência Social (Cras). Tivemos um dilema muito grande sobre manter o funcionamento presencial, que poderia representar mais risco do que proteção. Por isso optamos pelo atendimento remoto, com cada Cras recebendo uma linha exclusiva para atender a população, além de mais de 300 telefones para as equipes, que puderam fazer busca ativa de pessoas de maior vulnerabilidade que já acompanhávamos nos Cras, indagando se tinham conseguido acessar o auxílio emergencial e falando da questão das cestas básicas. A gente também encaminhou SMS a quase 100 mil telefones de famílias do Cadastro Único.

A Secretaria pretende estender estes benefícios no pós-pandemia?
Não. A oferta que está colocada hoje, principalmente da cesta básica e do kit higiene, foi desenhada para o período da pandemia. Mas desde 2017 nós temos desenvolvido políticas de enfrentamento da pobreza. A população vem sofrendo um processo de empobrecimento, com a questão do desemprego impactando as famílias, e para isso criamos duas ações inovadoras na cidade nesta gestão. Uma é o benefício eventual, um repasse em pecúnia, no valor de R$ 300, para as famílias que vivenciam alguma situação de desproteção social, como a morte de um familiar ou o nascimento de trigêmeos. Essa foi uma conquista muito importante que a cidade pautava há anos e que começamos a implantar no ano passado. Um outro é o Programa de Assistência Alimentar e Nutricional Emergencial, que significou a reinserção de distribuição de cestas básicas, suspensa na gestão anterior. No PAAN, a família recebe um cartão em que ela só pode gastar com alimentos, substituindo a cesta básica. Só que a gente pagou língua depois (risos). Estávamos porque iríamos ampliar e superar a distribuição de cestas básicas, mas veio a pandemia e a forma mais rápida que teríamos para garantir a segurança alimentar das famílias era, de fato, as cestas básicas, já que o cartão iria demorar quase um mês para chegar às mãos das famílias.

E as pias instaladas em vários locais públicos da cidade? Existe a possibilidade destes equipamentos permanecerem?
As pias surgiram a partir de uma discussão entre a nossa secretaria, a de Política Urbana e a de Saúde, com a Sudecap topando fazer um teste inicial em nove pontos estratégicos da cidade, além de outras cinco ao redor do albergue Tia Branca, no Floresta, que é uma área com circulação de muita gente em situação de rua. A pretensão é que continue. Óbvio, tem muita manutenção. Na semana passada, eu pedi um relatório para a Sudecap e a informação que recebi é de que fazem manutenção de dois em dois dias. E não é porque uma torneira está ruim ou algo do tipo. São reparos mesmo na estrutura, manutenções de depredação. Mas isso não tira a importância da iniciativa. Assim como tem muita depredação, tem muito uso.

Cerca de R$ 3 milhões foram destinados para a criação de 300 vagas de abrigos emergencial e temporário no Sesc Venda Nova para o público em situação de rua com suspeita de Covid. Por lá, já passaram 239 pessoas

O morador de rua é o grande desafio da Secretaria neste momento de pandemia?
É um dos grandes desafios, assim como a situação de vilas e favelas. Não tem como pensar apenas como uma área da Prefeitura. É uma ação que é muito compartilhada entre as políticas de Saúde, de Política Urbana e da gente. Não adianta falar de morador de rua achando que só a Assistência Social irá resolver ou conseguir atender a integralidade de demandas desta população. É por isso que temos criado estratégias conjuntas. Uma marca desta gestão é o desenvolvimento de serviços híbridos. Nesse sentido vem a oferta criada no Sesc Venda Nova, com o acolhimento provisório de pessoas com suspeita de Covid para pessoas em situação de rua. É uma estratégia para se conseguir fazer o isolamento social, para que não fiquem em nossos abrigos e unidades, para não se tornarem uma forma de contágio. Nós ampliamos este acolhimento para públicos mais vulneráveis, não sendo apenas para pernoite e sim uma moradia provisória. Também mantivemos todas as unidades funcionando, com adaptações e cuidados, como espaçamento entre camas, reorganização do processo de alimentação – antes era self service e agora é marmitex – e reforço dos protocolos de higiene. Às vezes a pessoa chegava à unidade e tinha uma resistência para tomar um banho... Mas as pessoas entenderam a importância dos cuidados de higiene e têm aderido. O desafio de atender essa população não é só ampliar a retaguarda de acolhimento, mas como fazer com que ela entenda o que está acontecendo, quais serviços estão à disposição dela e sobre a necessidade de mudança da rotina, como não compartilhar a garrafa e o cigarro. A gente conseguiu algo muito importante nesta gestão que foi (o fato de) qualquer centro de saúde atender população em situação de rua. Antes, era só o Centro de Saúde Carlos Chagas. A população de rua não tinha acesso à saúde pública de forma universal. Como começamos a fazer isso em 2017, a condição de saúde deste público também melhorou. Doença respiratória, como tuberculose e bronquite, por exemplo, é muito comum em população de rua. E as pessoas que têm essas comorbidades já vinham sendo acompanhadas.

A Secretaria pretende abrir novos Centros de Referência à População de Rua?
Hoje nós temos três destes centros. O que a gente pretende é mudar a sede localizada na Centro-Sul. A dificuldade foi de encontrar um lugar, pois, quando as pessoas ficam sabendo para o que é, mudam de ideia. Levamos mais de um ano para fazer esta melhoria de espaço e, neste momento, ao que parece, a gente vai conseguir, estando nos finalmentes da negociação. A gente teve reformas em todos os equipamentos voltados para as populações em situação de rua. Tinha abrigo que não passava por reforma desde a década de 90. O do Centro-Sul foi um dos mais degradados que encontramos. Hoje, com as melhorias, temos uma média de 800 atendimentos nestes equipamentos para adultos.

Em quanto você estima o crescimento da população de rua nos últimos anos?
Se pegarmos os dados de 2017, 2018 e 2019, baseados no Cadastro Único, essa variação não foi muito alta, não. Em 2017, eram 4.553 pessoas nesta situação. Hoje são 4.729, dado de março deste ano. Ou seja, um aumento de cerca de 4%. A gente percebe que, de fato, houve um aumento.

O Centro de Referência à População de Rua na região Centro-Sul deve logo mudar de endereço

A Prefeitura pretende reabrir o Restaurante Popular, com o uso das dependências para se fazer a refeição, quando o setor de bares e restaurantes ganhar sinal verde para receber clientes?
Atualmente a gente tem trabalhado na criação dos protocolos de todos os nossos serviços. No caso do Restaurante Popular, a gente também está discutindo, mas não vamos correr riscos. Isso significa que, enquanto eu não tiver uma avaliação, em conjunto com a Secretaria de Saúde, de que nossos protocolos oferecem segurança aos nossos usuários e funcionários, a gente não vai abrir o salão. Qual é a nossa prioridade hoje? A não interrupção dos serviços essenciais. Agora, sobre quando é que vamos voltar ao atendimento presencial, ainda que com todos os cuidados, não tenho nenhuma previsão para lhe dar.

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