Chico Amaral: 'Foi uma sorte o Skank ter passado por minha janela'

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com
16/07/2018 às 08:35.
Atualizado em 10/11/2021 às 01:25
 (Lucas Prates )

(Lucas Prates )

Foi a esposa e produtora Maria Regina Ramos, a “Marrege”, quem pôs Chico Amaral para fora de casa. No bom sentido, claro. É iniciativa dela – faz questão de frisar o marido – a série de shows que o compositor e instrumentista realizará a partir do dia 26, no Centro Cultural do Minas Tênis Clube, em que passará a carreira “a limpo” em encontros musicais com velhos amigos, como Ed Motta, Samuel Rosa e Affonsinho. “Ela criou esse projeto para eu parar de ficar tocando saxofone o dia inteiro em casa. Foi uma forma de dizer para eu fazer alguma coisa”, diverte-se Amaral, letrista, ao lado de Samuel Rosa, de alguns dos grandes sucessos da banda Skank, como “Jackie Tequila”, “Esmola”, “Pacato Cidadão”, “Te Ver” e “Garota Nacional”.

Ao grupo mineiro, ele deve muito da projeção no cenário nacional. Mas esse tempo dedicado às letras já passou e agora Amaral não pensa em outra coisa que não a música instrumental. Os últimos anos foram de muito estudo e realização de projetos como o da MG Big Band. “Descobri o prazer de estudar, levar a vida aprendendo. O objetivo não é fazer sucesso e, sim, cultivar essa arte”, afirma o músico belo-horizontino de 61 anos, convicto de que seguiu o caminho certo da “Yoga musical”.

Antes do recém-lançado disco “Plural”, você ficou cerca de oito anos sem apresentar músicas próprias ou participar, como letrista, dos trabalhos de outros artistas. Qual a razão do período de inatividade em relação às composições?
eu fiz coisas diversas com muita gente, mas realmente não lancei disco. É um em relação ao lançamento de discos, mas não de composição ou de atuação, até porque eu toquei muito. Eu me dediquei mais ao instrumento, ao saxofone, e fiquei tocando e estudando, prioritariamente. 
Fiz esta escolha em tocar o saxofone razoavelmente bem e mergulhei neste objetivo, porque é o que está me dando mais prazer. É a minha “Yoga”. 

No show que você realizará ao lado de Ed Motta, no dia 26, no Centro Cultural do Minas Tênis Clube, prevalecerá o Chico Amaral compositor ou instrumentista?
Quando eu e o Ed fizemos essas parcerias – a primeira leva foi em 1997 – estava no Skank na época, tocando e viajando. O Ed me procurou e, mais tarde, chamou-me de novo, mas desta vez para gravar o saxofone num disco dele. Isso completa um arco de atuação na música. Hoje, sou instrumentista e o Ed compreendeu isso, endossou. Batalhei muito para apresentar esse instrumentista. A música é exigente e fico feliz quando me reconhecem e veem em mim um colega. Mas não deixei de lado (as composições), porque é muito drástico. Não foi como uma ojeriza ou aversão a fazer letra. Podemos dizer que eu fui sendo levado pelo rio, pela correnteza da música, que é muito poderosa. A vida me levou para o caminho da música instrumental.
 

Milton Nascimento é um ídolo, grande farol, a figura mágica do Clube da Esquina, movimento que se tornou referência internacional. Fiquei muito feliz de, com o meu saxofone, me aproximar desta música


 

Essa vontade estava latente desde quando começou a compor?
Na época em que me dedicava muito à letra, compor era o meu maior barato. Não tinha muito o foco em tocar saxofone. Não era uma coisa que estava protelando. Nessa época, não estava madura em mim a vontade de ser instrumentista. Sempre tive muito prazer em fazer letra, como uma necessidade de expressão com a palavra. Depois veio a necessidade de ser instrumentista.
Eu acho que consegui o que estava almejando, 20 anos atrás. Antes, quando estava no Skank, já tocava saxofone, mas não almejava a música instrumental. Nem passava na minha cabeça. No final ali, aconteceu de forma muita espontânea. Queria tocar melhor, estudar mais. E fiz isso. Aí descobri o prazer de estudar, levar a vida aprendendo. O objetivo não é fazer sucesso e, sim, cultivar essa arte.

A guitarra veio antes da paixão pelo saxofone, não é verdade?
Antes de ser saxofonista, era guitarrista. A minha carteira profissional é de guitarrista, inclusive. Isso no começa da década de 1980. Comecei a mexer com instrumento de sopro, que me exigia muito e resolvi que não seria eclético. E deu certo. Agora estou relaxado. Ele (o saxofone) é meu instrumento principal. Estou procurando ter uma certa relevância artística ou profissional no instrumento. Sem abandonar a letra. Volta e meia faço uma canção, até para mim mesmo, guardando-a em casa. 

Em “Plural”, você gravou quatro canções novas e, em todas elas, a voz principal é a sua. Existe um desejo de voltar a cantar também?
Na verdade, o “Plural” é uma retomada da minha história com a canção. Quando comecei na música, pretendia ser cantautor. Depois, descobri que não poderia ser cantor e fui para o saxofone. Pensei comigo: se não era cantor, encontraria uma voz na música e o saxofone tomou este lugar. O disco também tem uma jogada de relaxamento, em relação ao que eu vinha fazendo na música instrumental. Foi uma pausa para respirar, eu acho. (No disco) Cantei e toquei mais guitarra do que saxofone. Acabou sendo uma forma de celebrar, de contar essas histórias. Este projeto de encontros – após o Ed, terá o Leo Gandelman, o Samuel Rosa e o Affonsinho com a Marina Machado – está bem dentro da filosofia do “Plural”, de contar histórias que aconteceram comigo nessa trajetória de músico. Não são todas (as histórias), mas uma parte expressiva. Eu gostaria de fazer esse encontro com o Milton Nascimento, com o Lô Borges, outros dois grandes parceiros meus, mas fica para outra ocasião. 

Não deixa de ser curioso que, neste momento de reencontros, uma das faixas de “Plural” tenha o nome de “Papo de Músico”, relatando o prazer de ouvir uma canção nova e trocar experiências.
Antes do “Província”, lancei “Singular”, disco que deu origem ao título de “Plural”. Na verdade, os discos são plurais e são singulares. “Singular” porque ele mescla música instrumental com canções. E o “Plural”, que só tem canções, conta com a pluralidade das parcerias e com o fato de eu tocar vários instrumentos, em vários estilos. Curiosamente, o “Papo de Músico” foi feito para o “Singular”. Parceria minha com o Lô Borges, ele fez uma segunda parte genial, uma arquitetura de Niemeyer. Na ocasião, não consegui uma gravação adequada e a retirei do disco. Doze anos depois, retorno a ela. Quando a música é boa, não tem data. Está na gaveta, mas não morreu. E, voltando ao que você me perguntou, registra o prazer dos músicos em falar de música, de encontrar, de conversar sobre o que está se ouvindo. Foi feita inspirada no Lô, como muitas das músicas minhas.
Geralmente, quando você fala isso para o cara, o músico não reconhece, pois é uma visão que você tem dele. No caso de “Papo de Músico”, o Lô pegou o violão e imediatamente fez a segunda parte, sem piscar. 

Neste ano, são lembrados 25 anos do primeiro disco do Skank, em que você assina quase todas as músicas.
Ainda se considera um quinto Skank, por representar um nome fundamental para sucesso da banda mineira?
Eu aceito como homenagem, mas é um exagero. Fui colaborador. Claro que as letras foram muito importantes na carreira da banda. E participei fazendo os arranjos de sopro. Recentemente, o Skank gravou um DVD com os três primeiros álbuns, cuja maioria das músicas são minhas e do Samuel Rosa. Na verdade, as pessoas superestimam o meu papel no Skank, porque a proposta musical foi toda deles. Na época, eu estava no maior pique com esse negócio de letra. E acho que eles encontraram o cara certo. Sou dez anos mais velho que o Samuel e um pouquinho mais que os outros.
Quase uma outra geração, mas eu estava imerso na música pop. Foi uma sorte o Skank ter passado por minha janela. Nunca é demais lembrar o óbvio, se não a gente fica parecendo relapso: foi o Skank que me projetou na cena musical. O Chico Amaral aconteceu por causa deles. Antes do Skank eu fiz tanta coisa, entre elas uma parceria com o Affonsinho. Ele também foi muito importante em minha carreira. A gente fez coisa à beça, ligada principalmente ao rock. Tanto é que o primeiro disco do Skank tem uma música minha com o Affonsinho, “Gentil Loucura”. A minha ligação com o Skank surgiu a partir dele. Affonsinho sabia que eu era letrista e me chamou. Fizemos muitas canções até o momento em que, conversando o pessoal do Skank, ele me indicou. Ele estava no Rio, tocando no Hanoi Hanoi, e falou para me procurarem. O Skank não era nada, nem o Chico Amaral. 


Essa parceria não se repetiu mais depois de “Estandarte”, lançado há dez anos...
São coisas naturais da vida. Eles devem lamentar, “Pô, o Chico não está mais com a gente”. Eu lamento um pouco, mas temos que seguir, procurar fazer as coisas de forma legal.

Não existe uma perspectiva de retomá-la?
Possivelmente não. Quem sabe? A vida vai dizer. Por enquanto, está cada um na sua. Por enquanto, nem sei dizer que estrada eles estão. Possivelmente eles não sabem o que estou fazendo. Eu, por exemplo, estou numa agora, um projeto grande. E isso vai me tomando muito tempo e energia. Em relação ao Skank e até mesmo à canção, eu não sei o que vai acontecer.

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