(Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Nos últimos dias, a proposta feita por um grupo de empresários para comprar vacinas antiCovid e repartir uma parte com o governo federal acendeu uma luz de alerta em diferentes setores da saúde. Na sexta-feira (29), o Comitê de Bioética do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, se manifestou sobre os critérios éticos dessa manobra de compra. E o posicionamento do hospital é totalmente contrário ao acesso à vacina por grupos privados.
Isso porque, para o Sírio-Libanês, o cenário global de insumos para produção de vacinas é escasso em todo o mundo. E a entrada de empresas na disputa por doses poderia provocar uma disparada de preços, assim como aumentar o colapso no sistema de saúde.
Ou seja, em um país desigual como o Brasil, uma manobra como essa poderia gerar um abismo sanitário, que dificultaria o acesso ao imunizante à população mais vulnerável. Dessa forma, o acesso pelo setor privado poderia comprometer o plano de imunização de rebanho e reduzir a eficácia da campanha, além de ferir o princípio da universalidade do acesso à saúde pública.
"Distribuir, mesmo que parte das doses, para uma população privilegiada, enquanto a população de maior benefício epidemiológico continuaria esperando, revelaria a escolha da individualidade sobre a equidade. Em termos de lógica e uso racional de recursos em epidemiologia, esta é uma escolha que não atinge seu maior benefício de saúde pública. Na perspectiva moral, uma ação social conjunta em momento de riscos de vida de toda a população, que privilegie o individualismo sobre a equidade, seria uma escolha entendida por este Comitê como inadequada moralmente, além, do ponto de vista pragmático, colocar em risco o próprio conceito do que é uma nação", aponta o parecer.
O governo federal, quando consultado, não fez objeção ao projeto. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chegou a dizer que não via problema no interesse de empresas em comprar lotes da vacina. Por outro lado, laboratórios como Pfizer e AztraZeneca afirmam que não negociam o imunizante com o setor privado.
Proposta absurda
O infectologista Unaí Tupinambás, membro do Comitê de Enfrentamento à Pandemia em Belo Horizonte, corrobora com o posicionamento do hospital paulistano e acredita que a entrada de setores privados na compra do imunizante só atrapalha o plano de vacinação.
"Esta proposta absurda de alguns setores da iniciativa privada de comprar vacinas foi devidamente e elegantemente rechaçada pelo Comitê de Ética do Hospital Sírio-Libanês nesta semana. O parecer, que é uma aula de Bioética e de SUS, deixou claro que esta iniciativa aumentaria a iniquidade e poderia inclusive ter impactos negativos no controle da pandemia . Neste cenário de escassez, temos que priorizar os mais vulneráveis: protegemos, assim, a vida e nosso sistema de saúde de entrar em colapso . Esta medida, que em certa forma tem anuência do governo, fere os princípios fundamentais da equidade, da integralidade, da universalidade e da justiça distributiva do SUS", aponta o especialista.