Morre em Belo Horizonte, aos 82 anos, o jornalista Elizeu Lopes: descanse em paz, mestre

Da Redação
18/08/2020 às 10:47.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:16
 (Arquivo pessoal)

(Arquivo pessoal)

Morreu em Belo Horizonte, nesta terça-feira (18), aos 82 anos, o jornalista Antonio Elizeu Lopes, em decorrência de complicações de uma queda, sofrida em casa, que causou hemorragia cerebral. Ele estava internado no Hospital Life Center desde segunda-feira (10).

"O mestre agora deve ter outros leads para redigir, com certeza em um bom lugar", disse Deborah Lopes, sobrinha e também jornalista. Devido às restrições impostas pela pandemia de Covid, não haverá velório. O sepultamento será no Cemitério da Saudade, nesta quarta-feira (19), às 13h.

Elizeu trabalhou nos jornais Diário do Comércio, Diário de Minas e Hoje em Dia, e também integrou os quadros da Assembleia Legislativa. Como repórter de Política, era respeitado pelas fontes pelo detalhismo na apuração: fazia sempre questão de conferir cada fala, para garantir a precisão no texto. Entre os colegas, a quem chamava de mestres, sempre foi uma figura muito querida. Nunca abria mão do terno e gravata para o exercício da profissão. "O jornalismo era a vida dele", lembrou Deborah.

Elizeu nasceu em 17 de agosto 1938, em Lagoa Bonita, Minas Gerais. Sem filhos, deixou três irmãos e oito sobrinhos.

Confira alguns depoimentos de colegas que trabalharam com Elizeu: 

Alma boníssima. Não trabalhamos na mesma empresa, mas sempre tive muito carinho por ele. Um alento vê-lo na muvuca usual do dia a dia das coberturas, nas coletivas. Momentos tensos, quase sempre. Lembro que sempre batíamos papo depois das confusões e ele me perguntava como eu abriria a matéria.rsEvaldo Fonseca, trabalhou na Agência Estado e no jornal Estado de Minas. Hoje é editor de Política e Economia do Hoje em Dia

 Foi sempre um colega muito amistoso. Quando entrei no jornal, em 1999, foi a primeira pessoa que veio falar comigo espontaneamente, elogiando uma matéria. Para uma superfoca, recém-saída da faculdade, a gentileza foi recebida como um superincentivo.
Cássia Eponine, editora do Portal HD

 Apaixonado por crianças, Elizeu prometia casar “até o final do ano”
Minha experiência com o repórter Elizeu Lopes (era assim que ele gostava ser chamado) foi na redação do extinto Diário de Minas, na Praça Raul Soares (Centro de BH). Eu cobria ‘cidades’, especificamente o surgimento da dengue em Minas. Após a apuração, tinha que pegar meu filho mais velho (Tiago), então, com 5 anos, na escola antes que ela fechasse, e voltar correndo para o jornal e concluir a pauta do dia. 

Entrei pela redação com aquele garoto sapeca e ordenei “fique aqui sentado e quietinho que preciso terminar a matéria para irmos embora”. Não adiantou e tinha que dar umas duras nele. Nisso, apareceu um sr. e disse assim “mas que menino bonito, é seu?”. Após confirmar, ele acrescentou “eu adoro crianças, mas até o final do ano (estávamos em agosto) vou resolver minha situação”. O que você vai fazer?, perguntei. “Ah?! Vou casar com a Naiara (médica)”. Que legal, Elizeu, que bom!, incentivei.

O tempo passou. Voltamos a trabalhar juntos no Hoje em Dia, onde virei editor da política, ou chefe dele. Dia desses me ligou em casa para falar de alguma dificuldade e meu filho o atendeu. Ele foi logo perguntando “é o Tiago?”. Não, disse meu filho mais novo, “aqui é o Pedro”, que deveria estar com uns 13 anos. Quando voltei ao jornal, Elizeu me contou o episódio. E disse: “Você já está no segundo filho e já adolescente. Ah! eu tenho que resolver minha situação”. O que você vai fazer? "Vou casar até o final do ano”. Como já tinha ouvido aquela promessa, não comentei.  Nunca se casou, mas a doutora Naiara existiu sim: uma mulher bonita e elegante. Não sei por que não deu certo.

Visitei-o uma única vez em sua casa na rua Rio Casca, no Carlos Prates.

“Qual é mesmo o lide, mestre!?” 

Minha primeira experiência no jornalismo político foi com o repórter Elizeu. Depois de cobrir aumento de preços e avanço da dengue, o então editor do Diário de Minas, Gilberto Menezes, me disse assim “você tem jeito para política. Vai cobrir lá na Assembleia junto com Elizeu (que era setorista lá)”. Chegando lá, Elizeu me recebeu muito bem e deu logo a primeira lição. “Não tem que ficar sentado na sala de imprensa”, onde ficavam mais de 10 jornalistas esperando a notícia procurá-los. 

“Você tem que circular para fazer notícia. Vem comigo que vou te mostrar”, disse, enquanto dobrava a lauda (de maneira vertical) e dava um tapa nela para tensioná-la. Dividida em quatro, escrevia em cada um a matéria de sua apuração com uma indefectível bic azul. Nessa primeira lição, avistou um deputado a uns 300 metros e convocou “vamos dar uma carreira até lá”. Corremos e alcançamos o deputado federal Milton Reis (PMDB), que visitava a Assembleia. Como eu não o conhecia, Elizeu foi logo me apresentando. “Esse é o nosso novo repórter, um jovem de talento”. O deputado me saudou. Foi então que ele começou a entrevista, ali mesmo em pé, enquanto começava a escrever em sua lauda “pois, então, o deputado federal Milton Reis declarou que...declarou o quê mesmo?” 

O deputado limpava a garganta e iniciava o declaratório. Milton Reis, que foi professor de português em Pouso Alegre, antes de entrar na política, chegava a ditar suas respostas. “Somos contra a política econômica do presidente Sarney, vírgula, porque o governo desconsiderou a necessidade de investimentos, vírgula, não desculpe, aí é ponto e vírgula”

Pacientemente, Elizeu anotava tudo. Para minha surpresa, a entrevista seguiu assim até o final da lauda. Pronto, a matéria também redigida. Dessa forma, ele chegava à redação com oito matérias prontas. Era só passar para a máquina de escrever o que havia sido escrito à mão. O material que sobrava virava uma coluna de notas de nome ‘Notas Políticas”. Resultado, ele escrevia a página inteira, incluindo a coluna, uma tripa de notas. A partir daí, passei a dividir o espaço com ele. Com o carinho de um mestre, sempre repetia, “ninguém jamais ligou para reclamar de uma notícia que dei. A gente tem que ser sério”.

No período em que fomos repórteres, em veículos diferentes, ele tinha hábito, como todos fazíamos, de trocar figurinha após as entrevistas. Invariavelmente, ele perguntava ao coleguinha: “Qual é mesmo o lide?” Depois, seguia em paz para a redação final da matéria.

Obrigado, mestre Elizeu, por tudo que você fez por mim e pelo jornalismo e pelos seus exemplos. A missão foi concluída. Siga em sua trajetória de paz e de luz!

Orion Teixeira
 Editor de Política do Hoje em Dia de 1994 a 2010

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