Candidatos disputam paternidade do Orçamento Participativo

Aline Louise - Hoje em Dia
24/03/2014 às 06:55.
Atualizado em 20/11/2021 às 16:49
 (Hoje em Dia/Arquivo)

(Hoje em Dia/Arquivo)

Dois ex-prefeitos de Belo Horizonte afiam seus discursos para se lançar numa disputa acirrada: o governo de Minas. Entre os trunfos apresentados ao eleitor, um chama a atenção: o Orçamento Participativo (OP). Pimenta da Veiga (PSDB) e Fernando Pimentel (PT) reivindicam a paternidade do projeto na capital. 

O tucano defende que foi prefeito antes de seu adversário e implantou “o sistema efetivamente participativo; então, não há duvida quanto a autoria, para quem tiver rigor histórico”.

Segundo ele, a importância do reconhecimento da autoria desse projeto é grande, porque ele apresenta vantagens inequívocas. “Nenhum administrador erra na prioridade porque ouve o que deseja a população. Depois, você tem a população te ajudando a fiscalizar, o que torna a gestão mais transparente”.

O petista rebate: “estamos diante de uma falsa polêmica, alimentada por nossos adversários. O PT criou o Orçamento Participativo, fez o programa andar, ouviu a população e entregou em Belo Horizonte, até o fim da minha gestão, em 2008, mil obras escolhidas pelos moradores da capital. Investimos quase R$ 1 bilhão por meio de consultas populares. Nós temos compromisso com a verdade e com a população”.

Mas por que um programa que, a princípio, se limita a experiências municipais teria peso numa campanha para o governo? A cientista política da UFMG, Cláudia Feres Faria, pesquisadora do tema, explica: “essa política de participação popular é eleitoralmente chamativa, por isso nenhum candidato abre mão dela”.

Porém, aqueles que reivindicam a paternidade do OP terão de enfrentar hoje um problema: o descrédito do projeto perante a população da capital mineira, que representa pouco mais de 1 milhão 875 mil votos no estado.

Dados da Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Informação (SMPL) revelam o declínio da participação popular no Orçamento Participativo em Belo Horizonte. Cláudia avalia que “na hora de praticar, os gestores não dão a devida atenção a essa política, instalando-se aí a falta de credibilidade”.

No OP Digital, modelo implantado em 2006,em que os votos são pela internet, 172.938 pessoas participaram da consulta, o que representava 9,9% do eleitorado. No ano passado, a participação despencou para 8.900 pessoas.

No OP Regional, com votos presenciais, o número é mais estável: 34. 693 no processo de 2007/2008; 40.967 em 2009/2010; 25.871 em 2011/2012 e 25.880, em 2013/2014.

A cientista política reforça que o problema não é o modelo do OP em si, que ainda é um mecanismo muito interessante, com mais de 500 casos de experiências semelhantes no mundo. “A não conclusão das obras e, mais que isso, a falta de justificativa e satisfação do porque não aconteceu, é que geram o descrédito”, diz.

Descrédito

Segundo levantamento da SMPL, das 37 obras aprovadas pelo OP Digital, apenas nove foram concluídas, ou seja, 24,3% do total. Já do OP Regional, das 1.499 obras, faltam 378 para serem concretizadas. O maior gargalo é registrado no período de 2008 até a última rodada, em 2013. Dos 344 empreendimentos aprovados, só 31 foram finalizados.

Para Cláudia, o OP já começou a dar sinais de descrédito ainda na gestão de Pimentel e acentuou-se com Márcio Lacerda (atual prefeito de BH). “Embora eles tenham feito uso do slogan do projeto, que propõe a participação popular, não deram a ele a centralidade necessária”.

Associações de moradores reclamam de obras não realizadas

O coordenador do Movimento das Associações de Moradores de Belo Horizonte (MAMBH), Fernando Santana, reforça que a população, apesar de acreditar que o OP pode ser bem usado, percebe que ele não tem alcançado seu propósito. “A credibilidade do projeto tem decaído nos últimos anos”, afirma.

O presidente da Associação Comunitária do Bairro Álvaro Camargos, na Região Noroeste de BH, Geraldo Ezequiel Pereira, lembra o tanto que trabalhou para conseguir aprovar, em 2008, o projeto da praça São Vivente, que melhoraria o trânsito local. “Percorremos toda a comunidade, igrejas, escolas, para conseguir a votação necessária. Tivemos uma participação estupenda; ganhamos, mas não levamos. É um sentimento de tristeza, de que fomos sacaneados”.

Ele conta que recentemente levou um ofício à prefeitura, solicitando novas obras no bairro. “Me disseram que isso dependia de Orçamento Participativo, fiquei totalmente desanimado”.

De acordo com a prefeitura, o projeto da praça São Vicente será contemplado na revitalização do Anel Rodoviário, que será executada pelo DNIT.

Em dezembro passado, o deputado estadual Fred Costa (PEN), entrou com uma representação no Ministério Público contra o município de Belo Horizonte questionando a não execução de obras do Orçamento Participativo. Segundo a assessoria do MP, um procedimento foi aberto, onde foi instaurada “notícia de fato”, em que o promotor requer informações da prefeitura e com base nos dados coletados pode ou não instaurar o inquérito.

Imprevistos

O secretário adjunto de gestão compartilhada da PBH, Pier Senesi, não vê descrença do belo-horizontino no Orçamento Participativo. Para ele, muitas pessoas que viram obras realizadas em suas regiões se “acomodam e nem sempre se mobilizam para votar na obra boa para o vizinho”.

Ele garante que se olharmos o “histórico do OP, em média, ano a ano tem um acúmulo e um passivo. Esse passivo atual é de 23,78% dos empreendimentos”. O secretário explica que uma série de imprevistos pode atrasar os trabalhos. “Há situações, por exemplo, em que você precisa fazer uma desapropriação de um terreno e aí a prefeitura avalia em R$ 100 mil, mas o proprietário acha que é pouco, então inicia um processo judicial. E isso nem sempre é fácil. Outro exemplo: você faz a licitação, a obra tem um preço, aí a empresa não consegue executar com aquele valor e pede um aditivo. A prefeitura não pode dar, então a empresa abandona a obra. As vezes é preciso abrir outra licitação e isso dura meses”.

Contudo, Senesi diz que a prefeitura tem trabalhado para ampliar a participação popular.

“No processo de 2013 houve votação pelo computador, smartphone e tablet. Para o próximo pensamos em fazer um pré cadastramento, de forma que a gente se comunique com as pessoas pré cadastradas, chamando-as a participar”.

Segundo o secretário, é importante que as pessoas participem, “porque a prefeitura assegura que todas as obras serão realizadas”.

Partidos utilizaram a experiência do OP em várias cidades do país

As experiências de participação popular nas definições do orçamento público começaram a se desenvolver a partir da década de 1970. Exemplos mais citados em pesquisas como pioneiros são dos municípios de Lajes (SC) em 1978; Boa Esperança (ES) em 1982; Diadema (SP) em 1983; Uberlândia em 1984, e Vila Velha (ES) em 1986.

Estudiosos apontam o período 1989-1996 como uma fase de grande desenvolvimento do OP no Brasil, sendo adotado nos governos de diferentes partidos, além do PT, tais como PMDB, PSDB, PSB, PDT e PFL.

Nesse período se iniciaram as experiências mais conhecidas, como a de Porto Alegre (RS), Piracicaba (SP), Santo André (SP), Ipatinga, Betim, São Paulo, Santos (SP) e Jabuticabal (SP). A partir de então, o OP se propagou para outros municípios, chegando a atingir 194 cidades em 2004.

Prática bem sucedida

Um dos exemplos mais emblemáticos desta política foi em Porto Alegre, onde o orçamento participativo surgiu em 1989, como resultado da pressão de movimentos populares para participar das decisões governamentais.

O modelo de gestão teve reconhecimento nacional e internacional. Em 1996 a Conferência de Istambul Habitat II da ONU, ou Cúpula das Cidades, reconheceu o Orçamento Participativo como “Prática Bem Sucedida de Gestão Local”.

A ONU considera a experiência de Porto Alegre como uma das 40 melhores práticas de gestão pública urbana no mundo.

Em 2006, a Prefeitura de Belo Horizonte inovou, ao adotar o Orçamento Participativo Digital, votação eletrônica onde o cidadão pode opinar e votar nas obras de sua preferência via internet.

Na Prefeitura de São Paulo durante a gestão de Marta Suplicy (PT), entre 2001 e 2004, o OP foi adotado com inovações: o “Orçamento Participativo Criança”, um sistema diferenciado de participação na rede escolar municipal para demandas de investimentos em escolas e bairros.
 

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