Cidadãos sofrem com o atraso na fila de pagamento das dívidas pelo Estado

Patrícia Scofield - Hoje em Dia
17/12/2014 às 07:41.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:24
 (Wesley Rodrigues/Flávio Tavares)

(Wesley Rodrigues/Flávio Tavares)

A menos de um mês para o Estado divulgar a atualização do valor da dívida dos precatórios – títulos relativos a desapropriações, pensões ou gratificações –, avaliada em mais de R$ 3 bilhões, instalou-se um impasse entre a Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais (OAB-MG) e o Tribunal de Justiça (TJMG).

De um lado, a Comissão Especial de Precatórios da OAB em Minas alega que nos últimos dois anos sobraram milhões de reais (veja infografia) nos cofres públicos da cota para o pagamento dos precatórios devido à falta de interesse dos credores em aderir aos editais para fazer acordo direto. Nesses acordos, o credor deve abrir mão de cerca de 50% do valor da dívida, sob a forma de desconto para o Estado.

De outro, o TJMG afirma não existir essa sobra e que o regime especial adotado pelo governo para quitar os precatórios não permite que haja outra divisão do dinheiro que não seja 50% para a ordem cronológica das decisões judiciais e 50% para os acordos. Essas são as duas formas de pagamento em vigor no Estado.

O presidente da Comissão de Precatórios, o advogado José Alfredo Baracho Júnior, diz haver uma resistência por parte do TJMG em atender ao pedido da entidade de aplicar os R$ 140 milhões não usados para acordos diretos na modalidade da cronologia.

“O Tribunal lançou três editais de acordos diretos desde o exercício de 2011/2012 . Em dezembro de 2013, verificamos que R$ 53 milhões não haviam sido pagos nos acordos diretos. Mandamos ofício à Central de Conciliação de Precatórios pedindo a aplicação do dinheiro na ordem cronológica. Esse documento sequer foi respondido”, disse Baracho.

Segundo o advogado, quando foi publicado o primeiro edital para acordos deste ano, acumularam-se os R$ 70 milhões destinados pelo Estado para 2014 com os R$ 53 milhões do que ele chama de “sobra”. No segundo edital, o montante disponível para acordo já era de R$ 170 milhões. “No edital 1/2014 foram gastos R$ 32 milhões e no edital 2/2014 , R$ 34 milhões. Ou seja, sobraram quase R$ 140 milhões. Tem um terceiro edital em curso, e ainda não se sabe quanto vai sobrar ao final deste ano. Mas a tendência do acordo é declinante”, acrescentou.

Diante disso, a OAB-MG enviou na sexta-feira (12) um ofício direto ao presidente do TJ, desembargador Pedro Bittencourt Marcondes, cobrando um posicionamento e a aplicação desse montante no pagamento dos precatórios por ordem cronológica.

A OAB federal acionou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para reforçar esse pedido. Na reunião de encerramento do ano da Comissão de Precatórios, ficou definido que cada credor entre com a mesma solicitação de forma individual junto ao CNJ.

 

Conciliação

O juiz Ramon Tácio de Oliveira, responsável pela Central de Conciliação de Precatórios, afirma que o TJMG não “engaveta” o dinheiro não aplicado nos leilões de acordo. “Em 2014, o Estado está depositando, mensalmente, cerca de R$ 26 milhões para a conta de acordos e o mesmo valor para a conta de cronologia. São duas contas em banco abertas em nome do devedor, no caso o governo, e atreladas ao presidente do TJ. Juros e correções vão para o Estado”.

Conforme o magistrado, não é possível transferir o valor de uma modalidade para outra, mas sim, abrir novos editais. “Se mudarem a lei estadual (decreto 45.317/10) não descarto a possibilidade de mexer na regra. Hoje, eu lido com esse engessamento de 50% para cada modalidade. Não posso desagradar uma turma em favor da outra e privilegiar ou acordo ou cronologia”.

 

Sindicatos estimam em 11 anos tempo de espera dos credores

O tempo de espera dos credores de precatórios do Estado é de 11 anos em média, segundo sindicatos que representam ex-servidores do Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG). O engenheiro aposentado Otto Lopes de Figueiredo, representante do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais (Sintder-Sintop), espera há dez anos o pagamento de um valor corrigido aproximado de R$ 1,5 milhão.

A queixa diz respeito a uma gratificação dada aos funcionários da ativa do DER logo que ele se aposentou, em 1983. “Represento um grupo de 41 colegas, entre vários outros grupos que se formaram dentro do DER. Comecei a pesquisar para ter argumentos e ajudar a OAB na manifestação. Não vou sossegar até todos receberem”, afirma.

Segundo Otto Lopes, além de o Supremo Tribunal Federal não ter concluído o julgamento da emenda 62, que vai definir a constitucionalidade dos precatórios e a forma de pagamento, o Estado e o TJ não teriam interesse em pagar as dívidas.

“Eles dizem que está em R$ 3,4 milhões, mas peritos do sindicato calculam R$ 5 milhões. Aécio Neves chegou a pagar até 2% da receita corrente líquida para quitar precatórios e o governo de Antonio Anastasia gastou, em média, 0,5% da receita. Não temos expectativa de receber a curto prazo. Já passamos por três presidentes no TJ e nada”, disse Otto. A Advocacia-Geral do Estado (AGE), que trata do assunto no governo, informou que não vai se pronunciar.

 

Advogada acusa PBH de não avançar na ordem cronológica

Em Belo Horizonte, a situação é ainda mais grave. De acordo com a advogada Luciana Moreira, que representa alguns dos credores que ocupam os primeiros lugares na ordem cronológica do pagamento de precatórios, nenhum dessa modalidade foi pago em 2014.

“Em novembro de 2013, a prefeitura abriu um edital de acordo direto e colocou R$ 46 milhões à disposição, mas parte ficou sobrando. Esse valor só saberemos quando sair o balanço, mas na ordem cronológica a legislação não foi cumprida. A PBH fala que depositou, mas não foi pago nada na cronologia”, garante a advogada.

A primeira da fila da cronologia junto à PBH é a aposentada Ione Coelho, de 81 anos. Viúva, ela aguarda desde 2003 o pagamento de cerca de R$ 300 mil de pensão do marido, ex-funcionário da Fazenda Municipal. “Tenho mal de Parkinson, pressão alta, problemas de coluna e no braço direito. Faço fisioterapia e gasto de R$ 5 mil a R$ 6 mil por mês com remédios. Se eu recebesse esse precatório, ia ser uma mão na roda”, conta.

O juiz Ramon Tácio, da Central de Precatórios, rebate a informação. Segundo ele, só neste mês de dezembro foram pagos R$ 88 milhões na cronologia e o terceiro edital ainda está em andamento. “Para eu agilizar a cronologia, é preciso que o dinheiro chegue. A cada dia 30 recebo um doze avos destinado a cada modalidade. E em BH o que não foi pago já está próximo de ser”.

Procurada, a assessoria de imprensa da PBH não se manifestou até o fechamento desta edição. 

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