Com critérios rígidos, país teria 487 cidades a menos

Patrícia Scofield - Hoje em Dia
17/11/2013 às 08:35.
Atualizado em 20/11/2021 às 14:12
 (ABR/Arquivo)

(ABR/Arquivo)

A possibilidade de 188 distritos se emanciparem em todo o país – enterrada após veto da presidente Dilma Rousseff (PT) ao Projeto de Lei Complementar 98/2002 – trouxe à tona a reflexão sobre a viabilidade populacional e econômica dos municípios já existentes. Segundo dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), se a regra do PLC 98/2002 estivesse em vigor desde 1996, apenas 103 dos 590 municípios emancipados teriam efetivamente condições de se emancipar.   Para a realização do estudo, foi utilizada a base de dados Finbra (Finanças Brasileiras), disponibilizada pela Secretaria de Tesouro Nacional (STN) com a execução orçamentária e o balanço patrimonial dos municípios brasileiros.   Das mais de 5.500 cidades existentes hoje no Brasil, cerca de 96% têm dificuldades financeiras de se manter sem os repasses da União. Salvam-se, conforme a entidade, apenas sete capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Os demais não foram divulgados pela CNM.  Considerando-se os critérios populacionais, apenas na Região Sudeste, por exemplo, 54,8%, ou 908 dos 1.668 municípios nos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, não se enquadram na exigência que valeria para a emancipação. Pela proposta que tramitou no Congresso, os novos municípios precisam ter, no mínimo, 12 mil habitantes se localizados nas regiões Sul e Sudeste; 8,5 mil no Nordeste; e 6 mil nas regiões Centro-Oeste e Norte. Outra condição é que mais da metade dos habitantes das cidades sejam eleitores.    De acordo com o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, 45,2% dos atuais municípios brasileiros não atenderam à determinação populacional e “não poderiam sequer chegar à fase de realização do estudo de viabilidade”. “Como é possível imaginarmos que quase a metade dos municípios hoje existentes não poderia ter sua viabilidade analisada? Então, só nos resta concluir que o critério estabelecido pelo projeto (vetado pela presidente) é notoriamente restritivo”, afirmou.   Funcionalismo   Na avaliação do coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC-Minas, Robson Sávio Reis Souza, os municípios existentes têm grande número de responsabilidades, devido ao sistema federalista brasileiro, e seus recursos se destinam, basicamente, para o pagamento de seus funcionários e da estrutura de governo. “Não adianta ficar criando municípios sem dar efetivas condições. Antes, é preciso resolver dois problemas: fazer uma ampla reforma tributária, distribuição de recursos mais condizente com a demanda dos municípios e uma reforma política, para fortalecer partidos e tornar lideranças mais eficazes na gestão administrativa”, diz.   Problemas de gestão prejudicam projetos   Para o coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, Robson Sávio, aproximadamente 70% dos 853 municípios mineiros apresentam “elevado nível de improvisação” na administração. “Há um problema de gestão nas prefeituras. Quanto mais interior for, mais o poder está concentrado nas mãos de grupos políticos, além de problemas como a descontinuidade de políticas públicas”, diz.  “Não adianta ter redistribuição de renda se não tem a capacidade de administrar com eficiência”, acrescenta.    O especialista pondera que é preciso que as prefeituras busquem os projetos e programas do governo estadual, do contrário, “ficam na rabeira”. “O Estado tem uma política setorial que depende da apresentação de projetos nas diversas áreas. Se o município não busca isso, a eficácia na administração fica comprometida e restrita em pagar contas e se manter”.    De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), outro agravante em relação às finanças municipais é o fato de cidades de pequeno porte não cobrarem impostos, tal qual o predial territorial urbano (IPTU), ou o rural, com o rigor necessário, alimentando o processo de dependência em relação à União. “Hoje se arrecada apenas um terço do que se tem para arrecadar”, conta o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski. Ele ressaltou, ainda, que aproximadamente quatro mil municípios brasileiros possuem até dez mil habitantes, com propriedades rurais para as quais não se cobra o IPTU. “Nesses municípios, a arrecadação média do IPTU é de R$ 21 por pessoa. Enquanto isso, nas grandes cidades, essa média é de R$ 120”, disse.   Segundo a confederação, as transferências governamentais beneficiam municípios menores, que têm maior proximidade com o eleitor, influenciando a falta de interesse de desenvolver adequadamente o sistema de arrecadação através do IPTU.    No balanço do ano de 2012 feito pela CNM, os 100 maiores municípios, entre os quais, 25 capitais, concentram 78,3% da arrecadação do IPTU. Essas capitais, juntas, arrecadam 50,2% do imposto. Os Estados que concentram mais de 70% da arrecadação do IPTU são Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.   Robson Sávio Reis Souza - Coordenador do Núcleo de Estudos Sociais a PUC-Minas   União concentra arrecadação   “Tem que encarar isso dentro de como está montado o federalismo brasileiro. Aumentou muito a obrigação dos municípios, pressão da Constituinte pós-ditadura, para que os municípios tenham status de ente federado.  O nosso sistema tributário é concentrado na União, o que é importante, porque ela tem papel de redistribuição e até de indução de muitas políticas. Com todas as críticas que podemos ter a isso, é preciso ter um ente central, diante de toda a desigualdade social que nós temos no país.  Por outro lado, tem um limite no repasse da União e tem um problema de gestão nos municípios. Quanto mais interior, mais famílias ou grupos políticos estão no poder. Há também descontinuidade das políticas nos rincões. Não adianta ter redistribuição de renda se não tem capacidade de gestão dos municípios, se tem “familismo”. 

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