Extensão do RDC seria equívoco, dizem especialistas

Patrícia Scofield - Hoje em Dia
25/05/2014 às 08:05.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:43
 (Luiz Costa/Hoje em Dia)

(Luiz Costa/Hoje em Dia)

  Na última semana, o Congresso Nacional sepultou uma tentativa de estender a utilização do RDC (Regime Diferenciado de Contratações) a todas as obras públicas no país (leia ao lado, no Ponto a Ponto). O RDC foi criado para simplificar, agilizar e baratear a realização dos projetos ligados à Copa do Mundo, removendo etapas previstas na Lei das Licitações (8.666/93). Caso a extensão fosse aprovada, na prática o RDC substituiria a legislação que há mais de 20 anos rege a contratação de obras públicas em todas as esferas do Executivo no Brasil.   Embora haja um debate sobre a necessidade de atualização da Lei das Licitações, na avaliação de especialistas em licitação consultados pelo Hoje em Dia, o RDC não é considerado a solução ideal. Ele seria a extensão do que “não deu certo” e abriria espaço para a corrupção. “O RDC não respondeu a três questões fundamentais: não deu celeridade às contratações da Copa e das Olimpíadas, não barateou as obras pelo contrário, superfaturou o preço dos estádios e não deu qualidade aos serviços”, afirma o consultor em gestão pública Inaldo de Vasconcelos Soares.    Um dos pontos questionados da ampliação do RDC, instituído, teoricamente, para agilizar as obras, reduzindo a burocracia das licitações, é a possibilidade de passar à empresa vencedora da licitação a fiscalização do empreendimento. Para Inaldo Soares, a situação traduz a ausência do Estado nesse processo. “É função do Estado planejar, executar e avaliar as obras com recursos de origem pública. Além do mais, os instrumentos de controle existem, o que falta é sua aplicação”, complementa.   Planejamento   Na avaliação do presidente do Sindicato da Arquitetura e da Engenharia de Minas Gerais (Sinaenco-MG), engenheiro Flávio Krollmann, a proposta do governo prejudica o planejamento da obra ao permitir a contratação do serviço sem o projeto executivo, tendo como base apenas uma “visão da obra”.    “O vencedor da licitação não vai ter dados suficientes para fazer a proposta e colocará o risco do empreendimento no seu preço, que poderá ficar acima do viável e até esvaziar a concorrência. Põe uma pá de cal no planejamento e joga por terra a expectativa de agilizar o processo”, afirma. Ele destaca que o planejamento de uma obra leva cerca de 40% do tempo de execução do empreendimento, mas, no Brasil, não é valorizado como no exterior.   “O RDC só tem o menor preço, mas um bom trabalho intelectual não pode ser comprado pelo menor preço. Na ausência de um projeto executivo, pode-se ter um prazo maior e a exigência de novas intervenções e materiais, comprometendo a qualidade. Lá fora, gasta-se mais tempo nessa parte, que representa só 5% do todo, mas cuja ausência pode causar danos”, explica Krollmann.    Já advogada especialista em contratações públicas e licitações, Marina Falcão, aprova o RDC. “Acho que só temos a ganhar com o regime diferenciado, se for feito conforme os princípios da administração pública legalidade, transparência, eficiência dos contratos públicos, controle e segurança jurídica”.     Gestão eficiente e modernização da lei podem combater irregularidades   Para o consultor em gestão pública Inaldo Soares, não é mudando uma lei em vigor há 20 anos, a Lei das Licitações, que os governos conseguirão combater as irregularidades nas compras e obras públicas. Para ele, as mazelas do processo de compras no país se devem à “questão da gestão ineficiente”.   “Os instrumentos de controle existem, o que falta é a sua aplicação durante a execução da obra”, pondera Soares. “Entendo que nada é imutável, desde que se preservem as premissas do projeto básico, execução do contrato e avaliação do objeto contratado”.    De acordo com o presidente da regional mineira da Sinaenco, Flávio Krollmann, a lei 8.666 precisa ser revista para desburocratizar o processo de contratação, priorizando a modalidade de “técnica e preço”, e não apenas preço. “Ao contratar um serviço de engenharia, arquitetura, gerenciamento, o profissional com expertise deve ser considerado para haver maior retorno para a sociedade”.    O secretário municipal de Obras e Infraestrutura de Belo Horizonte, José Lauro Nogueira Terror, concorda. “O tipo menor preço leva a competição pública para o lado jurídico e atrasa o processo. Uma proposta técnica mais rica levaria a menos questionamentos. Hoje, temos um mercado vigoroso, programas de governo. Se temos burocracia em três licitações é uma coisa, mas em três mil obras, por exemplo, prejudica o atendimento às demandas da população”.   A advogada Marina Falcão, reconhece a necessidade de revisar a Lei das Licitações. “Pode-se melhorar a forma de contratação, nem tão aberta a incertezas, nem tão dura quanto a lei 8.666, desde que com segurança jurídica”.    Ponto a ponto   O Senado aprovou, na última terça-feira, o texto original da Medida Provisória (MP) 630/2013, mas rejeitou a extensão do RDC a todas as contratações públicas . Ficou definido, conforme o texto original da MP do Executivo, que o regime diferenciado será empregado apenas em obras de ampliação ou reforma de presídios, como resposta à crise do sistema prisional de 2013, especialmente no Maranhão.   O texto voltou à Câmara dos Deputados por ter sido alterado no Senado e, na última quinta-feira, o plenário da Casa confirmou a ampliação do RDC apenas para presídios e unidades de internação. A matéria segue agora para promulgação.    Em março, a comissão especial mista do Congresso Nacional que analisou a MP havia aprovado o parecer da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), relatora do texto, que estendia o uso do RDC para todas as licitações e contratos da União, estados, Distrito Federal e municípios.    Criada pela Lei 12.462/11, originalmente para reger os contratos do governo para as obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas, a MP dispensa a necessidade de algumas exigências da Lei 8.666, conhecida como Lei das Licitações.    O RDC diminui prazos, simplifica a análise dos recursos nas licitações, e permite a modalidade de contratação integrada quando uma única empresa fica responsável pela obra toda, desde os projetos básico e o executivo até a entrega final do bem em condições de uso.    O RDC ainda privilegia a rapidez das contratações mas, segundo especialistas no assunto, por priorizar a contratação do tipo menor preço em vez de ‘preço e técnica’, pode por em risco a qualidade obra e os serviços especializados. Em caso de alegação de desequilíbrio de contrato por parte da empreiteira, podem haver aditivos no preço inicial.   O RDC já tinha sido ampliado para as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Programa Nacional de Dragagem Portuária e Hidroviária.   Já a Lei de Licitações (8.666/93) é questionada por burocratizar a concorrência pública e não considerar o “desenvolvimento sustentável” nas contratações da União. Tem como base a seguinte tríade: definição da administração em desenhar o projeto básico com a elaboração do edital; execução do contrato ou da obra contratada com a entrega do objeto de contratação; e a avaliação da contratação, o que é muito pouco utilizada no ambiente do serviço público, de acordo com o especialista em licitações Inaldo Soares.

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