Falhas apontadas no projeto do viaduto foram desconsideradas

Ezequiel Fagundes - Hoje em Dia
25/05/2015 às 06:20.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:11
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

Documento inédito da investigação da queda do viaduto Batalha dos Guararapes, em Belo Horizonte, reforça a tese de tragédia desenhada e complica a situação do ex-secretário de Obras, José Lauro Nogueira Terror. Além dos alertas por e-mail, a arquiteta e diretora aposentada de projetos da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), Maria Cristina Novais Araújo, propôs a José Lauro a criação de uma comissão para avaliar o projeto. O pedido não foi atendido.

Embora tenha recebido dezenas de mensagens, o ex-secretário, hoje na presidência da Prodabel, nega ter sido avisado sobre os graves problemas do projeto. Um operário revela ter virado várias noites trabalhando para atender o cronograma da obra da Copa do Mundo. As informações constam no relatório conclusivo da Polícia Civil, obtido com exclusividade pelo Hoje em Dia na última semana.

“José Lauro Nogueira Terror foi omisso ao não acatar quaisquer das sugestões da Diretora de Projetos Maria Cristina Novais e tão pouco buscar alternativas para se quantificar a extensão do erro no projeto. Assistiu todo o desenvolver da execução da obra natimorta de um projeto que sabia que apresentava falhas severas e, sequer se poderia identificar quais das revisões estava sendo executada, conforme mencionado por Maria Cristina”, diz trecho do relatório conclusivo da polícia.

Comissão informal

O inquérito foi encaminhado aos promotores Eduardo Nepomuceno, Marcelo Mattar e Denise Guerzoni. Maria Cristina é, hoje, peça-chave da apuração do Ministério Público Estadual (MPE), que cogita retirar o nome dela da denúncia que será apresentada à Justiça nos próximos dias.

Valiosa na investigação do MPE, Maria Cristina defendeu que fosse criada uma comissão multidisciplinar por meio de uma portaria. O ex-secretário não concordou, de acordo com o inquérito. Em resposta, disse que só aceitaria participar de uma comissão informal, sem a necessidade de baixar uma portaria.

Mudanças

As várias versões de projetos do viaduto eram a preocupação da arquiteta da Sudecap. Nem assim a ideia da arquiteta prosperou, pois o diretor de obras da Sudecap, Cláudio Marcos Neto, alegou que o trabalho da comissão poderia comprometer o andamento da obra dos Guararapes.

À polícia, Maria Cristina disse que os projetos sofreram alterações até que, em outubro de 2013, ela foi substituída por outro profissional. Nessa data, ela deixou a Sudecap em função de uma grave doença. Entre as novas linhas de investigação do MPE, está a atuação do profissional que teria substituído Maria Cristina e de outros servidores da Prefeitura de Belo Horizonte, além de funcionários da empreiteira que foram citados no inquérito policial.
Ex-secretário de Obras diz conhecer o projeto em linhas gerais
Avesso à imprensa, o ex-secretário de Obras José Lauro Nogueira Terror tem evitado falar sobre a investigação da polícia que apontou ele e outras 18 pessoas como responsáveis pela tragédia do viaduto dos Guararapes. Em depoimento, obtido pelo Hoje em Dia, José Lauro nega ter recebido qualquer informação sobre problemas no projeto.

“Não houve discussão quanto às obras, notadamente quanto à quantidade de aço empregada no viaduto ‘Batalha dos Guararapes’, haja vista o fato das empresas contratadas para o projeto, construção e acompanhamento das obras já estarem atuando no mercado há mais de cinquenta anos”, declarou, em oitiva para o delegado Hugo e Silva.

De acordo com o inquérito, o ex-secretário de Obras de BH tem formação de engenheiro eletricista. Sobre o projeto do viaduto, alegou conhecê-lo “em linhas gerais”.

Histórico

Em março de 2013, em entrevista publicada na revista do Sicepot-MG, José Lauro é apresentado como engenheiro pelo “Cefet-Rio e pós-graduado em Finanças pela PUC-MG”. As duas instituições não divulgam informações sobre ex-alunos.

Antes de entrar para o setor público, ele teria trabalhado em uma das empresas do prefeito Marcio Lacerda (PSB), de quem é próximo.

Após a crise vivida no governo Lacerda por causa da queda do viaduto, foi exonerado da pasta de Obras e alocado na presidência da Prodabel, autarquia da prefeitura responsável pela implementação de parte do programa de modernização da prefeitura.

Nessa semana, a reportagem tentou, mais uma vez, agendar entrevista com José Lauro, mas ele se recusou a falar sobre a tragédia e sobre a trajetória acadêmica nos setores público e privado.

Por meio de nota, ele agradeceu a oportunidade de se manifestar, mas alegou que vai aguardar a conclusão da investigação do Ministério Público Estadual.

Operário: “161 horas extras e trabalho de segunda a domingo”

Operário da obra do viaduto Batalha dos Guararapes, Fábio Júnior Silva diz ter feito 161 horas extras em junho, um mês antes da tragédia do viaduto. Interrogado pela Polícia Civil, Fábio revelou uma estressante carga horária de trabalho. Segundo ele, o ritmo frenético era para atender a demanda do cronograma da Copa do Mundo.

“Alega que, no mês de junho, fez 161 horas extras, pois estava trabalhando de segunda a domingo sem horário para parar e as vezes virava a noite trabalhando devido a demanda para entregar a obra”, consta no documento. Trabalhando no canteiro da obra juntamente com dois irmãos, o operário ficou ferido com o acidente.

Em relação às lesões sofridas, traz o depoimento: “Com a queda do viaduto, ficou preso em algumas ferragens e sofreu várias lesões, sendo uma no testículo que perfurou por baixo do saco escrotal indo até próximo ao umbigo, sofreu uma outra perfuração no pescoço que foi até a garganta, uma ferida na barriga, além de várias escoriações”.

Problemas

Com falhas graves no projeto e com menos aço do que o necessário, o viaduto desabou em 3 de julho atingindo um carro de passeio, um micro-ônibus coletivo e dois caminhões por volta das 10h. Duas pessoas morreram e outras 23 ficaram feridas.

Na última sexta-feira, o prefeito Marcio Lacerda (PSB) voltou a falar sobre a investigação. Em entrevista, ele defendeu a Sudecap e diz acreditar na “inocência” dos funcionários da autarquia da administração municipal.

Foi a segunda vez que ele se pronunciou após a divulgação do nome dos 19 indiciados pela polícia. Da primeira vez, disse ter participado de reuniões sobre a obra, mas não teve acesso aos detalhes da mesma.

A suposta responsabilidade do prefeito em relação à tragédia ainda está sendo apurada pelo MPE.

As conclusões apresentadas pelo delegado hugo e silva, da polícia Civil

Restou cabalmente demonstrado nos autos, de que, todos os indiciados se omitiram quanto às existências dos graves problemas referentes aos projetos executivos dos quais tinham prévio conhecimento.

“Problemas que vão desde a existência de pequenos erros, passam pela falta de compatibilização e chegam até mesmo na inexistência do próprio projeto. Considero o momento atual o caos”, conforme e-mail encaminhado por Maria Cristina Novais Araújo, arquiteta e então diretora da Sudecap, ao ex-secretário de Obras e Infraestrutura José Lauro Nogueira, com cópia para os servidores da prefeitura Cláudio Neto e Beatriz Ribeiro.

Omissão dos responsáveis assumiu risco do resultado danoso

No conjunto de depoimentos carreados aos autos, algumas testemunhas, vítimas e indiciados foram fundamentais para identificar os responsáveis omissos na elaboração dos projetos estruturais, execução e fiscalização da obra, em especial ao viaduto Batalha dos Guararapes, objeto de investigação.

Pelas provas subjetivas não restou dúvida de que os indiciados foram omissos e tinham o dever legal de agir e poderiam ter adotado as providências necessárias. Desta feita, assumiram o risco em produzir o resultado danoso, dolo eventual e, houve omissão que foi relevante para o direito, tanto em relação ao desabamento quanto às mortes e lesões sofridas.

Falhas e omissões são apontadas no processo de revisão do projeto estrutural e fiscalização da obra

Os depoimentos e declarações associados à prova da Polícia Técnica Científica da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) esclarecem que houve falha e omissão no processo de revisão do projeto estrutural e fiscalização da obra demonstrando que todos os indiciados com o comportamento omissivo assumiram o risco em produzir o resultado lesivo, sendo esse resultado relevante para o direito penal. É certo que todos deviam e podiam agir para evitar o desabamento da Alça Sul do Viaduto Batalha dos Guararapes e, consequentemente, impedir as mortes e ofensas à integridade física e psíquica de dezenas de pessoas. Ainda, os danos aos veículos.
 

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