Herdeiros de coronel da PM da ditadura ganham R$ 800 mil

Ezequiel Fagundes - Hoje em Dia
23/02/2015 às 07:13.
Atualizado em 18/11/2021 às 06:06
 (Arquivo/Hoje em Dia)

(Arquivo/Hoje em Dia)

Herdeiros do coronel Afonso Barsante dos Santos, chefe do Estado Maior da Polícia Militar (PM) durante o golpe militar de 64, receberam quase R$ 800 mil do Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais (TJM-MG). O pagamento consta na folha de pagamento de janeiro deste ano, conforme o portal da transparência do TJM, a título de “vantagens eventuais”.

Um dossiê do período da ditadura, obtido pelo Hoje em Dia junto ao Arquivo Público Mineiro (APM), em BH, coloca Barsante como um dos protagonistas do movimento que resultou no afastamento do presidente João Goulart. Em um dos documentos, o coronel é citado como sendo “um dos principais esteios” do golpe “pela sua atuação simplesmente exemplar na condução do movimento revolucionário que salvou o país”, diz uma carta de 1975, subscrita pelo coronel José Geraldo de Oliveira, comandante da PM no governo Magalhães Pinto.

Depois de comandar a PM, Barsante foi nomeado presidente do Tribunal Militar pelo então governador Aureliano Chaves, da Arena, partido de sustentação da ditadura.

Morto em 2007, o coronel presidiu a Corte Militar durante sete anos, de 1976 a 1982. De acordo com o tribunal, o pagamento de R$ 798 mil líquido foi motivado por decisão judicial em ação movida pelos familiares do coronel.

Inicialmente, o valor da causa, julgada procedente pela 3ª Vara de Sucessões do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), era de R$ 2,3 milhões.

De acordo com o Tribunal Militar, o montante corresponde a abono constitucional de um terço de férias, indenização de férias, antecipação de férias, gratificação natalina, antecipação de gratificação natalina, serviço extraordinário, substituição, pagamentos retroativos, além de outras parcelas desta natureza.


Em entrevista, o advogado dos familiares de Barsante, que pediu para não ter o nome citado, confirma o depósito em juízo. Segundo o defensor, trata-se de “diferenças de verbas salariais” acumuladas em vários anos.

Procurado, um dos herdeiros do coronel não atendeu aos telefonemas da reportagem até o fechamento desta edição.

 

Ação para conter simpatizantes do ‘turbulento’ Leonel Brizola

Documentos do historiador mineiro Waldemar de Almeida Barbosa, doados ao Arquivo Público Mineiro (APM) mostram o papel da Polícia Militar (PM) na visão do então chefe do Estado Maior, coronel Afonso Barsante dos Santos.

De acordo com a documentação, foi em Minas que se iniciaram as confabulações sigilosas entre os altos escalões do Exército da 4ª Região, em Juiz de Fora. Após reuniões, foram delineados os primeiros movimentos táticos.

A intenção era conter a bola de neve entre simpatizantes do credo vermelho, praticamente todos eles capitaneados pelo “turbulento e irresponsável” cunhado do presidente da República, Leonel Brizola.

“E no correr do mês de março de 64, então, os acontecimentos foram se precipitando de tal forma a não oferecer outra alternativa senão o movimento armado”, narra Barsante.

Em outro ponto, o coronel fala sobre o aumento de efetivo da PM na véspera da ação militar. Segundo ele, a corporação participou de todos os atos “revolucionários” desde o primeiro instante. “Não foi difícil e nem causou espécie quando nos aproximamos da casa de 20.000 homens. E outros 20.000 seriam incorporados mediante recrutamento de civis, como chegamos a dar início nas vésperas e primeiros dias da revolução”, relatou.

Três operações foram desencadeadas: “Silêncio”, “Gaiola” e “Popeey”. A primeira visando o controle das telecomunicações e proteção das emissoras; a segunda para prisão de todos os suspeitos. A terceira significava a marcha dos mineiros para a Guanabara, partindo de Juiz de Fora.

“Creio, portanto, que não há onde contestar que desde os primeiros momentos ocupamos a linha de frente nas operações militares”, explicou Barsante.

 

Atuação dos EUA e ataque ao jornal ‘Binômio’ são destacados

Em outro trecho do dossiê do Arquivo Público Mineiro (APM), o coronel Afonso Barsante dos Santos faz comentários sobre a atuação dos Estados Unidos no golpe militar brasileiro.

Segundo ele, durante a chamada fase revolucionária, não houve qualquer tipo de ajuda externa. Mas, como “o Brasil não é uma Ilha de Cuba”, uma eventual investida das forças comunistas geraria uma reação internacional.

Destaca sobretudo os Estados Unidos que, segundo ele, estavam empenhados na “luta democrática do mundo ocidental”.

Barsante cita documentos liberados em Austin, no Texas, relativos ao envolvimento da 6ª Frota Norte-Americana que estaria preparada para dar apoio.

“Custa-me, mesmo, acreditar na veracidade da notícia, pois o movimento foi desencadeado sem conhecimento das próprias autoridades e do povo brasileiro e apenas uns poucos, pouquíssimos mesmo, sabiam da situação exata. Também não posso deixar de admitir, já que existem documentos a respeito, que o assunto tenha sido ventilado, mas sem qualquer reflexo no movimento revolucionário propriamente dito”, relatou.

O ataque à sede do “Binômio”, em BH, classificado por Barsante como um “jornaleco esquerdista”, é evidenciado na documentação.

Segundo o coronel, as instalações do jornal foram destruídas em revide a uma surra que o general Punaro-Bley levou por ter ido até a redação para reclamar das críticas que vinha sofrendo do “Binômio”.

“Era o mínimo que poderiam fazer tal a afronta recebida”, argumentou.

Barsante descreve Bley como “antiesquerdista de fibra” que expunha as “mazelas do comunismo e os perigos que representava para o país”. 

 

 

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