"Impeachment tem duas faces da moeda: jurídica e política", diz Anastasia

Filipe Motta
fmotta@hojeemdia.com.br
21/08/2016 às 19:53.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:29
 (Lucas Prates/Hoje em Dia)

(Lucas Prates/Hoje em Dia)

Não há como negar a dimensão política do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). É o que afirma o relator do processo, o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que garante, no entanto, que as bases jurídicas do processo são sólidas. “O processo tem uma parcela jurídica e tem uma parcela política, que se refere à falta de apoio que ela (Dilma) tem”, afirma. Confira a entrevista exclusiva concedida pelo senador ao Hoje em Dia, na última sexta-feira.


O processo do impeachment é um processo político ou jurídico?
Temos no Brasil uma grande obra de referência sobre o assunto, do ex-ministro (do STF e jurista) Paulo Brossard. Nela está muito claro que esse é um processo jurídico-político. Esse também é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito dos processos que já tivemos nos Estados e no caso do presidente Collor, em 1992. Temos decisões judiciais deixando claro a natureza político-jurídica do processo.

O processo é penal?
Temos, concomitantemente, elementos jurídicos, que compõem o crime de responsabilidade, que não é um crime comum. O impeachment não é um processo penal, um “crime” no sentido coloquial da expressão. Por outro lado, o julgamento é também político. A decisão que os juízes (que são os senadores) tomarão é uma moeda de duas faces: de um lado o crime de responsabilidade e de outro lado o julgamento político.

A defesa, no entanto, defende a natureza técnica do processo.
É natural que a defesa insista que ele tenha que ficar somente na dimensão jurídica. Mas a porção política também existe. Tanto que a decisão final do Senado não pode ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, é irrecorrível quanto ao mérito.

Defensores da presidente têm levantado o parecer do Ministério Público que aponta que não há crime de responsabilidade nas pedaladas fiscais. Como o senhor avalia o parecer?
Não há crime comum. O Ministério Público é o titular da ação penal. E ele entendeu que naquele caso a situação não tem relação com a órbita penal. Ao mesmo tempo, o procurador fala que não houve crime de pedalada, mas que houve improbidade administrativa. Mas improbidade administrativa é crime de responsabilidade, basta ver a Lei 1.079.

O senhor não teme que algum tipo de injustiça possa estar ocorrendo no processo e que, futuramente, você possa ser julgado por um erro?
Não, de forma alguma. Em primeiro lugar, sobre o ponto de vista do crime de responsabilidade, as pessoas que leram o parecer percebem que ele está muito sólido. É muito consistente o argumento de que o crime de responsabilidade realmente ocorreu. Os crimes ocorreram. Muitas vezes as pessoas alegam que são crimes de responsabilidades menores. Ora, se a própria Constituição diz que atentar contra a lei orçamentária é um crime de responsabilidade, e o que foi feito atenta contra a lei orçamentária... Isso seria de menor valor?

Não há risco de instabilidade política com a destituição de dois presidentes em poucos anos?
í é uma outra discussão. Não tem nada a ver com esse processo. É uma questão de fundo do presidencialismo brasileiro, das nossas condições políticas e do nosso modelo de governo. Se é mais adequado o presidencialismo ou o parlamentarismo, por exemplo.

Se a presidente tivesse tido maior habilidade política nos últimos anos, o processo teria chegado ao ponto em que se encontra?
Volto a dizer: o processo tem uma parcela jurídica e outra política, que se refere à falta de apoio que ela tem. Pode ser que, se outras práticas politicas tivessem sido adotadas (por Dilma), no passado, a questão política poderia ser diferente. O que aconteceu é que, de fato, ela fez um governo muito divorciado da base parlamentar e que se divorciou da opinião pública, a partir de 2013, ainda que tenha vencido as eleições. E todos aqueles compromissos assumidos nas eleições foram afastados, tanto que os indicadores de popularidade caíram bastante.

Mas não há nenhuma ameaça à soberania democrática e ao voto com a destituição?
O presidente é eleito, não há dúvida. A soberania popular é que o escolhe. Mas há previsão do seu afastamento. A eleição não é um cheque em branco para que o eleito possa fazer tudo que lhe aprouver. Quando a separação dos poderes foi concebida, ficou muito claro que o Executivo tem imensos poderes, mas não são ilimitados. E esses limites são colocados pela Constituição. No momento em que o presidente desrespeita a Constituição, cometendo um crime de responsabilidade, ele deve ser responsabilizado. A palavra crime é ruim. Eu sempre disse isso. Não é um crime comum, um crime contra a vida, contra o patrimônio, contra integridade física das pessoas. Na verdade, é uma infração político- constitucional. Mas, por outro lado, é de irresponsabilidade .

Um argumento muitas vezes colocado é que governadores e ex-governadores cometeram infrações semelhantes, mas não foram alvos de processos.
É preciso tomar cuidado. As infrações “semelhantes” foram as mesmas? É preciso olhar as legislações estaduais e federais. Quando eu fui escolhido relator do processo falaram “ah, mas o senhor fez pedaladas”. Não tem o menor fundamento. Primeiro, porque a palavra pedalada se refere aos bancos oficiais e os Estados não têm mais bancos desde os anos 1990. E a questão do crédito não existe na legislação estadual, só na federal. São situações muito distintas. Agora, pode ser que algum governador tenha de fato as suas infrações. Alguns casos foram adiante. Outros não. Depende também do julgamento político.

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