João Otávio de Noronha: A reforma eleitoral e as "balelas" do congresso

Amália Goulart - Hoje em Dia
04/10/2014 às 08:59.
Atualizado em 18/11/2021 às 04:28
 (Luiz Costa)

(Luiz Costa)

Mineiro de Três Corações e cruzeirense de coração, o ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) João Otávio de Noronha acredita que o sistema eleitoral brasileiro precisa de mudanças que o Congresso não será capaz de fazer. Corregedor da Justiça Eleitoral, Noronha afirma que o projeto de reforma política apresentado por líderes partidários é uma “balela”. De posturas firmes, o ministro diz ser “radicalmente contra” o financiamento público de campanha. Para ele, é legítimo que setores econômicos defendam seus interesses no Congresso e doem recursos a candidatos. Noronha cita, por exemplo, os Estados Unidos, onde a profissão de lobista é regulamentada. Às vésperas das eleições, o ministro deu a seguinte entrevista ao Hoje em Dia, na qual são abordados temas polêmicos da estrutura político-partidária brasileira.

Qual o balanço que o senhor faz do Ficha Limpa?

A Ficha Limpa gerou um processo muito atuante. Não sei o quanto isso vai melhorar porque nem todos (os suspeitos de irregularidades) se enquadram. Existem pessoas que aparentemente estariam (enquadradas), mas bem examinado à luz da lei, não estão. Também a Ficha Limpa tem um perigo: a população às vezes é levada pela discussão acalorada daqueles juristas que se fazem mais moralistas. Mas não está sendo muito bem observado que se está transferindo a decisão de uma eleição, do voto, para sete membros do Tribunal Regional Eleitoral e, depois, para os sete membros do Tribunal Superior Eleitoral. Não sei até onde isso condiz com o sistema democrático.

Mas não se trata de um processo importante para a moralização da política?

Todo mundo está muito preocupado com a assepsia moral dos candidatos e ocorre que o voto coloca-se, às vezes, em segundo plano. Um exemplo é Paulo Maluf, que é o primeiro candidato de São Paulo. Teria certamente um milhão de votos e está impedido de ser candidato. Foi impugnado o registro (da candidatura dele), fui até voto vencido. É uma figura que todos conhecem. É uma figura que está exposta a todos os tipos de críticas há anos. Ninguém é mais massacrado na vida do que o senhor Paulo Maluf. No entanto, ele tem um milhão de votos. Acho que isso merece uma reflexão. Até onde devemos levar ao extremo os princípios da Ficha Limpa? Isso é uma questão que não foi pensada.

O senhor está dizendo que a Justiça Eleitoral e a vontade popular podem se opor?

Não podemos dizer, com a devida venia, que o povo não sabe votar. Até porque o povo de hoje não é o mesmo que o de 1940, de 1960 ou, muito menos, de 1970, que ia no embalo da propaganda ditatorial. Essa questão do Maluf vai na linha do Gilmar Mendes, que disse que não ficou provado o dolo. Aliás, ficou categorizado no voto do Tribunal de Justiça de São Paulo que a condenação foi culposa. A condenação culposa não dá ensejo à impugnação do registro.

O senhor acha que este clima de querer limpar a política poderia influenciar votos, como no caso de Maluf?

Não diria. O TSE tem ministros muito responsáveis e preparados. Mas, leva, às vezes, a uma coisa que nunca fizemos no TSE: reinterpretar decisão do Tribunal de Justiça para dar uma nova qualificação jurídica. A jurisprudência nunca aceitou isso. Ou seja, a decisão que profere o Tribunal de Justiça, quando chega à Justiça Eleitoral é aceita tal qual está desenhada e emoldurada.

O que mudou?

Hoje, lá se põe um desenho de culpa. Tanto é que foi uma decisão por 4 votos a 3. Proferi um longo voto, mostrando e chamando muita atenção de que aquele caso não se enquadrava nos termos em que fora baseado o acórdão no Tribunal de Justiça de São Paulo.

Esta é a segunda eleição em que a Ficha Limpa está valendo. Qual o balanço que o senhor faz, tanto do número de ações, quanto da qualidade da lei?

Muitas ações, mas não sei se o resultado será o esperado. O Ficha Limpa capta condutas passadas. E condutas passadas recentes ainda não foram captadas nos registros aqui e agora. Até porque precisa ter uma condenação colegiada e muitos prefeitos e deputados ainda estão com ações correndo no primeiro grau. Então, não tem nem condenação em segundo grau nem condenação colegiada.

Que tipo de reforma política o senhor pensaria para o Brasil?

Primeiro, temos que parar de pensar que o problema do Brasil se resolve com reforma política. Reforma política tal qual proposta aqui é uma balela. Você não pode engessar a criação de um partido. Os Estados Unidos tem mais de 100 partidos. Lá, pode ter até candidato autônomo. Então, não é o número de partidos. É a consistência dos partidos.

Por onde, então, a reforma deveria ir?

Nós precisamos trabalhar uma legislação que, ainda que exista uma pluralidade de partidos, iniba as agremiações de negociarem legendas ou tempo de televisão. Mas isso não é necessariamente impedir a criação de partidos. Você pode exercer uma boa fiscalização. O Ministério Público e a Polícia Federal estão aí para isso. Não devemos deixar de ir ao campo de futebol porque mataram um cidadão ou porque lá dentro alguém passou mal. Nós vamos e cabe à polícia, a cada dia, melhorar a segurança. E a segurança das eleições, a segurança da democracia pluralista é que precisa ser melhor trabalhada. E não é a segurança do sistema eleitoral em si, mas deste conjunto de regras e comportamentos dos partidos fora até do período eleitoral.

E o financiamento público de campanhas?

Acho que temos lugar melhor para gastar o dinheiro. Sou radicalmente contra. Primeiro porque quem controla? Quem vai fazer a lei? Os partidos majoritários, que não darão oportunidade nenhuma aos pequenos partidos de crescer. Segundo, quem está no poder vai destinar um montante. Qual o montante suficiente para o Brasil? E por que a empresa privada, as grandes empresas, não podem participar do processo se na maior democracia do mundo participam? Qual o problema? Nós falamos: as empresas não poderiam doar. Mas o funcionário público de determinado partido, que ocupa cargo em comissão, dá 10%, aumentou-se muito em número, que somados os 10% de todos dá um valor enorme que mantém economicamente forte determinado partido. Isto também é válido? E ninguém questiona isso. Eles falam somente na doação da pessoa jurídica.

O senhor acha legítimo uma empresa financiar uma ou mais candidaturas?

Por que o empresário não pode participar do processo eleitoral financeiramente? Ele tem interesse. E por isso os Estados Unidos legalizaram a profissão de lobista. Os lobbies lá são muito bem definidos. As empresas não têm interesse a defender no Congresso Nacional? Têm. A política facilita a criação de empregos, facilita negócios, exportação? Eles tem que defender esta política, do negócio deles.

Mas, o dinheiro das empresas não pode desequilibrar o jogo político em favor do capital?

A política trabalhista sofre um lobby tremendo no Congresso por parte dos sindicatos de trabalhadores. Os empresários não podem mostrar que determinadas vantagens, quando concedidas em excesso, prejudicam a pauta de exportações brasileiras, elevam o custo Brasil e acabam gerando mais desemprego que emprego? A democracia passa pela participação de todos. Inclusive do empresariado. E não só da classe trabalhadora, mas de todos.

A curto prazo, quais as medidas que o senhor acredita deveriam ser tomadas?

Primeiro, acho que precisamos rever a distribuição do horário gratuito de televisão. Você ter uma candidata com o horário maior que os demais realmente fere o princípio da proporcionalidade. Em uma eleição majoritária adotar critérios da proporcionalidade, de participação no Congresso, não é razoável. Tanto é que temos um sistema na eleição majoritária e temos um sistema para as eleições proporcionais. Então você importa das eleições proporcionais o tempo de televisão, ou seja, deste sistema de eleições proporcionais você define o tempo de televisão da majoritária. Isto não tem nexo. Acho que precisamos rever isto.

Mas, quem tem maior bancada é quem comanda as votações...

Este é o perigo da reforma política. A reforma política que se tentou elaborar no Congresso Nacional qual é? De fortalecer os partidos do poder. É uma balela. O Congresso, alguns políticos, estão vendendo algumas coisas que eles não são capazes de entregar. Precisamos considerar que o Brasil é, democraticamente, um país novo.

Mas, na história do país, já tivemos experiências democráticas...

A República, logo que instalada, é submetida a uma ditadura com Floriano Peixoto. Depois tivemos uma ditadura econômica da famosa política do café com leite (alternância no poder entre Minas e São Paulo). Depois você tem Getúlio que derruba a política de café com leite com uma outra ditadura. Depois você vem com um governo pós Getúlio, governo Dutra, que é democrático, assim como o governo Juscelino Kubitschek. Mas (a experiência democrática) acaba logo depois do governo João Goulart. Então, temos mais 20 anos de ditadura. Então, se você olhar em uma sequência de anos, democracia é o período agora, pós revolução de 64. Isto é um tempo pequeno.

O senhor quer dizer que ainda estamos amadurecendo nossas instituições políticas?

Precisamos de um tempo mais de amadurecimento. O povo ainda está amadurecendo um modo de votar, de escolher. Agora nós passamos por uma coisa cientificamente inexplicável. Um avião caiu na cabeça de um candidato, que estava tranquilo em segundo lugar. Qual o fato político? Nenhum fato político. O fato foi lastimável, um desastre, que legitima de uma hora para outra uma candidata que era vice e que não agregava nada em termos de voto. Que quando candidata, historicamente, tinha 23% de votos. Então, observe bem: a melhor forma de amadurecer a democracia, influenciar a liberdade de pensamento, é deixar ela ocorrer. Sem tanta intervenção.

E quanto à reforma política?

A reforma política que tivemos foi desastrosa. Foi no governo militar. Qual foi? Dois partidos. E resolveu? Depois tivemos uma abertura, criaram-se os partidos, outros se fundiram. Isto vai gastar um tempo. Veja o Psol. Por que ele tem que estar dentro do PT se eles não se sentiam confortáveis no governo Lula? Então, você vai inibir, vai engessar esse povo no partido?O que precisa é dar um tempo mínimo para que um novo partido consiga uma representação mínima no Congresso. Isso é razoável. Mínima, 1%. Não pode também ser quatro, cinco anos. Que se dê dez anos, três eleições. Aí sim, uns desaparecendo, outros surgindo.

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