Lojistas do Mercado Central contam causos que remontam a JK e figuras políticas históricas

Patrícia Scofield - Hoje em Dia
25/07/2014 às 09:30.
Atualizado em 18/11/2021 às 03:31
 (Carlos Rhienck)

(Carlos Rhienck)

Um dos mais conhecidos pontos de encontro e centro de compras de Belo Horizonte, o Mercado Central carrega também a tradição política do corpo a corpo dos candidatos com o eleitor durante as campanhas. Segundo relato de comerciantes do local, a prática começou nos anos 50, com o então ex-governador de Minas Juscelino Kubitschek.   Entre um cafezinho, uma degustação de abacaxi ou de queijo, e a pausa para o aperto de mão, os candidatos buscam o voto em um dos locais mais democráticos do Centro, que reúnem frequentadores dos quatro cantos da Região Metropolitana de BH, com os mais diversos poderes aquisitivos.   “Quem não passa pelo Mercado Central em época de campanha não ganha eleição. Aqui é um ponto formador de opinião”, brinca o aposentado Paulo Paim, ex-funcionário e irmão do dono do “Dois Irmãos”, um dos cafés mais tradicionais do local.   Desde 1985, ele já serviu, no balcão, água e café para políticos das mais variadas tendências, como o ex-presidente Itamar Franco, o ex-ministro Ciro Gomes (CE), o deputado federal Newton Cardoso (PMDB), o candidato a deputado estadual Patrus Ananias (PT), o deputado estadual João Leite (PSDB) e o então prefeito de BH Fernando Pimentel (PT).   O hoje candidato ao governo estadual é considerado “cliente fiel”, daqueles que frequentam o Mercado Central durante todo o ano. Também são lembrados o prefeito de BH, Marcio Lacerda (PSB), e o presidenciável Aécio Neves (PSDB).   Em uma das paredes do estabelecimento fica um mural com inúmeras fotos feitas durante essas visitas. “Não tenho nada que reclamar deles. Todos os clientes são bem-vindos, mas não tive tempo de conversar sobre política com eles”, resume Paulo Paim.   Para o dono do café, Sidney Gonçalves Filho, lojista do Mercado há quase 30 anos, a história mais marcante foi a visita de Itamar Franco, enquanto governador de Minas. “Ele anunciou aqui que apoiaria Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula, na disputa presidencial de 1994. Pegou todo mundo de surpresa. Ninguém imaginava. Fechou o corredor e ele ficou uma hora aqui com os jornalistas”, lembra.   “Eu me sinto prestigiado com as visitas desses caras. Até mesmo o deputado federal do Rio, Anthony Garotinho, esteve aqui quando saíram várias denúncias contra ele. Já gravei até depoimento para o Pimentel e para o Aécio, em pleitos passados”, disse Sidney Filho. De acordo com o filho do comerciante, Sidney Neto, o pai chegou a sair em material de campanha do PT e do PSDB no mesmo ano e era famoso por guardar santinhos de todos os candidatos.     "Cachaça da boa"   “Teve uma vez que o ex-presidente Lula tentou entrar aqui no Mercado, mas não conseguiu pelo tumulto. Veio só o ex-vice-presidente José Alencar, que passou aqui e na loja de cachaças do Roberto. Ele cumprimentou os eleitores, apontou para uma garrafa e disse que era produzida pela família dele. No dia seguinte, foi o produto mais vendido”, conta Sidney Neto.   O presidente do Mercado Central, José Augusto Oliveira Quadros, o “Nem”, comerciante de uma loja de ferragens há 49 anos, lembra da visita do ex-governador Tancredo Neves. “As barracas ainda eram de lona e madeira. Tivemos que alugar um caminhão para ele discursar lá fora. Desde esse dia, essa visita de cortesia não parou mais. O ex-prefeito Jorge Carone vinha muito também testar a popularidade”.     Comerciantes vão do orgulho à desilusão   O proprietário da loja “Rei da Feijoada”, João Dias, há 42 anos no Mercado Central, se orgulha de ter conversado com o ex-governador de Minas e ex-vice-presidente da República Aureliano Chaves. “Ele esteve aqui comigo, muito simpático, mas sistemático. Não comia nada, não bebia nada. E olha que eu sou conhecido como o anfitrião da ‘turma do tanque’: sirvo uma cachaça para todos eles no fundo da minha loja”.   João Dias não tem como se esquecer do ex-ministro Ciro Gomes (PSB-CE), que foi algumas vezes ao Mercado. “Eu até já cortei o dedo dele quando servia um lombinho no balcão. Saí até em uma coluna de um jornal da época”, diz.  De lá para cá, afirma ele, a política “continua a mesma”. “Não é vindo aqui que os políticos vão influenciar o nosso voto. Eles vêm em época de campanha porque o Mercado é um lugar seguro, fácil de dominar e permite convencer o eleitor, se ele quiser”, acrescenta João Dias.   O lojista se diz amigo do ex-governador Hélio Garcia, que frequentava sua vendinha, e do atual vice-prefeito de BH, Délio Malheiros (PV). “O Délio e a esposa dele, Inês, me dizem que fui eu quem dei as primeiras aulas de como fazer corpo a corpo para ele. Pedi votos com ele aqui e depois o fiz voltar para agradecer barraca por barraca”.   Outra “prata da casa” é o “Jajá do Abacaxi”, apelido do comerciante Jair Batista de Oliveira, que trabalha no Mercado há 65 anos. “Político é tudo uma coisa só: vão ao encontro do povo para prometer, pedir confiança e somem depois”, define ele. “Para o eleitor mais desinformado achar que o sujeito é uma pessoa boa, ele vem aqui, aperta a mão dos pobres, mas entrando no carro deve passar álcool”, brinca.      “Pagador de impostos”   Jajá lamenta que os candidatos que passam pelo Mercado Central não conhecem a rotina de um “pagador de impostos”. “Estou aqui desde menino. Hoje, tenho filhos e ajudantes comigo. Vi passarem pela minha venda JK, Tancredo, o ex-presidente João Batista Figueiredo e atualmente Pimenta da Veiga (PSDB) e Marina Silva (PSB), vice do presidenciável Eduardo Campos. Eles não pedem comida, só cumprimentam e depois que chegam ao poder, não voltam mais. Eu estou tão desacreditado que nem votar quero mais”, desabafa.   Em dia de semana, o centro comercial recebe, segundo a administração, 30 mil pessoas por dia. Aos sábados, a média é de 60 mil visitantes. “Você imagina pedir voto para um dono de loja e convencê-lo? Ele pede voto aos filhos, parentes e amigos. Aqui tem gente de toda a Região Metropolitana. Eu mesmo sou de Lagoa Santa”.     Beijos e apertos de mão entram na rotina   A proprietária de uma banca de roupas e bordados, Sílvia Maria dos Santos Ferreira, há dez anos no Mercado Central, se vangloria de ter ganhado um “beijinho” da vice do presidenciável e Eduardo Campos (PSB), a ex-senadora Marina Silva. “Ela veio com uma cliente que usava uma roupa da minha confecção e eu queria apresentar minha filha, Marina, para a candidata. Fiquei feliz com a visita”, lembra.   Mas quem “parou” o Mercado, segundo Sílvia Maria, foi o candidato a senador Antonio Anastasia (PSDB). “Teve mais barulho. Todo mundo parou para olhar. Com certeza pegou muito voto também”.   Já o balconista da loja ‘Só Pimentas’, Rafael Ferreira, que recebeu os cumprimentos do candidato ao governo de Minas pelo PSDB, Pimenta da Veiga, na semana passada, diz que vê esse tipo de visita como “propaganda”. “Não voto nele. É a primeira vez que vejo um político de perto”.      Predileção   Sidney Filho, dono de um café tradicional no Mercado, conta um caso curioso, que aconteceu durante a visita do então ex-prefeito de BH, Fernando Pimentel, após a reforma da Praça Raul Soares.   “Ele nos pegou de surpresa quando disse, lá fora, que queria ir no ‘café do Sidney’. Nem pensei que ele soubesse meu nome. Minha funcionária na época, Priscila, perguntou a ele quem era e ouviu: prefeito da sua cidade. Depois que ele foi embora, ela disse ‘ele é prefeito de Ibirité’, você acredita?”, lembra Sidney, entre risos.

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