Ministério Público vai investigar farra das diárias em prefeituras do interior de Minas

Ezequiel Fagundes - Hoje em Dia
13/01/2015 às 07:06.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:39
 (Editoria de Artes/Hoje em Dia)

(Editoria de Artes/Hoje em Dia)

Na tentativa de coibir abusos com diárias de viagens em prefeituras e câmaras municipais, o Ministério Público Estadual (MPE) vai abrir uma série de investigações em todas as comarcas do Estado. A suspeita dos promotores de Justiça é que prefeitos e vereadores estão aumentando os salários utilizando recursos das viagens.

Pelas regras atuais, basta o político apresentar um relatório, de forma genérica, para justificar os deslocamentos e embolsar o dinheiro. No entanto, uma parceria do MPE com a Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene (Amams) quer limitar os gastos conforme a realidade financeira de cada município. A iniciativa ganhará o Estado.

A primeira ação do MPE foi proposta contra o prefeito de Coração de Jesus, no Norte de Minas, Pedro Magalhães (PSC), acusado de embolsar R$ 165 mil em deslocamentos que, na maioria das vezes, não teriam acontecido. Na denúncia de improbidade administrativa, com dano ao erário, foi pedido o afastamento do prefeito, aplicação de multa e o bloqueio de bens.

O próximo alvo será o prefeito de Fruta de Leite, cidade com 5.800 habitantes e também localizada no Norte de Minas. Nixon Marlon (PR) recebeu quase R$ 428 mil viajando de 2009 a 2012. Diferentemente de Magalhães, o MPE ainda não apresentou à Justiça denúncia contra Marlon, apesar do avanço nas investigações.

Belo Horizonte é o destino predileto de Magalhães. Curiosamente, ele já visitou órgãos públicos da capital em fim de semana. Alheio à crise, o prefeito tem o costume de “gastar” cerca de R$ 3 mil cada vez que justifica uma viagem, independentemente da quantidade de dias.

De uma noite para outra, já gastou R$ 1 mil com alimentação, quantia suficiente para pagar nove rodízios completos na Churrascaria Fogo de Chão, ou a mesma quantidade de pratos no Vecchio Sogno, um dos melhores restaurantes da capital.

Além de alimentação, Magalhães também apresentou gastos considerados altos, pelo MPE, com hospedagem. Nas 54 viagens que fez, pagou R$ 1 mil de hotel, por cada estadia. Com esse valor seria possível passar quatro noites no hotel Ouro Minas.

 

Dúvida

Em depoimento ao MPE, o vereador Tércio Vasconcelos (PTB) põe em dúvida as viagens realizadas pelo prefeito de Coração de Jesus. De acordo com o parlamentar, a excessiva quantidade de deslocamentos virou motivo de chacota entre os moradores da cidade.

Vasconcelos disse que o motorista do prefeito ganhou o apelido de Pirulito, em referência ao obelisco da Praça 7, no Centro de BH.

Em entrevista ao Hoje em Dia, o vereador confirmou o depoimento aos promotores: “Acho que o nosso prefeito é o campeão de viagens em Minas Gerais. Fiz um levantamento em outras cidades e constatei que o prefeito está abusando. O fato interessante é que o prefeito nem sempre viaja”, acusou.

Nesse sentido, a ação do MPE contesta a efetiva realização dos deslocamentos. Em 2013, por exemplo, Magalhães apresentou relatório alegando ter ido no Tribunal de Contas do Estado (TCE), na Assembleia Legislativa e na Caixa Econômica Federal, em Belo Horizonte. Ele viajou no dia 4 de janeiro, em uma sexta-feira, e retornou no sábado. Ocorre que tanto o TCE quanto a Assembleia Legislativa estavam de recesso.

“Neste particular, a fraude torna-se ainda mais escancarada. Por certo, em razão das inúmeras e conhecidas dificuldades causadas pelo trânsito nas grandes cidades, praticamente impossível que conseguisse visitar os três locais por ele invocados em tão curto espaço de tempo”, diz trecho da ação do MPE.

Ainda em 2013, em 22 de abril até o dia seguinte, o prefeito alegou ter gasto R$ 3 mil com alimentação, passagens, hospedagem e táxi. Montante idêntico foi declarado em várias outras ocasiões.

Magalhães não tem amparo da Câmara Municipal para esses deslocamentos, já que o município não possui lei autorizando os gastos.

 

Reembolso

Já em Fruta de Leite até existe lei. No entanto, ela privilegia o prefeito Nixon Marlon. Conforme a norma, o chefe do Executivo pode receber reembolso de até R$ 1.500 para visitar cidades com mais de 200 mil habitantes.

Por outro lado, um servidor de segundo escalão só recebe R$ 120 por dia de hospedagem.

De 2009 a 2012, o prefeito Marlon viu seus ganhos aumentarem a cada ano. No primeiro ano de governo ele recebeu R$ 90 mil; no segundo, R$ 91 mil; e no terceiro, R$ 97 mil. Em 2012, ano em que ele se reelegeu, embolsou R$ 148 mil. Tudo somado, foram R$ 428 mil de reembolso. Para se ter uma ideia, no mesmo período recebeu R$ 334 mil de salário.

E não foi uma tarefa fácil conseguir a planilha de prestação de contas das viagens. Em 2013, o promotor de Justiça Luís Gustavo Patuzzi Bortoncello, na época da comarca de Salinas, teve que recorrer ao Judiciário para botar as mãos na papelada. Diante das negativas do prefeito de fornecer documentos, o membro do MPE conseguiu autorização da Justiça para realizar busca e apreensão na sede da Prefeitura de Fruta de Leite.

Os dois prefeitos foram insistentemente procurados na segunda-feira (12), mas não retornaram aos pedidos de entrevista até o fechamento desta edição.

 

Amams sinaliza com trabalho preventivo junto aos municípios

Levantamento feito pelo Hoje em Dia no site do Tribunal de Contas do Estado (TCE) de Minas mostra que não são só as prefeituras de Coração de Jesus e Fruta de Leite que realizam gastos com diárias de viagens. De acordo com a pesquisa, servidores de dez municípios do Norte de Minas viajaram quase 3.300 vezes em 2014, um média de 322 deslocamentos por cidade.

No topo desse ranking está a cidade de Januária, com 493 deslocamentos registrados no ano passado. Portanto, mais de uma viagem a cada 24 horas nos 365 dias do ano. Na segunda colocação aparece Chapada Gaúcha, cidade com 12 mil habitantes, com 476 deslocamentos.

Logo atrás vem Rio Pardo de Minas, com 461. No quarto lugar, Várzea da Palma, com 312; seguida de perto por Manga, com 300 viagens registradas nos 12 meses de 2014.
Na sexta posição aparece São Francisco, com 284; depois Salinas, que registrou 256 deslocamentos; e Bonito de Minas, com 231 viagens. Bocaiuva e Porteirinha registraram 249 e 160, respectivamente.

Em entrevista concedida na segunda-feira (12), Luiz Lobo, diretor da Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene (Amams), disse que a entidade vai encaminhar às câmaras municipais da região um modelo de projeto que tem como objetivo moralizar os gastos com as diárias de viagem. De acordo com ele, nem todos os municípios possuem uma legislação nesse sentido. Por causa disso, ocorre uma grande quantidade de distorções. Atualmente, cada município regula da forma que achar mais conveniente.

“O Ministério Público tem orientado a associação para fazer um trabalho preventivo para 2015. Cada município adota um procedimento próprio. A ideia é definir uma minuta de projeto de lei para encaminhar às câmaras municipais de acordo com a realidade financeira de cada município”.

 

O outro lado

Algumas prefeituras do Norte de Minas se manifestaram segunda-feira (12) sobre as viagens. O Executivo de Rio Pardo de Minas, por exemplo, alegou que as 461 diárias foram utilizadas para capacitação dos servidores em outras cidades, especialmente das secretarias de Saúde e de Assistência Social.

Ainda segundo a prefeitura, os deslocamentos foram pagos com investimento do município e com recursos federais de programas como o Bolsa Família.
Já a administração municipal de Manga informou que as diárias foram gastas, em sua maioria, com motoristas da prefeitura que levaram pacientes do município para hospitais de Montes Claros, Janaúba e Belo Horizonte. Em Várzea da Palma, a assessoria de comunicação contestou o número de 312 diárias: foram mais de 500, demandadas somente pela Secretaria Municipal de Saúde no ano passado, segundo a prefeitura.

Já as prefeituras de Januária e de Bocaiuva informaram segunda (12) que não teriam condições de responder sobre o número de diárias até o fechamento desta edição. A justificativa foi a ausência dos responsáveis pelas informações solicitadas, que estariam viajando.

Por outro lado, as prefeituras de Salinas, Porteirinha, Bonito de Minas, Chapada Gaúcha e São Francisco não atenderam às ligações da reportagem feitas durante todo o dia.

(*)Com Giulia Mendes - Hoje em Dia 

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