Os riscos do impeachment para a democracia brasileira

José Antônio Bicalho
primeiroplano@hojeemdia.com.br
16/04/2016 às 09:33.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:58
 (Divulgação/Marjorie Marona)

(Divulgação/Marjorie Marona)



Leonardo Avritzer, professor do Departamento de Ciências Políticas da UFMG e presidente da Associação Brasileira de Ciência Política, é autor do recém lançado “Impasses da democracia no Brasil”, no qual reflete sobre a atual crise política. Avritzer, um dos principais estudiosos da democracia brasileira, conversou com o Hoje em Dia sobre as causas e consequências da tentativa de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

A atual crise política encontra paralelo em outras passadas?

Sim. A de 54, que levou ao suicídio de Vargas, também teve origem em um resultado de eleição fortemente contestado. Vargas começou a movimentar seu ministério para a esquerda e enfrentou enormes resistências no congresso. Esse é um paralelo importante. Vale lembrar que em maio de 54 a tentativa de impeachment foi derrotada. Também encontramos paralelos com a crise de 92, quando a recessão econômica continuada por dois anos derrubou os índices de aprovação de Collor. A primeira novidade que temos hoje em relação a 54 e a 92 é o papel do Judiciário. Na crise atual, o ator principal é o Judiciário, com o papel exercido pelo juiz Sérgio Moro para desequilibrar a presidente. O Judiciário assumiu um protagonismo que ultrapassa sua função constitucional na crise.

Qual a origem da crise?

Em primeiro lugar, a derrota da oposição pela quarta vez seguida, numa eleição fortemente disputada e a não aceitação do resultado quase imediata. A auditoria das campanhas foi pedida ainda em novembro de 2014, no mês seguinte à proclamação do resultado. A oposição e Aécio jamais aceitaram o resultado da eleição. Mas grande fator de desestabilização foi a incapacidade da presidente de montar um ministério e ter maioria confortável na Câmara. No presidencialismo de coalizão, a boa relação entre Executivo e Congresso é fundamental. E essa incapacidade se mostrou, em primeiro lugar, em fevereiro de 2015, na eleição de Cunha. E, posteriormente, na incapacidade de se aprovar o ajuste fiscal.

Por que o PMDB abandonou Dilma?

O PMDB e o PT estão em conflito desde 2012, nas votações do Código Florestal e da medida provisória dos portos. Ali começamos a ter uma base conservadora no congresso extremamente hostil à presidente. Já em junho de 2013, em resposta às demandas das grandes manifestações, a presidente lança um pacote de reforma que não consegue aprovar na Câmara. Em 2014 a aliança é renovada, mas com enorme deterioração. O elemento central é (Eduardo) Cunha, que na votação da MP dos portos já se apresenta claramente como liderança e oposição. Ele foi coordenador no Rio da campanha de Aécio. Então o PMDB segue pedindo ministérios, mas não garante mais em troca maioria confortável no Congresso.

A crise mostra que o presidencialismo de coalizão fracassou?

É difícil governar assim dada a fragmentação do sistema partidário. Sempre tivemos um sistema relativamente fragmentado, mas isso aumentou. Temos 25 partidos com representação no Congresso e os maiores partidos não chegam a ter 10% das cadeiras. O PMDB, com 65 cadeiras, tem 9% da Câmara. A fragmentação do sistema partidário torna o sistema inviável hoje. 

O que fazer?

É preciso reduzir número de partidos para, digamos, uns 10. Não existe ideologia que se represente acima disso. É preciso criar cláusula de barreira e colocar prêmio de maioria, de cadeiras adicionais, para os partidos mais votados. No conjunto, Dilma tem uma caixa de 100 votos e é obrigada a fazer coalizões que são perversas para a própria administração do estado.

Como será o governo se o impeachment for derrubado?

A situação da presidente não é fácil. Partidos importantes saíram da base. O presidente do Congresso, ainda que fragilizado, comanda um bloco amplo de parlamentares de oposição ao governo. O que está colocado seria governar com partidos ideologicamente longe do programa de esquerda, como o PP ou o PR. Eles ocupariam ministérios, o que significaria descaracterização do governo. É difícil imaginar, mas educação e saúde estarão na bolsa de negociação.

E no caso de impeachment?

Com o impeachment, teremos alternativas complicadas. O vice (Michel) Temer tem todos os problemas da presidente e alguns a mais. A única vantagem é sua boa relação com o PMDB. Todos os outros ele tem e mais graves. Temer é operador histórico do PMDB e isso o torna mais implicado na operação “Lava Jato” que a presidente. E o PMDB é mais envolvido nos escândalos que o próprio PT. O impeachment trará uma enorme desestabilização. O risco que corremos é o de o Brasil voltar, em 60 ou 90 dias, às mesmas condições de instabilidade que atravessamos desde março do ano passado.

O uso do impeachment é legítimo?

Impeachment (da presidente Dilma) significará introduzir esse elemento como parte normal da política. São poucas e fracas as evidências de crime de responsabilidade. O que se está institucionalizando é o voto de desconfiança para presidente impopulares, com as graves implicações disso para a democracia brasileira.

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