Proibido, dinheiro de empresas pode chegar às campanhas por meio de laranjas, diz procurador

Ezequiel Fagundes - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
15/02/2016 às 06:42.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:25
 (Ricardo Bastos)

(Ricardo Bastos)

Fiscal das eleições em Minas, o procurador eleitoral Patrick Salgado, do Ministério Público Federal (MPF), tem uma dupla missão neste ano. A primeira é considerada corriqueira: coibir o caixa 2 e a compra de votos no pleito municipal em 853 cidades do Estado, segundo maior colégio do país.

A segunda tarefa é inédita. O procurador vai acompanhar o andamento dos processos eleitorais que podem culminar, pela primeira vez na região Sudeste, na cassação do mandato do governador Fernando Pimentel (PT).

Autor das ações contra o governador, Patrick Salgado é direto ao dizer que houve “abuso de poder econômico e a captação irregular de recursos” na campanha de 2014.

Ao Hoje em Dia, Salgado elogiou a extinção de doações da iniciativa privada, mas disse que a medida não acaba com o caixa 2 nas campanhas, pois as empresas podem usar pessoas físicas como intermediárias das contribuições.

Uma das novidades desta campanha é a proibição pelo STF das doações das empresas. Que avaliação o senhor faz?
Houve um avanço. O processo eleitoral não sobrevive sem dinheiro para promover as campanhas. Só que o dinheiro do processo eleitoral deve ser investido por alguém que espera algum benefício. E o único benefício que você pode ter com um investimento feito no processo eleitoral é o resultado dessa eleição trazendo um benefício para a sociedade e não para você mesmo. Qual benefício uma empresa terá desse ou daquele candidato pensando no interesse da empresa que quer sempre o lucro? O financiamento privado é interessante para o cidadão que acredita que trará maior retorno para a sociedade. Mas para a empresa, que é um ente abstrato, que é constituída com finalidade de lucro em regra, qual seria o benefício que essa empresa teria? Não posso afirmar categoricamente que toda empresa que financia campanha vise uma licitação fraudulenta, um lobby para ter algum benefício, como vimos na operação “Lava Jato”. Não quer dizer que essa seja a regra do jogo. Mas abrir o financiamento de campanha para quem não atue colocando capital pensando no retorno para a sociedade, mas para si mesmo, é muito arriscado.

Então vai diminuir a corrupção?
Vai ser mais uma porta fechada para a corrupção. Se vai diminuir ou não, só a história vai dizer. Por que a corrupção poderá acontecer por meio de doações para laranjas. Uma empresa que quer doar para um candidato pode conseguir um determinado número de CPFs fictícios e fazer várias doações parceladas como se fossem várias pessoas doando e não as empresas. Poderá continuar havendo a interferência de empresas no processo político por meio de fraude. A corrupção está ligada ao comportamento humano pela ausência de ética, de responsabilidade. Para você mudar o comportamento da pessoa na essência, ter um caminhar ético, é preciso punição rigorosa.

O financiamento empresarial influenciou as últimas as eleições?
Com certeza. Várias pesquisas publicadas na ciência política comprovam que quanto mais capital maior é a chance do cidadão ser eleito. Não quer dizer que seja determinante porque se fosse assim já teríamos com certeza a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. Mas a influência do capital leva a uma maior abocanhadura de votos por parte do candidato.

O dinheiro favorece quem está no poder, quem tem mandato?
O limite para a empresa doar era muito maior que o limite para pessoa física doar. A empresa doava 2% do faturamento bruto no ano anterior. Imagine o faturamento dessas grandes empresas nacionais que doaram para as últimas campanhas presidenciais. Para a pessoa física o limite é 10% da renda declarada. Se não bastasse isso, ao retirar o financiamento empresarial o TSE colocou um limite. Então por mais que você tenha um exército de doadores com renda alta, você tem um limite de gastos para a sua campanha.

Proibir doações de empresas vai facilitar o trabalho de fiscalização?
O fator facilitador para as instituições que vão fiscalizar é o limite de gastos. Quando tem limite de gastos se consegue através de uma constatação, até mesmo pelos valores de mercado, temos vários impedimentos de gastos de campanha. Não pode pintar muros, plotar veículos, para os carros de som há horário e quantidade de decibéis. Ficaram muito limitadas as atividades de campanha. Esses limites de gastos e atividades podem ou não facilitar para quem fiscaliza. Como um candidato a vereador que recebe R$ 3 mil de salário vai gastar R$ 500 mil na campanha dele? Que lógica tem isso? Antigamente não tinha limite. As pessoas estão muito concentradas na proibição da doação das empresas, mas a principal vitória é o limite. Você quer gastar? Gaste, mas pode até X e isso facilita a fiscalização.

Quais são os delitos mais comuns nas eleições municipais?
A compra de votos. É mais comum porque o cidadão está mais próximo do seu candidato. No interior de Minas, especialmente nos rincões do estado, nós temos uma população extremamente dependente das prefeituras e a prefeitura dependente do orçamento da União. As cidades não têm vida própria. Muitos cargos na prefeitura são de livre nomeação, não são cargos de concursos públicos. Acaba que a sociedade vive no entorno da prefeitura, acostumada a receber benesses do órgão municipal. Lícitas e muitas vezes ilícitas. O cidadão está nessa ideia de apoiar o candidato X porque futuramente ele poderá ter um cargo na prefeitura, ganhar um cimento, uma cesta básica, um tratamento dentário, médico, um lote. Infelizmente é a realidade que nós temos no interior de Minas por causa dessa cultura de cidades não sustentáveis e de cidadãos que sempre esperam retorno imediato por causa daquela ausência de pensamento público, de república.

A lei da Ficha Limpa deve vetar quantas candidaturas neste ano? Há uma estimativa?
Temos um sistema eletrônico do Ministério Público eleitoral. Na eleição passada impugnamos cerca de 22 fichas sujas. Esse sistema é nacional e estamos pedindo aos órgãos para atualizar as informações para repassar os dados para os promotores eleitorais do interior do Estado no momento dos registros das candidaturas.

Em relação à declaração de bens de candidatos, há candidatos que são notórios milionários, mas declaram pouco ou quase nada.
Isso é culpa do Tribunal Superior Eleitoral. Essa lei abre brecha porque a declaração de bens é documento obrigatório para registrar a candidatura. Já vimos vários candidatos sem nenhum bem que ostentam uma condição patrimonial totalmente desproporcional àquilo que foi declarado. Questionamos na Justiça eleitoral a falsidade ideológica dessas declarações; o TSE tem uma jurisprudência dizendo que não. Aquela declaração de bens ali só tem um objetivo de informar ao eleitor. Se você tem suspeita de patrimônio superior é um problema fiscal, e não eleitoral. Essa declaração não serve para nada. Não deveria nem ser cobrada. Ele declara o que fala que tem. Há casos conhecidos, mas infelizmente o TSE entende que é uma declaração meramente informadora.

O MPF deu parecer a favor da desaprovação das contas de campanha do governador de Minas. Como está o andamento desses processos?
Esse processo de desaprovação de contas está no TSE. Não tem decisão ainda. O tribunal pode confirmar a decisão do TRE, o que eu espero, ou poderá reformar. No TRE, estamos pedindo a cassação do mandato do governador eleito e do vice em duas ações. Acreditamos que houve abuso de poder econômico e captação de recursos de origem ilícita.

Em caso de perda do mandato, quem assume?
A reforma política mudou a regra. Se houver a perda do mandato, é obrigatório fazer outra eleição. Não se aproveita mais o resultado da eleição passada. Provisoriamente, para o Estado não ficar desgovernado, o presidente da Assembleia exerce o mandato tampão até as novas eleições.

A decisão do TSE altera os processos que correm em Minas?
Os dados e as provas do Ministério Público eleitoral já foram apresentadas à Justiça. A decisão do tribunal, favorável ou desfavorável, não vai alterar o nosso convencimento. Aquilo que acreditamos que houve de ilícito, as provas que tínhamos e outras que surgiram no decorrer do processo, a partir de uma investigação criminal, já foram apresentadas para o TRE. Os novos elementos já foram apresentados ao TRE e até solicitei que fosse mantido o segredo de Justiça com relação a esses dados porque o inquérito que tramita no STJ tramita em segredo de Justiça. Não posso dar detalhes das provas em respeito ao sigilo das investigações criminais.

Por que o MPF pede a cassação do mandato do governador e do vice dele?
Por abuso de poder econômico e pela captação irregular de recursos. Não posso fornecer mais detalhes.

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