Queda de braço põe em xeque maior participação popular

Aline Louise - Hoje em Dia
08/06/2014 às 09:07.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:55
 (Brizza Cavalcante)

(Brizza Cavalcante)

“Antidemocrática”, tentativa de “golpe”, “instrumento de aparelhamento do PT”. Assim que foi criada por decreto presidencial, em 23 de maio, a Política Nacional de Participação Social (PNPS) foi um dos assuntos que mais reverberou na internet, recebendo ácidas críticas e adjetivos desfavoráveis.

O ataque seguinte veio da oposição no Congresso Nacional, que se movimentou apresentando um projeto de decreto legislativo para tentar sustar os efeitos do decreto presidencial.

O assunto é controverso. Para especialistas ouvidos pelo Hoje em Dia, a política que cria instâncias para que a sociedade possa participar mais ativamente das decisões políticas amplia a democracia e aproxima governo e sociedade.

Um dos principais argumentos de quem é contra o PNPS é que a medida atropela as atribuições do Poder Legislativo. “Nós temos representantes eleitos pelo voto, possibilidade de projetos de iniciativa popular, referendo, plebiscito, nada justifica esse decreto”, diz o deputado Rubens Bueno (PR), líder do PPS na Câmara e um dos responsáveis pelo pedido de anulação do decreto.

Democracia

O doutor em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Paulo Roberto Figueira Leal, professor da UFJF, vê com bons olhos a nova política e contesta que ela ameace as competências do Legislativo. “É preciso ampliar a capacidade de ouvir a sociedade, não apenas pelo voto, mas multiplicar instrumentos de democracia direta, participativa, associados à representativa. Isso talvez diminua o fosso que separa parte da sociedade das instituições que deveriam representá-la”, diz Paulo Roberto Figueira.

O cientista político lembra que a maior participação popular nas decisões políticas do país foi uma das bandeiras das manifestações de julho de 2013. Paulo Roberto Figueira ainda argumenta que em países considerados modelos de democracia no mundo a participação popular na vida pública é cada vez mais efetiva.

“Imaginar que a democracia representativa não precisa de complemento é ignorar, por exemplo, o que acontece nos Estados Unidos, onde se faz muitos referendos e plebiscitos, que são uma forma do cidadão opinar diretamente. Alguns estados americanos, a cada eleição, oferecem temas polêmicos para sociedade definir diretamente. Nem por isso são menos democráticos nem reduzem o poder das instituições”, afirma o cientista político.

Desejo popular

O coordenador do Movimento das Associações de Moradores de Belo Horizonte, o advogado Fernando Santana, defende a Política Nacional de Participação Social. Para ele, é essencial aumentar os canais de participação popular nas decisões de interesse coletivo, uma vez que tem ficado evidente o “distanciamento entre o político e a sociedade”.

Mas ressalta a importância de se saber usar esses instrumentos. “Toda iniciativa que for tomada no sentido de escutar a população, com isenção, com vontade política, é bem vinda. O que nós não podemos é ficar no faz de conta e os conselhos não serem efetivos. Muitas vezes o resultado que a comunidade deseja não é atendido pelos governantes”, aponta.

Ponto a ponto

O Decreto nº 8243 cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS). O objetivo, segundo o texto, é fortalecer e articular mecanismos e instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil.

O decreto estabelece 7 diretrizes e 9 objetivos a ser considerados na formulação, execução, monitoramento e avaliação de programas e políticas públicas, e no aprimoramento da gestão pública.

Dentre as diretrizes, está o reconhecimento da participação social como direito do cidadão e expressão de sua autonomia. Consolidar a participação social como método de governo é um dos objetivos do PNPS.

O decreto considera sociedade civil o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações.

O texto define instâncias de diálogo com a sociedade civil, como conselhos, comissões, conferências, fóruns, audiências e ambiente virtual.

A legislação ainda determina que a participação dos membros no conselho é considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada.

Na constituição dos conselhos de políticas públicas, comissões e conferências deve ser observada a presença de representantes eleitos ou indicados pela sociedade civil, além de transparência e publicidade dos atos.

O decreto prevê ainda a formação do Sistema Nacional de Participação Social ( SNPS), coordenado pela Secretaria-Geral da Presidência da República.

Temor de manipulação das instituições por trás do coro de insatisfeitos

Por trás do coro dos insatisfeitos com o decreto que cria a Política Nacional de Participação Social está o medo de ela se tornar um instrumento do PT de aparelhamento das instituições da sociedade civil organizada. “Você tem que examinar o quadro. Porque é que se cria de repente um sistema de conselhos populares? É para dar um arcabouço legal para um aparelho que o PT criou em todo país. Não podemos deixar o estado brasileiro ser aparelhado por um partido político! Daqui a pouco estamos parecendo com Cuba, Venezuela”, dispara o deputado Rubens Bueno (PPS).

O alerta também é feito pelo presidente da Transparência Brasil, Cláudio Abramo. “Na pior das hipóteses, o que pode acontecer é o governo querer fazer alguma coisa, controlar um conselho representado por amigos, e assim legitimar suas ações com opiniões que não são isentas”.

Apesar da postura cautelosa de Cláudio Abramo, a Transparência Brasil, organização independente de combate à corrupção, integra o Conselho de Transparência da Controladoria Geral da União, o Conselho de Transparência do Senado e o Conselho de Transparência de São Paulo. “Os governos sempre tentam fazer valer ideias de seu interesse. Isso vai depender da constituição do conselho. Ele pode ou não ceder a essas pressões”, diz Abramo.

O presidente do PSDB mineiro, deputado federal Marcus Pestana, também vê com desconfiança a iniciativa do governo. “O fato de ser feito a quatro meses das eleições sem nenhuma discussão com o Congresso despertou múltiplas desconfianças. Temos que ter canais de participação da sociedade, mas isso tem que ser muito discutido para que esses conselhos não sejam manipulados e aparelhados por ninguém”.

Diversidade

“Essa linha de raciocínio tem um problema grave no sentido de imaginar que este governo estará aí para sempre. Temos como preceito da nossa democracia a alternância do poder. E imaginar que uma sociedade civil é toda ela manipulada por um partido é não levar em conta sua diversidade, é não olhar o mundo real, onde há muita forças disputando”, pondera o cientista político Paulo Roberto Figueira.

O professor da PUC, cientista social e filósofo Robson Sávio Reis tem a mesma opinião. “Sempre, independentemente do governo, quando há criação de conselhos, há esse mesmo discurso. Todo conselho para ser formado tem regras claras de indicação pela sociedade. O problema não é se o conselho vai ser aparelhado ou não, mas a sociedade exigir transparência. Não se pode de antemão desprezar a lei”.

Uso de decreto para instituir a política também gera embate

O fato de a Política Nacional de Participação Social ter sido instituída por decreto é também alvo de crítica da oposição do governo Dilma. “O problema é a forma como foi feito e o momento que está sendo apresentado. Você tem que combinar mecanismos de democracia participativa com a democracia representativa, tem que ter canais para que a população possa se expressar. A internet abre possibilidades enormes para ampliação da democracia, mas é fundamental preservar as instituições republicanas. A política foi feita por decreto, sem discussão com o Congresso, que é a Casa responsável por ecoar a voz da sociedade”, destaca o deputado federal Marcus Pestana (PSDB).

Interlocução

Contudo, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil seção Minas Gerais (OAB-Minas), William dos Santos, entende que o decreto é legal. “Veio (o decreto) para regulamentar o que já está garantido na Constituição, além de vir ao encontro daquilo que está na lei de acesso à informação”.

O advogado ainda defende a participação popular nas instâncias de poder. “A democracia se constrói ouvindo a todos. Esse espaço de interlocução é uma forma de dividir o poder. Quem é contra pertence a alguns setores do parlamento que acham que estão perdendo o poder. Mas eles já perderam há muito tempo o poder de interlocução com a sociedade. Prova disso foram as manifestações que tomaram as ruas do país”.

William Santos acredita, ainda, que os conselhos, inclusive os já existentes em níveis municipal e estadual, também devam ter caráter deliberativo, e não apenas consultivo, como é hoje. “Temos que desconcentrar o poder. A concentração é que gera corrupção”. 

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