R$ 36,2 milhões destinados à gráfica de Bené vieram de fundo partidário

Thiago Ricci - Hoje em Dia
04/06/2015 às 07:44.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:20
 (Ricardo Bastos/Hoje em Dia)

(Ricardo Bastos/Hoje em Dia)

O suposto pagamento de R$ 36,2 milhões da candidata ao cargo de deputado federal Helena Maria de Sousa (PT) à Gráfica e Editora Brasil, durante as campanhas eleitorais de 2014, foi realizado com recursos do fundo partidário. A informação consta de um relatório do Tribunal Regional Eleitoral, que investiga a quantia paga à empresa de Benedito Rodrigues de Oliveira Neto, o Bené, preso pela Polícia Federal na última semana, suspeito de desviar dinheiro público para campanhas do PT.

Uma diligência foi realizada pelo TRE-MG no endereço de Helena Maria no mês passado. Entre os questionamentos, estavam a ausência do instrumento de procuração (a candidata não constituiu legalmente um advogado) e diversas falhas na declaração de recursos e receitas.

A principal delas é o pagamento no nome da candidata Helena Maria, através do fundo partidário, de R$ 36,2 milhões à gráfica do empresário Bené “sem o correspondente lançamento do recebimento de recursos dessa natureza”.

“Solicitam-se esclarecimentos, a apresentação de todos os recibos eleitorais relacionados aos recursos recebidos do fundo partidário e dos documentos fiscais correspondentes às despesas realizadas com recursos desta natureza”, diz trecho de documento assinado pela examinadora do TRE, Ana Cristina Bastos.

Contradições

Helena Maria de Sousa, de 61 anos, técnica em enfermagem do Hospital Júlia Kubitschek e estudante de Enfermagem na PUC Minas, foi alçada ao turbilhão gerado pela operação da Polícia Federal – que chegou a fazer buscas na casa da prima-dama de Minas, Carolina de Oliveira – há menos de sete dias. Em uma campanha que nem foi aprovada pelo TRE-MG, Helena Ventura – nome escolhido para ir às urnas – desembolsou R$ 36,28 milhões. Desse total, R$ 36,25 milhões (99,9%) foram pagos à gráfica de Bené, oficialmente, por publicidade em materiais impressos.

“Nunca ouvi o nome dessa pessoa, nunca procurei por essa gráfica. A pessoa que fez isso deve ser uma pessoa de muita má índole”, afirmou a técnica em enfermagem ao Hoje em Dia. Moradora de uma rua sem asfalto e com iluminação precária na região central de Betim, na Região Metropolitana, Helena Ventura é considerada por vizinhos e familiares como uma pessoa discreta e trabalhadora.

A residência, avaliada pelo mercado em R$ 290 mil, é o único bem declarado ao TRE-MG. Embora tenha de se deslocar diariamente de Betim a Belo Horizonte para trabalhar e estudar, a técnica em enfermagem disse nunca ter tido automóvel. “Sempre andei de ônibus”.

Contrariando a própria família, que garante que a aventura política de Helena começou em 2010, a técnica em enfermagem afirma que seu engajamento começou há décadas. “Fui simpatizante ao PT desde a criação do partido. Maria do Carmo (ex-prefeita de Betim) sempre foi minha amiga, da Lute (sindicato), sempre fui sindicalista atuante, fiz muita amizade nessa área”, relata.

Vizinhos afirmam que, mesmo em época de campanha, não viram propaganda na casa de Helena.
 

Em três eleições, Helena Ventura teve 29 votos contabilizados

A técnica de enfermagem Helena Ventura iniciou a carreira política em 2010. Desde então, a mulher de 61 anos concorreu às três eleições possíveis, sendo que em duas dela o TRE-MG rejeitou a candidatura.

A moradora de Betim chegou a se candidatar a um cargo de deputado federal em 2010. Gastou cerca de R$ 5,5 mil durante a campanha, devidamente discriminados na prestação de contas. No entanto, a técnica em enfermagem perdeu o prazo para se filiar e teve a candidatura negada pelo tribunal.

“Alguém dentro do partido queria fazer algo comigo e esqueceu de registrar”, justifica. A regularização só ocorreu, de fato, em março daquele ano.

Dois anos depois, Helenva Ventura se candidatou a vereadora de Betim. Recebeu 29 votos e omitiu a prestação de contas. “Esqueci”, justifica.

Em 2014, enfim, tentou se eleger deputada estadual e gastou R$ 36,28 milhões, mesmo tendo previsto gasto de no máximo R$ 3 milhões. Do total, R$ 36,25 milhões foram pagos, através de recurso do fundo partidário petista, à Gráfica e Editora Brasil.

Questionada, em um primeiro momento, a técnica em enfermagem afirmou à reportagem que desconhecia o pagamento. “R$ 36 milhões? Uai, isso aí é mentira. R$ 36 milhões é muito dinheiro. Está publicado R$ 36 milhões, tem certeza?”, perguntou.

Em nova entrevista, Helena Ventura admitiu que recebeu a notificação do TRE-MG. “Ainda não fizemos nada, eu e minha advogada, porque estamos fazendo uma garimpagem para descobrir como ele (Benedito Rodrigues de Oliveira Neto, empresário) chegou ao meu nome, como ele conseguiu meus dados, como usou meu nome sem autorização”, disse.

A petista chegou a dizer que não havia assinado nenhuma procuração. Em seguida, disse que havia concedido o direito a uma advogada de confiança, mas se recusou a passar o contato dela. O nome passado por Helena, no entanto, não está nos registros da OAB-MG.

Técnica em enfermagem afirma ter pedido auxílio a assessor da campanha de Pimentel

A técnica em enfermagem Helena Maria de Sousa afirmou ter recorrido a um assessor da campanha de Fernando Pimentel, quando foi encontrada pelo Hoje em Dia. A petista, no entanto, não quis divulgar o nome a quem pediu ajuda. O PT de Minas Gerais preferiu não se manifestar sobre o assunto.

“Você não sabe a que horas fui dormir, depois de você me ligar. Eu não sabia que estava nesse pé. Fiquei até tarde olhando, ligando, mandando e-mails, enviando ‘Whatsapp’ para quem trabalhou comigo, entrei em contato com o assessor da campanha do Fernando Pimentel”, afirmou Helena.

Ao ser questionada sobre a quem se referia, ela desconversou. “Mandei (a mensagem) para o assessor do Pimentel. Um dos assessores dele. Recebi todo material de doação dele, nem me preocupei. Ela falou: ‘dona Helena, nem precisa se preocupar’... Ele deu todo material, desde adesivos até esses banners. Eu sei quem é, mas não vou te falar agora, vou esperar a resposta dele”.

A reportagem procurou a assessoria do PT mineiro, responsável pela campanha de 2014, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.

Entrevista Helena Ventura

Se eu tivesse esse dinheiro, teria sido eleita com certeza. nem precisava disso tudo, era eleita com R$ 1 milhão

Você conhece o empresário Benedito Rodrigues de Oliveira Neto, o Bené, dono da gráfica para a qual a sua candidatura pagou R$ 36 milhões?

Nunca nem tinha ouvido falar. Para nós (eu e minha advogada) o maior problema é como esse senhor chegou aos meus dados. Se existe esse pagamento, isso foi falso, totalmente falso.

Você assinou procuração a alguém?

Não, para ninguém. Não tenho a mínima ideia de quem possa ter sido. Única procuração que eu assinei foi para minha advogada, a gente tem que ter uma ajuda jurídica porque a política é um meio obscuro que a gente entra sabendo que um caminho que não sabe o que pode surgir, não é mesmo?!

Como e quando você ficou sabendo desse pagamento?

Alguém teria me falado de alguma coisa com a minha prestação de contas e eu pensei que não havia dado nenhum problema porque o TRE não mandou nenhuma diligência.

Você fez algum santinho para sua campanha?

Os santinhos que tive eu ganhei, a gráfica do PT é em São Paulo. Tudo feito na gráfica do PT. Não sei qual foi o total de unidades de publicidade em impresso que eu fiz, teria que olhar nas minhas notas fiscais, lá em casa.

Por que perdeu o prazo de filiação nas eleições de 2010?

Foi indeferida por problemas internos do PT, isso já passou, a gente já conversou. Não quero entrar nesse detalhe porque se eu fosse levar muito a sério ia dar muito problema, eu relevei e deixei passar. Dentro do partido alguém queria fazer alguma coisa comigo. Esqueceu de registrar a minha filiação.

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