Risco de retrocesso: para economistas, aumento dos preços administrados pode comprometer retomada

Evaldo Magalhães
efonseca@hojeemdia.com.br
25/05/2018 às 23:10.
Atualizado em 03/11/2021 às 03:17
 (Riva Moreira)

(Riva Moreira)

A elevação nos preços dos combustíveis, que desencadeou a greve dos caminhoneiros, na semana passada – movimento que praticamente parou o país – não é o único fator a desenhar um cenário de incertezas em 2018. As altas seguidas do dólar, provocadas, em parte, pelo aumento na taxa de juros dos Estados Unidos, a expectativa de eleições conturbadas no segundo semestre e, principalmente, no caso de Minas Gerais, a autorização para o reajuste médio de 23,19% nas contas da Companhia Energética do Estado (Cemig), a partir de junho, também devem deixar apreensivos chefes de família, empresários e investidores.

Isso tudo depois de um período de ligeira recuperação dos indicadores econômicos, no final de 2017.

“Em um momento em que a economia e as empresas ainda estão em situação frágil em termos de retomada da atividade, depois da grave recessão iniciada em 2015, esses fatores trazem o risco de que não consigamos sair da crise da maneira que esperávamos”, diz o gerente de ambiente de negócios da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Guilherme Velloso Leão. 

O economista chama a atenção, especialmente, para o aumento previsto nas tarifas de luz, aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e que a Fiemg considerou absurdo, a despeito das justificativas da entidade regulatória de que os percentuais são necessários em razão de fatores como o custo da energia do país, agravado pela estiagem e os baixos níveis dos reservatórios. 

“O reajuste tarifário tem impacto relevante sobre a economia como um todo, porque afeta a renda e o poder de compra das famílias, comprometendo sua capacidade de consumo, e também os preços da economia, dado o peso desse item nos custos de produção de diversos setores”, afirma. Para boa parte das indústrias mineiras, integrantes do grupo de consumidores de alta tensão, a elevação das contas deve ficar em 35,5%, de acordo com a estatal de energia. A Cemig informou que o reajuste é feito a partir de um cálculo da Aneel.

Peso

Analisada a participação da eletricidade nas planilhas de custos de diferentes setores, fica inevitável não pensar em repasses aos consumidores finais dos produtos. Ou, segundo Leão, em retração de atividades, o que é mais provável, já que as empresas estão com as margens de faturamento ainda no limite. Com isso, o cenário pode voltar a ser de elevação acentuada do desemprego.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a chamada indústria de transformação tem, em média, 23% de seus custos comprometidos com a energia elétrica. Dois segmentos apresentam o peso mais alto desse item em seus processos: a indústria têxtil (44%) e a de borracha e plástico (43%). Os produtos químicos têm 33% do custo atribuídos à energia; os alimentícios, 30%; os de celulose e papel e metalurgia, 26%.

“Esses setores primários são a base da economia. Quase tudo usa plástico, borracha e produtos químicos. A indústria do vestuário depende totalmente do setor têxtil, assim como a metalurgia é fundamental para outros setores”, ressalta Leão.

Inflação

Para o professor de finanças e coordenador do curso de administração do Ibmec/MG, Eduardo Coutinho, apesar de causar prejuízos à economia de modo geral – e mesmo associado às altas do dólar e dos combustíveis –, o reajuste das tarifas da Cemig não deve atuar como fator de pressão inflacionária.

“Pode haver impacto na inflação, mas apenas de forma pontual”, diz Coutinho. Embora cadeias produtivas inteiras sejam normalmente afetadas por ajustes exagerados em preços macroeconômicos, como ocorre com petróleo e energia, explica o professor, o mercado não comporta repasses de custos neste momento. O motivo é que o país ainda vive uma fase de recessão.

Definidos na semana passada, os reajustes da energia elétrica, que variam de 18,6% para a baixa tensão a 35,6% para a alta tensão, começam a valer a partir desta segunda-feira e poderão ser verificados nas contas de junho

 Restaurantes apostam em cardápio com reajustes

Mesmo que o custo de vida não venha a ser pressionado de forma significativa e o famoso dragão da inflação não volte a fazer parte cotidiana da vida de brasileiros e mineiros, o que se espera, na prática, é o repasse ao consumidor do aumento de custos de alguns segmentos, provocado pela elevação do dólar, dos combustíveis e da energia.

Pelo menos essa é a previsão do segmento de bares e restaurantes do Estado. Mas as consequências, caso isso ocorra, podem ser péssimas para os dois lados: proprietários e clientes.

“Entre o final de 2017 e início de 2018, tivemos reajustes seguidos do gás de cozinha e isso apertou ainda mais a margem dos empresários do setor, que já não estava boa e impedia repasses”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas Gerais (Abrasel/MG), Ricardo Rodrigues. 

“Agora, em um cenário em que sobem ainda mais os combustíveis e o dólar, que regula o preço de diversos insumos usados pelo segmento, como o trigo e algumas bebidas, ainda teremos de arcar com o impacto do reajuste na energia elétrica”, acrescenta. 

A tendência, diz Rodrigues, é que alguns estabelecimentos mexam nos cardápios, correndo o risco de perder fregueses e até de fechar, ampliando o esvaziamento do setor iniciado em 2015, com a recessão. “Não é um movimento que a gente queira que aconteça, mas tememos que poucos restaurantes consigam segurar mais essa”, ressalta.

Dono de uma rede de pizzarias de entrega em domicílio na capital, além de um restaurante sofisticado na região Centro-Sul, o empresário italiano Domenico Cardamuro acredita que o reajuste do cardápio será inevitável. No Brasil há 18 anos, e dono da Pizza Pezzi há 16, Domenico diz que esta é “a pior crise” que experimentou no país, desde que chegou.

“Fiz uma série de ajustes no negócio, recentemente, para evitar o repasse de custos aos clientes. Reduzi o delivery de cinco para três lojas, passei de mais de 100 para 40 empregados e estou adotando o sistema 12 horas por 36 horas de jornada para alguns, após a reforma trabalhista. Mas acho difícil conseguir manter os preços dessa vez, principalmente com o aumento da Cemig”, diz Domenico.

O empresário calcula que, nas três lojas do delivery, a correção da conta de luz, em razão, principalmente, do grande número de geladeiras – os fornos dele são à lenha – eleve em 25% os custos de produção. “Infelizmente, não terei saída, mesmo sabendo que posso perder consumidores no serviço de entregas em casa”, afirma. 
 

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por