Saúde é a maior preocupação dos eleitores brasileiros

Aline Louise - Hoje em Dia
17/08/2014 às 08:42.
Atualizado em 18/11/2021 às 03:49
 (FREDERICO HAIKAL)

(FREDERICO HAIKAL)

A saúde é a principal preocupação dos brasileiros, conforme apontam as pesquisas. Consequentemente, é uma das plataformas mais defendidas pelos candidatos, seja em nível estadual ou nacional. Mas dizer que vai melhorar o setor é insuficiente. É preciso apontar como. As medidas para sanar os inúmeros problemas passam por investimentos em infraestrutura e tecnologia, planejamento estratégico, valorização dos profissionais, redução das desigualdades regionais, melhorias nos indicadores sociais e, sobretudo, aumento dos recursos destinados à área, conforme especialistas ouvidos pelo Hoje em Dia.

A professora da faculdade de medicina da UFMG, membro da diretoria da Associação Nacional de Saúde Coletiva (Abasco), Eli Iola Gurgel Andrade, avalia que a saúde pública melhorou muito no Brasil, desde a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir da Constituição de 1988. Segundo ela, antes, as ações de saúde coletiva se restringiam ao combate às epidemias, campanhas de vacinação e só tinha cobertura de assistência médica quem contribuía para a previdência social. Até a criação do SUS, o financiamento da saúde vinha quase totalmente do Governo Federal. A criação do sistema redistribuiu a responsabilidade entre União, Estados e municípios, mas isso não significou aumento da participação dos recursos públicos no setor, percentualmente.

“O sistema foi municipalizado e o nível federal foi se ‘desresponsabilizando’ do financiamento e da organização do sistema nacional de saúde. Chegamos hoje a uma situação preocupante. Atualmente, 8,9% do PIB é investido em saúde, somando a cota pública e privada. Desse total, a União, Estados e municípios ficam com cerca de 45%. Deste gasto público, aproximadamente a metade é da União, que centraliza a grande parte dos impostos, o restante é dividido entre os outros entes federados. Os outros cerca de 55% dos gastos com saúde no Brasil são privados”, explica.

Pela legislação, municípios e estados devem investir, respectivamente, 15% e 12% da arrecadação em saúde. Para União, o parâmetro é o que foi gasto no setor em 1998, corrigido anualmente pela taxa do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). “Isso representa um percentual pequeno para saúde, que aumenta pouco, porque ao longo desses anos nosso PIB cresce modestamente. De modo que se a gente compara o que era gasto federal hoje e na década de 90, reduziu quase a metade. E os municípios e estados começaram a gastar mais, antes era irregular o que eles investiam em saúde”, comenta a professora.

Segundo ela, os 8,9% do PIB investidos em saúde no Brasil representa praticamente o mesmo percentual que a Inglaterra aplica no setor, contudo, lá, cerca de 80% desse recurso é público. “Faço a comparação com a Inglaterra, porque nosso sistema foi inspirado no deles. O governo precisa dobrar o que gasta em saúde, para chegar ao que está o sistema inglês, que não é diferente da França, da Alemanha, que têm sistemas sólidos, fortemente financiados pelos impostos pagos pela população”, diz.

Especialista avalia que falta vontade política “Os proprietários de hospitais, planos de saúde têm forte representação no Congresso e disputam a saúde  com a setor público”, afirma a diretoria da Associação Nacional de Saúde Coletiva (Abasco), Eli Iola Gurgel Andrade. Para ela, falta “vontade política” para se ampliar os recursos públicos para a área e ainda fazer alterações no sistema, de forma que a saúde não seja um “grande negócio” para os empreendedores.

Segundo ela, nos países europeus a assistência privada abrange cerca de 13% da população. No Brasil, cerca de 30% das pessoas são atendidas pelos planos de saúde, que se beneficiam da possibilidade de mandarem para o SUS os pacientes, sempre que não dão conta da demanda. “Poucos planos cobrem toda a linha assistencial, da consulta ao CTI, a maioria não tem essa capacidade e acaba jogando para o SUS a responsabilidade em muitos casos, como, por exemplo, o paciente que esta em longa internação ou precisa de remédios caros”. Ela cita ainda que os casos de transplantes e hemodiálise, 98% são feitos na rede pública.

“Essa característica do sistema privado poder jogar os custos para o sistema publico faz com que a saúde seja um grande negócio no Brasil. O poder econômico pesa na política. Estes planos financiam candidatos, fazem seus ‘lobbys’ no Congresso e conseguem fazer com que seus interesses ditem as politicas públicas.

Eles ainda conseguem financiamentos de bancos públicos para expandir, enquanto que a própria rede pública tem dificuldade para crescer”, critica.

Segundo Eli Iola, apesar da saúde ser lucrativa para a iniciativa privada, a atenção básica não desperta tanto interesse, portanto, carece de especial cuidado do setor público. Para ela, o atendimento primário tem se tornado cada vez mais importante, num contexto de envelhecimento da população e aumento das doenças crônicas.

“A atenção básica não é só vacinação, é saúde da família, assistência onde o paciente mora, com acompanhamento médico desde o nascimento até o envelhecimento da pessoa. Isso que faz o diferencial. Em países europeus total a população tem atenção básica de qualidade, onde atende o rico atende o pobre. Nós estamos a meio caminho. O Programa Saúde da Família só atinge metade da cobertura nacional. Isso para mim está ligado a debilidade do financiamento público”, diz.

Motivar profissionais é um dos desafios

O professor de políticas públicas do Ibmec e doutor em ciência política pela Universidade de Paris 1 – Panthéon Sorbone, Vicente Fonseca, aponta a formação e motivação dos profissionais de saúde como outro grande desafio a ser enfrentado pelos futuros gestores. “O profissional hoje não tem perspectivas. Não existe dentro da política pública elementos de motivação. É um tipo de atividade em que a pessoa precisa ser altamente motivada porque trabalha com a tristeza e a dor”, comenta. Segundo ele, existem profissionais de “alto nível” no Brasil, mas estas pessoas não tem interesse, porque são mal remuneradas.

O presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRMMG), Itagiba de Castro Filho, tem a mesma opinião. Segundo ele, a classe médica convive com ausência de vínculos empregatícios, má remuneração e excessiva carga de trabalho, além de insegurança em locais mais remotos. Ele ainda defende a instituição de um plano de carreira para os profissionais.

Investimentos em infraestrutura é outra demanda apontada pelos especialistas. Para Vicente Fonseca há dinheiro para se fazer estas melhorias, mas falta planejamento. “O planejamento estratégico da saúde no Brasil está um caos, entretanto, existem ilhas de prosperidade. Por exemplo, o Hospital de Base de Brasília tornou-se uma referencia no Centro-Oeste para o câncer e a Aids. Por que? Porque houve investimento sério e planejamento estratégico. É simples, o brasileiro tem governantes inteligentes, mas o jogo de interesses político, sobretudo nesta época de campanha, inibe a execução dos programas para o futuro”, salienta.

Outro agravante dos problemas na saúde pública brasileira é a desigualdade entre as regiões. Vicente Fonseca lembra que muitas localidades, mais pobres e com o setor menos estruturado, “exportam” pacientes para regiões mais avançadas e sobrecarregam o sistema.

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