‘Vamos buscar o ressarcimento do uso predatório da Justiça’

Marciano Menezes
28/12/2018 às 22:28.
Atualizado em 05/09/2021 às 15:47
 (Robert Leal/TJMG/Divulgação)

(Robert Leal/TJMG/Divulgação)

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) vai intensificar as ações no Estado para coibir o uso predatório da Justiça, feito por empresas para protelar o reconhecimento de direito, ou por advogados, que sabem que o direito não existe, mas mesmo assim recorrem ao Judiciário. Em apenas dois casos citados pelo atual presidente do órgão, desembargador Nelson Missias de Morais, que ocupou interinamente o governo por quatro dias neste ano, duas empresas deram prejuízos de quase R$ 300 milhões.

“O Tribunal tem que buscar o ressarcimento do uso predatório da Justiça. Ela se direciona àqueles que realmente dela necessitam. Não àqueles que a usam para não cumprir o direito”, enfatizou.

Nesta entrevista ao Hoje em Dia, Nelson Missias de Morais, que também já presidiu a Associação dos Magistrados de Minas Gerais (Amagis), fala das ações para desafogar o órgão, que conta hoje com quase 6 milhões de ações, das quais 125 mil preparadas para pronúncia da sentença.

Nelson Missias de Morais conta também sobre a adesão pioneira de Minas ao Pacto da Integridade, que busca garantir transparência na administração e evitar desvios e desperdícios, e de ações para dar celeridade às demandas, como o programa pontualidade, uma espécie de mutirão, que já permitiu, em apenas um mês de implantação, a prolação de 2 mil sentenças.

O TJ em Minas está criando o Núcleo de Monitoramento do Perfil de Demandas, que busca evitar pedidos fraudulentos e o uso abusivo da Justiça. Como vai funcionar esse sistema?
O que nós chamamos de uso predatório da Justiça? Uma determinada empresa sabe que o indivíduo tem direito e, para protelar o reconhecimento desse direito, recorre à Justiça. Às vezes, até de forma fraudulenta. Ou até mesmo advogados, que sabem que um direito não existe e recorrem à Justiça. Isso tudo significa uso abusivo. Logo no início da minha gestão, criei uma comissão para fazer esse estudo, que está sendo elaborado, porque nós vamos buscar o ressarcimento aos cofres públicos. Apenas uma empresa mobilizou o Judiciário com mais de 68 mil ações, o que corresponde a mais de uma centena de milhões de reais. Uma outra empresa também, com mais de 70 processos, cujo custo para o tribunal foi de R$ 195 milhões. São só dois exemplos. O Tribunal tem que buscar o ressarcimento do uso predatório da Justiça. Ela se direciona àqueles que realmente dela necessitam. Não àqueles que usam dela para não cumprir o direito.

Apenas um advogado chegou a ingressar com mais de 15 mil demandas predatórias nos últimos 5 anos?
Já detectamos advogados que distribuíram ações também que são consideradas predatórias, mas é preferível fazermos um levantamento e trabalharmos de forma mais silenciosa, para que possamos evitar essa proliferação de ações. São ações que às vezes são fadadas ao fracasso e que ainda assim vêm para o Judiciário tumultuar ainda mais e prejudicar a celeridade processual.

Para dar celeridade aos processos, Minas está ingressando também no segmento da inteligência artificial por meio de julgamento virtual dos processos. Isso já está em fase de implantação?
Na verdade, estamos tentando modernizar o Tribunal. Nos últimos dez, 12 anos, foi implantado o Processo Judicial Eletrônico em 27% na área civil. Nos juizados especiais e criminais foi zero de implantação. Nós projetamos para, em um ano, atingir a plenitude da implantação do PJE. O que isso significa? O paradigma da eliminação de papéis. Do mesmo modo, nós estamos fazendo estudos, já temos uma equipe para implantarmos aqui a chamada inteligência artificial. É um caminho sem volta e vai contribuir muito na eficiência do Judiciário e na celeridade, uma vez que teremos condições de prospectar todas as demandas naquele sentido, unificar e, praticamente, fazer um julgamento conjunto. E hoje nós temos os IRDRs, que são Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas. Se acolhido o IRDR, obviamente aplica-se aquela decisão para centenas, milhares ou dezenas de milhares de processos. Então, a Justiça está caminhando a passos largos para implantar essas ferramentas de eficiência.

O que o Tribunal tem feito para garantir a transparência na administração e evitar desvios e desperdícios?
Implantamos aqui o Pacto de Integridade para chegarmos ao compliance público (código de integridade). Todo poder público deveria fazê-lo. É uma lei federal e o tribunal do país, o primeiro a implantar, foi o de Minas Gerais. Hoje, somos modelo para o Brasil, porque aqui também fazemos obras, também contratamos, e esses instrumentos de contenção de desvios são fundamentais dentro da administração pública.

As pessoas reclamam muito da morosidade da Justiça. Hoje, qual é o estoque de ações no TJ?
Temos quase 6 milhões de processos em tramitação e, preparados para prolação de sentenças, em torno de 125 mil.

O que tem sido feito para reduzir essa pilha de processos?
Implantamos o programa pontualidade, onde pontualmente vamos agir em varas do interior ou mesmo na capital, onde o serviço estiver acumulado. Ainda agora, em um mês de implantação, a nossa equipe já prolatou em torno de 2 mil sentenças. Vamos diminuir muito esse estoque. Estamos implantando também o PJE naquelas comarcas pequenas onde não podemos designar juízes e nem tem juízes para designar, devido ao alto custo. A Jurisdição está sendo feita on-line, virtualmente. Ou seja, daqui do núcleo do programa Pontualidade, as medidas urgentes estão sendo julgadas pelos juízes operadores daqui. E, obviamente, aqueles casos em que exijam a presença do juiz, aí vai um da região para atender. É um instrumento de eficiência esse programa.

Funciona como uma espécie de mutirão?
Sim, tem dois juízes operadores, com vários assessores. Eles analisam os processos, veem de forma virtual as entradas de ações que têm nessas comarcas e aquelas que exijam uma decisão imediata, já atuam virtualmente.

Além do Pontualidade, o que mais tem sido feito para diminuir esse estoque de ações na Justiça?
Temos tentado melhorar as condições de trabalho, em todas as comarcas. Nós temos comarcas aí, em que os prédios, por exemplo, estão em situação muito difíceis, de quase dificuldade total de se trabalhar naquele ambiente. Já terminamos a licitação e vamos concluir só na nossa gestão, em dois anos, 34 fóruns. Vamos inaugurar. Vamos deixar um outro tanto já quase pronto para o próximo presidente inaugurar. Portanto, estamos com um plano de aceleração de obras, porque quando melhoram as condições de trabalho do servidor, a consequência disso é a melhoria da prestação jurisdicional, é a celeridade. 

Em relação às obras, vão ser realizadas também no fórum de Belo Horizonte, buscando essa questão da sustentabilidade...
Todas as nossas obras já são com sustentabilidade. Onde tem sol intenso, estamos implantando energia fotovoltaica; onde dá para recuperar água da chuva, instalando tanques. Enfim, estamos fazendo fóruns com sustentabilidade. Inclusive em Belo Horizonte nós vamos fazer uma reforma grande no Fórum Lafayette, que deve começar já, agora em 2019.

Na sua interinidade como governador de Minas, o senhor assinou investimentos para obras da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, a Apac de Frutal...
Realmente assinei convênios de Apacs e um deles foi para Frutal, que tem hoje as maiores Apacs feminina e masculina do Brasil. E será referência também no modelo de recuperação juvenil, de medida socioeducativa, que seguirá, em muitos aspectos, o formato que se aplica nas Apacs. Não serão Apacs infanto-juvenis, que fique claro, mas sim um modelo diferente de cumprimento de medidas socioeducativas de internação.

E quem banca as Apcs hoje?
Elas recebem aportes das comunidades e quem garante a parte de alimentação é o governo do Estado, porque é responsabilidade do governo o sistema prisional, mas o Tribunal de Justiça tem dado a sua contribuição, a sua colaboração com o programa Novos Rumos. Nós somos os incentivadores da implantação desse modelo. O Tribunal, através dos seus juízes, atua nas comarcas, juntamente com o Ministério Público, defensoria e a comunidade, fazem toda a mobilização necessária para a aquisição do terreno, de verbas para construir e, depois, para a manutenção.

E como funciona o Novos Rumos?
Temos os nossos projetos sociais, com o programa Novos Rumos, e hoje somos referência nacional e internacional em termos de modelo de execução penal humanizada, que são feitas nas Apacs, onde o preso, que nós chamamos de recuperando, custa 1/3 daquele que está no sistema convencional, onde não existem policiais tomando conta do estabelecimento. O próprio recuperando é que cuida do estabelecimento. Há toda uma estrutura envolvendo a comunidade e os familiares dele. E o índice de reincidência é infinitamente menor do que no sistema convencional. Enquanto no sistema convencional a reincidência gira em torno de 70% a 80%, no sistema de cumprimento de pena humanizada em Apacs não ultrapassa os 15%. E, ainda assim, são praticados por esses reincidentes crimes não violentos, e com um detalhe: lá o recuperando não fica à toa, ele trabalha o dia todo e à noite volta para a cela. Ele ganha lá dentro senso de responsabilidade, é tratado com dignidade, ganha dinheiro como retribuição ao seu trabalho, e nós temos o Sistema “S”, dentro desses estabelecimentos, que ensina para eles uma profissão. E são eles próprios que fazem a alimentação. E esse é um dos motivos de barateamento, porque não tem polícia, não se gasta com agentes, a comida fica mais barata e em algumas temos até padaria. Hoje temos 38 unidades dessas e 3.500 recuperandos. Queremos, até o final do próximo ano, instalar uma padaria em cada estabelecimento desses.

O próprio TJ é quem vai bancar?
O que a sociedade tem que ter a compreensão é que a Justiça Penal não tem esse caráter de vingança. A pena visa não só atingir aquele indivíduo pelo delito que ele cometeu, mas também ressocializa-lo para que ele possa voltar melhor para a sociedade. E, dessa forma, nós estamos dando uma contribuição, não só para Minas Gerais, mas para o Brasil. Hoje somos referência nacional e a Europa tem vindo aqui em busca desse modelo.

Só para ficar claro, quem vai implantar essas padarias é o próprio TJ?
Não, a própria associação. A gente repassa para a FBAC (Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados) e é ela que faz o aporte, adquire os equipamentos e coloca lá. 

Estão previstos novos concursos no Tribunal?
Um concurso da primeira instância, que está sendo encerrado, acredito que no primeiro trimestre, primeiro quadrimestre de 2019, se houver disponibilidade financeira e orçamentária, já poderemos começar a fazer as chamadas (dos aprovados).
 

“Estamos com um plano de aceleração de obras, porque quando melhoram as condições de trabalho do servidor, a consequência disso é a melhoria da prestação jurisdicional, a celeridade”

 
 

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