Quando o amor de mãe não se resume apenas aos laços de sangue

Cristina Barroca - Hoje em Dia
10/05/2013 às 21:54.
Atualizado em 21/11/2021 às 03:35

Ângela Maria Gama de Macedo assistia ao jornal pela TV em sua casa quando se deparou com uma notícia do nascimento de quadrigêmeos em Belo Horizonte. Um apelo da imprensa pedia assistência àquela família que repentinamente pulou de duas para seis crianças para serem cuidadas, com um orçamento de pouco mais de um salário mínimo do emprego de vigilante de Jorge Odorico, o pai.
 
Era abril de 1988, ano de muitas mudanças para o Brasil como a aprovação da nova Constituição e de muita discussão sobre licença maternidade e os temores em admitir mulheres por conta das condições da nova lei. A matéria de capa do Jornal Hoje em Dia do dia 16 de abril de 1988 também apresentava o nascimento de Daniela, Dayanne, Dayse e Daniel - os quadrigêmeos - e trazia uma mensagem reflexiva. "Imagine Dona Beth (a mãe) sem a licença. Quem cuidaria dos meninos?"
 
Sensibilizada, Ângela logo pensou que não seria justo ela estar ali sentada enquanto assistia alguém precisar de ajuda. Em um ímpeto, partiu para o hospital.
 
Na portaria da maternidade encontrou muitos repórteres, fotógrafos, equipes de TV e rádio que buscavam uma novidade sobre o parto inesperado. Com jeitinho, Ângela Maria conseguiu acesso aos pais. "Eu estou disposta a ajudar, mas não sei como. Vocês vão ter que me dizer o que posso fazer por vocês", disse ela. E foi assim que Ângela começou a doar o leite necessário para a alimentação das crianças.
 
Apesar das tantas doações recebidas pela família, ainda faltava alguma coisa. A realidade é que Elizabeth Soares da Silva, com 28 anos, desempregada e mãe de seis filhos - quatro recém-nascidos, uma menina de 1 ano e um menino de 2 - precisava mesmo era de alguém que a auxiliasse nas tarefas do dia a dia. E foi assim que Ângela também colocou à disposição seus serviços como babá. "Como a Beth tinha outros dois para olhar, eu tentava ajudar. Era muito menino e tinha que dar colo para todos, dar banho, cuidar da higiene, da saúde, alimentar..."  
 
Na época, Ângela Maria trabalhava como agente de treinamento no setor de Recursos Humanos do Serviço Nacional de  Aprendizagem Industrial (Senai). Ela tentava administrar seu tempo no emprego com as visitas que se tornaram correntes à casa da família Silva. "Não sei como consegui conciliar. Deus dá força e a gente vira dois, três, quatro. Era o trabalho, a ajuda a essa família que eu assumi e ainda tinha que sobrar um tempinho para o namoradinho", contou com bom humor.
 
Solteira, a aposentada mora com o irmão mais velho e diz nunca pensou em ter seus próprios filhos. "E acabou mãe de quatro", brinquei durante a reportagem. A resposta veio quase que automática. "Quatro não. Seis. Adotei também os outros dois que Beth já tinha. Mas hoje eu tenho mais três." Isso porque Ângela decidiu, há cinco anos, prestar o mesmo tipo de ajuda a uma outra família que teve trigêmeos.  
 
Em alguns momentos, a solidária moça ainda teve que enfrentar a reprovação da família, amigos e colegas de trabalho por essa decisão de assumir responsabilidades com uma família que mal conhecia. "Aqui em casa todos diziam que eu estava maluca e dando tudo que tinha. No trabalho, alguns condenavam minha atitude e diziam que ia tomar um pé na bunda dessa família. Não me importava se acontecesse. Eu estava disposta a isso. Mas aconteceu o contrário, eles também me acolheram."

(Foto: Samuel Costa/Hoje em Dia)


Os quadrigêmeos
 
Elizabeth Soares da Silva entrou em trabalho de parto na madrugada do dia 15 de abril de 1988 e esperava três filhos. Pela manhã, as crianças foram nascendo. Primeiro veio Daniela, às 8h15, depois Dayane, às 8h17, em seguida nasceu Dayse, às 8h18, e por último Daniel, às 8h20, após o rompimento de uma segunda bolsa que não era esperada.
 
Com poucos meses, a mãe apelidou cada um dos filhos com características que eles apresentavam. Pela ordem de nascimento era risonha, folgada, dorminhoca e comilão. E segundo eles, as características permaneceram.

Aos oito meses dos quadrigêmeos, a família foi surpreendida por um momento de aflição. A Dayse, a terceira criança a nascer desse parto complicado, adoeceu e acabou falecendo no hospital. "Eu fiquei numa paixão, que eu não quis nem ir ao cemitério", lamentou Ângela.
 
Beth diz que sempre fez questão de vestir todos iguais e desenvolveu uma mania de colocá-los na ordem de nascimento. Ela também afirma ter ensinado aos gêmeos a serem unidos. Quando eu perguntei se a regra valia para toda a família, a resposta veio incrivelmente em coro: "sim. Somos todos muito unidos."
 
Hoje, com 25 anos e com o segundo grau completo, os três gêmeos trabalham e são independentes. Uma é atendente em uma loja de vestuários, outra trabalha em uma rede de supermercados e Daniel presta serviço para uma das principais fabricantes de autopeças no Brasil.
 
Ângela diz se orgulhar do caminho trilhado pelos filhos que escolheu. "Eles sempre foram crianças muito comportadas e bem educadas porque os pais incentivaram e deram bons princípios. Sempre foram muito rígidos. Todos eles são independentes e ajudam a mãe. Estão bem encaminhados."

Dia das Mães
 
Dayane resumiu o sentimento de toda a família por Ângela Maria Gama de Macedo: "a gente chama ela de tia, mas na verdade ela é uma segunda mãe." E Daniela completou afirmando que "o carinho que ela tem por nós é enorme, assim como a gente tem por ela também. Desde pequena ela deu papinha, cortou unha, ajudou com leite, material escolar, aniversários e até nos casamentos." E a atenção é correspondida. "Me sinto mãe de coração. É profundo. Eu não consigo viver sem eles," confirma emocionada a "mãe postiça".
 
Já fazem 15 anos que Ângela Maria passa o Dia das Mães com a família Silva e em 2013 ela vai comemorar a data por dois finais de semanas seguidos. "Como eu não tenho mãe mais, costumo passar a data na casa da Beth. E no próximo final de semana eu vou na casa da Preta (a mãe dos trigêmeos que ela também ajuda, citados no início dessa matéria)."
 
"Eu agradeço muito a Deus por ter colocado a Ângela em nossas vidas e por tudo que ela fez. Ela abraçou a nossa história", reconhece Dona Beth.   

Da solidariedade de Ângela e a humildade de Elizabeth, cresceu uma grande amizade. "Tem dia que a gente senta para bater prosa na laje e não tem hora para acabar." E de tudo que passaram juntas foi tecida uma nova história familiar em torno dos quadrigêmeos de duas mães.
 
"A Beth não trabalhava e o pai ganhava pouco para cuidar de tanto filho. Isso também me estimulou a ajudar, mas o que me fez ficar mesmo nessa família foi o carinho e a amizade que eu sentia por todos. E fui ficando. Não tive nunca vontade de sair."
 

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