Riscos à cachaça: com eventual alta de tributo, produtores mineiros temem maior clandestinidade

Bernardo Almeida
16/11/2019 às 21:45.
Atualizado em 05/09/2021 às 22:43
 (Riva Moreira/Hoje em Dia)

(Riva Moreira/Hoje em Dia)

Prevista tanto na proposta de reforma tributária que está no Senado quanto na da Câmara, a criação de um Imposto Seletivo tira o sono de produtores de cachaça em Minas. A alíquota incidiria sobre bebidas alcoólicas e não-alcoólicas, cigarros e derivados de petróleo, itens que ainda serão definidos por lei ou medida provisória. Além da ameaça de sugar uma fatia maior dos ganhos do setor, há o medo de que a taxação resulte no aumento de produtos clandestinos no mercado. 

“Não tenho esperança de conseguir uma redução de imposto, mas um temor de sofrer um aumento de tributação, até pela falta de base hoje nas discussões sobre o Imposto Seletivo”, disse Carlos Lima, diretor executivo do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), durante o 2º Seminário Mineiro da Cachaça, realizado em Belo Horizonte na semana passada. 

Segundo Carlos Lima, a carga do tributária do setor já é alta, como no caso do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), que atualmente é de 25% e teria que ser na casa dos 17%, de acordo com o Instituto.Sebastião Jacinto Júnior / Divulgação

Para Carlos Lima, presidente do Ibrac, reforma tributária não deve trazer redução de impostos para o setor, mas pode aumentar encargos 


Somado à denominação vaga de Imposto Seletivo, Carlos Lima citou também a recente declaração do ministro da Economia Paulo Guedes, que se manifestou no sentido de tributar mais sobre quem fuma e quem bebe, durante evento realizado no último dia 7, no Tribunal de Contas da União. Algo que para o Ibrac vai na contramão da carta pública do então candidato Jair Bolsonaro, durante campanha à Presidência no ano passado, em que solicitava uma proposta que não reduzisse a arrecadação do setor e dizia que “parece razoável que há espaço para redução da atual informalidade/clandestinidade, mediante uma redução na taxação do produto”. 

Informalidade de produtores de cachaça é de cerca de 80% no Brasil e 90% em Minas, estado com mais estabelecimentos registrados e quinto maior exportador do país, atrás de São Paulo, Pernambuco, Paraná e Rio de Janeiro

O aumento da informalidade é citado como uma das consequências da alta tributação pelo Ibrac, que aponta como ineficiente uma maior taxação. “Qualquer aumento de imposto que exista hoje no segmento da cachaça não vai representar elevação da arrecadação do governo, e sim aumento da clandestinidade, da ilegalidade, da sonegação. A gente já passou do ponto ótimo da contribuição”, alega Carlos Lima.Clique para ampliar


Questão de saúde

A produção de uma bebida alcoólica sem os devidos controles sanitários pode resultar em problemas diretamente danosos para o consumidor, com problemas de cobre, metanol e uma série de outros compostos em uma produção sem controle. Então é um caso de saúde pública”, argumenta o diretor executivo do Ibrac, que também defende o combate à clandestinidade pela fiscalização.

Outros setores que podem ser impactados pelo Imposto Seletivo não se manifestaram por considerar que o tema ainda é incipiente, como a Associação Brasileira da Indútria da Cerveja e a companhia de tabaco Souza Cruz. Já a Philip Morris defendeu um equilíbrio para evitar contrabandos e não estimular o consumo, citando que um modelo de imposto seletivo regulatório que atenda essas funções está em linha com os países da OCDE.

O Ministério da Economia não foi localizado para comentar sobre a possibilidade do novo imposto.

Setor torce pela ratificação do acordo entre Mercosul e UE

Responsável por mais de 600 mil empregos, diretos e indiretos, o mercado da cachaça comemora o reconhecimento da Identificação Geográfica da bebida como produto brasileiro na Colômbia, nos EUA, no México e, mais recentemente, no Chile, garantindo a proteção do produto com origem exclusiva daqui. 

Atualmente o Brasil exporta para mais de 60 países, o que gera US$ 15 milhões anuais, valor considerado baixo pelo Ibrac, quando comparado ao de outras bebidas características de fora, como a tequila mexicana (US$ 1 bilhão), o scotch whisky do Reino Unido (US$ 6,05 bilhões) e o conhaque francês (US$ 3 bilhões). Diante disso, o diretor executivo do Ibrac, Carlos Lima, torce para que o país supere instabilidades políticas para confirmar o acordo bilateral entre União Europeia e Mercosul, que garante tal proteção. 

Acredito na capacidade e empenho do governo brasileiro na ratificação desse acordo tanto por parte do nosso Congresso quanto no Parlamento Europeu, da mesma maneira que o governo teve uma capacidade impressionante de destravar esse acordo”, diz Carlos Lima, que também cita Canadá, Argentina, China e Austrália como próximos destinos dessa proteção.

ALÉM DISSO:

Elber Sales dedicou boa parte dos seus 20 anos como chefe executivo da destilaria Bandarra, de Salinas, no Norte de Minas Gerais, na exportação de cachaça para a Alemanha, e agora volta sua atenção para o mercado interno, que considera problemático por questões de logística, frete e guerra fiscal entre os estados. “O Brasil tem um mercado virgem a ser explorado mas acabamos produzindo queijo e cachaça só pra dentro de Minas”, lamenta.

A cachaça é a segunda bebida alcoólica mais consumida no Brasil, atrás da cerveja, que ocupa 90% do mercado brasileiro. Os dados são da empresa de pesquisa de mercado Euromonitor, que destaca no entanto que o produto perdeu espaço nos últimos anos principalmente para o gim. “Esse movimento pode se dar pelo caráter da inovação ou porque talvez não estejam enfrentando os mesmos desafios da cachaça, como a tributação alta”, explica Angélica Salado, gerente de pesquisa da Euromonitor no Brasil. 

“Mas a gente já percebe uma saturação desse mercado”, completa Salado, que avalia então ser um momento oportuno para o fortalecimento desse nicho. “Há ciclos muito estabelecidos que duram de cinco a dez anos e estamos exatamente em um momento de transição de ciclos, esse é o momento para reposicionar a cachaça, se perder essa oportunidade agora provavelmente só conseguirá daqui a um bom tempo”, observa.

  

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