Anunciada com alarde pela Caixa Econômica Federal e pelo Ministério do Trabalho, a permissão aos trabalhadores da iniciativa privada para usar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como garantia para o empréstimo consignado, aquele com desconto em folha de pagamento, pode não ser um bom negócio, apontam especialistas.
Ainda não é possível encontrar essa modalidade de crédito no mercado, mas empresas e bancos já buscam firmar convênios que vão permitir aos funcionários o acesso à linha.
A taxa de juros máxima definida pelo Conselho Curador do FGTS, que reúne membros do governo, trabalhadores e representantes do setor privado, será de 3,5% ao mês – o equivalente a 51% ao ano. Assim, se os bancos optarem pelo teto, a nova modalidade terá um custo acima não só da taxa do consignado cobrada dos aposentados e pensionistas do INSS, atualmente de 28% ao ano, como também dos servidores públicos, hoje na casa dos 31%.
Mas ainda ficará acima do empréstimo com desconto em folha dos trabalhadores do setor privado, que fechou fevereiro com juro anual de 43,8%, segundo dados do Banco Central.
“A taxa é aproveitadora, surreal e oportunista. Com tantas garantias, os juros limites deveriam ser, no mínimo, iguais aos aplicados no consignado destinado aos servidores públicos e aposentados”, afirma o presidente do Instituto Fundo Devido ao Trabalhador, o advogado Mario Avelino.
Garantias para bancos
Pela nova regra, o trabalhador poderá oferecer até 10% do saldo disponível em sua conta do FGTS, ativa ou inativa, para obter o empréstimo consignado. Esta linha desconta as prestações da dívida diretamente na folha salarial. Já em caso de demissão, o banco poderá reter 100% da multa do FGTS paga pelo empregador – que corresponde a 40% do saldo na conta do Fundo – para garantir o pagamento da dívida.
]“Para os bancos, o risco é zero. Então nada mais justo do que as taxas fossem menores. Vamos brigar por isso, inclusive levando a reivindicação ao Congresso”, diz Avelino. Considerando o teto de 3,5% ao mês, ainda é possível encontrar outras opções de crédito com juros mais baixos.
Segundo o diretor executivo de Estudos e Pesquisas da Associação Nacional dos Executivos de Finan[/TEXTO]ças, Administração e Contabilidade (Anefac), Mi[/TEXTO]guel Ribeiro de Oliveira, empréstimos que possuem garantia real, como antecipação do 13º salário ou restituição do Imposto de Renda (IR), possuem taxas a partir de 2% ao mês.
Outra alternativa é o refinanciamento do carro ou da casa própria. Nesses casos, as taxas variam de 1,8% a 2,5%. Porém, embora a modalidade apresente juros mais atrativos, a escolha deve ser avaliada com bastante cautela, já que o bem é dado como garantia do empréstimo.
Pesquisa
Portanto, antes de correr até uma agência bancária para tomar o empréstimo consignado, a dica é pesquisar e analisar as opções disponíveis no mercado.
Colocando as contas na ponta do lápis e tendo como base a taxa 51% ao ano, um trabalhador com carteira assinada que fizer um empréstimo no valor de R$ 1.000 pagará ao final de 12 meses R$ 1.511. Em dois anos, serão R$ 2.283. E em três anos, a quantia terá atingido R$ 3.450.
Consignado só vale a pena em casos extremos, diz especialistas
Dar o FGTS como garantia de empréstimo aos bancos implica em risco de perder a “poupança” que protege o trabalhador em caso de desemprego. Segundo especialistas, abdicar do dinheiro do Fundo, que deveria ser preservado para momentos de grande fragilidade financeira, como demissão sem justa causa, só vale a pena em casos de substituição de uma dívida mais cara ou situações extremas, como problemas de saúde na família ou urgência de uma obra em casa, por exemplo.
“Essa é uma medida que o governo tomou para aumentar o crédito e estimular a economia. Mas como o FGTS é esteio para o trabalhador formal, a modalidade deve ser usada com cuidado. O brasileiro só deve lançar mão do consignado se tiver uma dívida no cartão ou cheque especial, cujas taxas passam de 300% e 400%, respectivamente”, diz o vice-presidente do Conselho Regional de economia (Corecon-MG), Adriano Miglio Porto.
Segundo ele, uma das causas para o país ter juros tão altos é o oligopólio no setor bancário, com apenas cinco grandes instituições. “Há uma espécie de cartelização. Então o governo deve usar os bancos públicos (Caixa e Banco do Brasil) para puxar as taxas para baixo”, afirma Porto.
De acordo com a Caixa, o governo não deseja que apenas os bancos públicos operem essa nova linha, mas que os bancos privados se interessem e, com isso, possa haver concorrência e redução dos juros.
Para a coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Maria Inês Dolci, o incentivo ao endividamento para acelerar a economia não é a saída. E é o que o governo está fazendo.
“Não faz sentido ameaçar, por eventual dívida, parte do FGTS, uma das únicas reservas financeiras dos trabalhadores para situações como desemprego”, diz.
Segundo ela, crédito não é renda, principalmente em um cenário de baixa confiança, alto grau de incertezas, juros elevados, desemprego em alta e renda em queda.
“Dívidas têm de ser pagas e comprometem o orçamento mensal, afetando o poder de compra individual ou familiar. E sobe o risco de inadimplência, que já atinge 59 milhões de brasileiros”, afirma Dolci.
EDITORIA DE ARTE