Recentemente, estivemos na planta da Stellantis em Mirafiori (Itália). Por lá há um grande acervo que elenca as marcas do antigo Grupo Fiat. Entre protótipos, carros clássicos e de competição estava o demoníaco Lancia Delta S4, um dos veículos mais insanos já construídos e que acaba de completar 40 anos. Nunca ouviu falar? Então, senta que lá vem história!
Em 1985, a Lancia apresentou o Delta S4, um carro criado para competir no Grupo B do Campeonato Mundial de Rally. A categoria, instituída pela Federação Internacional de Automobilismo (FIA) no início dos anos 1980, permitia grande liberdade técnica e pouca limitação de potência, o que resultou em veículos extremamente rápidos e difíceis de controlar. O S4 nasceu nesse contexto de inovação e risco.
O modelo marcou a transição da Lancia para a tração integral, uma resposta à superioridade do Audi Quattro e do Peugeot 205 T16. O projeto foi conduzido pela equipe Abarth, responsável pelo desenvolvimento dos carros de competição da marca italiana. O chassi era tubular, com carroceria feita em materiais compostos como fibra de carbono e Kevlar, solução que reduzia peso e aumentava a rigidez estrutural.
O Delta S4 era equipado com um motor de quatro cilindros e 1.8, montado na posição central-traseira. A principal inovação estava no sistema “twincharged”, que combinava compressor mecânico e turbocompressor para eliminar o atraso de resposta e ampliar o torque em todas as faixas de rotação. O resultado era uma potência estimada entre 450 e 550 cv (há quem diga que ele poderia passar dos 650 cv) nas versões de corrida, com peso inferior a uma tonelada.
O sistema de tração integral, desenvolvido em parceria com a empresa inglesa Hewland, utilizava um diferencial central capaz de transferir entre 60% e 75% do torque para o eixo traseiro. A transmissão manual de cinco marchas, também criada pela Hewland, completava o conjunto mecânico. O desempenho era extremo: aceleração de 0 a 100 km/h em pouco mais de 2,5 segundos em pisos de asfalto e velocidade máxima próxima de 250 km/h.
Para atender às exigências de homologação, a Lancia produziu cerca de 200 unidades da versão Stradale, adaptada para uso civil. Essa configuração mantinha o mesmo conjunto mecânico, mas com potência reduzida para aproximadamente 250 cv, suspensão mais suave e interior parcialmente revestido.
A estreia competitiva do Delta S4 ocorreu no Rally RAC, em novembro de 1985, com vitória de Henri Toivonen e Neil Wilson. Em 1986, o carro confirmou sua competitividade com triunfos em provas do Mundial, além dos campeonatos italiano e europeu. No entanto, a mesma temporada foi marcada por tragédias que determinaram o fim do Grupo B. O acidente fatal de Toivonen e do copiloto Sergio Cresto, durante o Rali da Córsega, levou a FIA a extinguir a categoria no final daquele ano.
Apesar de sua curta trajetória, o Delta S4 teve papel fundamental na evolução técnica dos carros de rali. Seus conceitos de sobreali-mentação dupla, leveza estrutural e tração integral serviram de base para o desenvolvimento do Lancia Delta HF 4WD e das versões Integrale, que dominaram o Mundial de Rally nos anos seguintes.