O plebiscito britânico para decidir se o Reino Unido permanecerá na União Europeia ou abandonará o bloco ao qual se uniu em 1973 teve número recorde de 46,5 milhões de eleitores registrados. O resultado oficial só seria anunciado nesta sexta (24). Mas, a depender das sondagens e das declarações dos principais líderes políticos do Reino Unido, a opção pelo "fica" prevalece.
Pesquisa de intenção de voto do instituto YouGov divulgada após o encerramento da votação apontava 52% para a permanência e 48% para a saída da UE. Se confirmados, os números consolidam uma tendência que se impôs desde o assassinato da deputada trabalhista Jo Cox, pró-Europa, por um ultranacionalista no último dia 16. Até então, a saída levava ligeira vantagem dentro da margem de erro.
O primeiro político a sugerir a derrota do "Brexit", a saída britânica, foi um dos maiores entusiastas pelo rompimento com a UE. "Foi uma campanha extraordinária, de participação excepcionalmente alta, e parece que a permanência ficará na frente", disse Nigel Farage, líder do partido anti-imigração Ukip, tão logo as urnas fecharam, às 22h (18h no Brasil) -depois, ele amenizaria o discurso.
Foram 15 horas de votação sob chuva, com alagamentos e interrupções no transporte. Enquanto a votação ocorria, partidários do Brexit lançavam vídeo chamando eleitores para o "dia da independência", a libra valorizava, a bolsa de valores subiu e o mercado de apostas faturava. Líderes europeus como a alemã Angela Merkel e o espanhol Mariano Rajoy exortavam os britânicos a ficarem, já que a ruptura poria em xeque o destino da EU ao abrir precedente para a saída de outro dos 28 países-membros.
Efeito dominó
Mesmo com a prevalência da união, o placar apertado indicado pelas pesquisas revela um país dividido e, segundo analistas, promete despertar um sentimento anti-UE continente afora.
Há risco de efeito dominó entre outros países do bloco, que podem tentar imitar a consulta popular para obter vantagem em negociações. O professor de política Tim Bale, da Universidade Queen Mary de Londres, pondera que o "efeito dominó" tem mais força caso o Reino Unido deixe efetivamente o bloco -um processo que, após a consulta popular, ainda precisaria ter aval do Parlamento e envolveria ao menos dois anos de negociações. "Depende de quão bem irão as coisas para o Reino Unido fora da UE", adverte.
O professor salienta que será preciso um "sucesso estrondoso" dos britânicos secessionistas para motivar outros países a levarem, de fato, seus cidadãos às urnas arbitrar sobre o bloco. Ainda que não signifique o início de um potencial desmonte, há muitos europeus interessados em, ao menos, debater benefícios e potenciais problemas caso seus países decidam deixar a UE.
Pesquisa feita pelo instituto Ipsos Mori com 6.000 pessoas em nove países europeus indicou que 45% dos entrevistados apoiam a ideia de se fazer uma consulta popular seu próprio país, e um terço dos consultados disse que votaria para sair do bloco. A consulta foi feita em março e abril deste ano, e o nível de apoio varia por país.
A maioria dos franceses e italianos ouvidos concordam com um plebiscito. O instituto ouviu ainda cidadãos de Suécia, Espanha, Bélgica, Hungria, Polônia, Alemanha e do próprio Reino Unido. Além do ceticismo quanto ao bloco, o plebiscito no Reino Unido despertou outro sentimento entre os europeus: o de não ser bem-vindo entre parte dos britânicos.
Cerca de 3 milhões de cidadãos de países-membros do bloco vivem no Reino Unido, e aproximadamente 2 milhões de britânicos estão em outros 27 países da UE. O livre trânsito de cidadãos da UE, uma das prerrogativas do bloco, transformou-se em um dos pontos de maior apelo durante a campanha do plebiscito. Favoráveis ao Brexit defendem que os imigrantes sobrecarregam o sistema de saúde, baixam os salários e "roubam" empregos.
Por isso, analistas avaliam que, independentemente do resultado do plebiscito, haverá muitas feridas a curar no Reino Unido após a votação.
Além de dividir os britânicos, a disputa rachou o Partido Conservador e expôs fragilidades do Trabalhista. Para analistas, a briga dentro dos dois principais partidos britânicos, escancarada nas posições divergentes sobre o Brexit, continuará.