Wagner Moura assina a direção de 'Marighella', já em cartaz nos cinemas

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
08/11/2021 às 08:29.
Atualizado em 05/12/2021 às 06:12
 (Divulgação)

(Divulgação)

Wagner Moura não tem nenhuma vontade de realizar novos filmes sobre personagens históricos do país. “Não aguento mais, já chega”, diverte-se, em entrevista ao Hoje em Dia, lembrando-se dos ataques sofridos por 'Marighella', que marca a sua estreia na direção de longas-metragens. Em cartaz nos cinemas, o filme virou alvo do governo federal e de alas de direita depois de ser exibido no Festival de Berlim, na Alemanha, em 2019.

Apesar de todas as dificuldades, ele não esconde a felicidade em ver o filme chegar a 200 salas do país e ganhar o apoio de vários movimentos por igualdade de direitos. Para eles, a história de Carlos Marighella, um dos principais nomes da luta armada contra a ditadura militar nos anos de 1960, é uma referência atual, um exemplo de dignidade e honestidade. Moura não esconde que buscou, no filme, falar com o momento atual.

Nessa conversa, o ator brasileiro de maior projeção internacional explica algumas de suas escolhas para o filme, como a atmosfera de ação com foco nos personagens, seguindo um estilo próximo aos irmãos Dardenne (de 'Rosetta'). A carreira à frente das câmeras, adianta, não será deixada de lado. Além da recém-lançada temporada de 'Narcos', já tem dois filmes engatilhados, um deles sob a batuta de Kleber Mendonça ('Bacurau').

Ele carrega o compromisso de não vestir a pele de nenhum personagem que contribua para aumentar o estigma sobre a América do Sul. “Qualquer coisa que eu faça fora do Brasil, nunca vou fazer um personagem que reforce o estereótipo negativo sobre a comunidade latina. Qualquer coisa que você ver eu fazendo lá fora, tenha certeza de que são coisas que condizem com a minha dignidade de homem latino”, afirma Moura.

Em determinada cena de 'Marighella', um dos personagens olha para a câmera e diz: “Nós vamos vencer”. Nesse instante, o filme parece se descolar de sua história e mandar um recado sobre o momento atual do país. Essa foi a sua intenção?

Não fiz um filme só sobre os que lutaram contra a ditadura dos anos 60 e 70. O filme é sobre o que é lutar agora. Nas pré-estreias, depois de tanta dificuldade para lançar, de tanto ataque e violência, principalmente do governo federal, cujos membros continuam tuitando contra o filme, mobilizando a sua militância para dar nota baixa no IMDB site Internet Movie Data Base, considerado a Bíblia do cinema americano, além de toda sorte de canalhice, tivemos a presença espontânea dos movimentos sociais.

Muitas dessas pessoas saíram da sala dizendo assim: “A luta de Marighella é a nossa luta! O legado que ele nos deixou é importante para nós. É fundamental abraçarmos esse filme, sobretudo nesse momento que passa o Brasil”. Fiz o filme com essa intenção mesmo, não apenas pela admiração por homens e mulheres que, naquele contexto da ditadura, resolveram fazer alguma coisa contra o regime opressor. Mas pelos que estão lutando agora – LGBT, indígenas, quilombolas, pretos, favelados, sem-terra, sem-teto... Se as pessoas estão vendo algo que as conecte às lutas delas hoje, eu já estarei feliz.

O guerrilheiro Carlos Marighella é interpretado pelo músico Seu Jorge. Bruno Gagliasso vive o antagonista, um delegado violento. Elenco conta também com Humberto Carrão, Adriana Esteves, Luiz Carlos Vasconcelos e Maria Marighella, neta do inimigo número 1 da ditadura.

Divulgação / N/A

O guerrilheiro Carlos Marighella é interpretado pelo músico Seu Jorge

O filme tem a sua importância histórica e política,mas é também uma obra de ação incessante, que me lembra muito o estilo de filmar dos irmãos belgas Dardenne, com câmera na mão e praticamente na nuca dos personagens.

Ótima coisa falar dos Dardenne, porque eles são os meus cineastas favoritos. Sou louco pelo cinema dos irmãos Dardenne. Gosto muito do jeito deles de filmar, com a câmera na mão. E gosto muito do jeito como olham as pessoas, a humanidade que enxergam nelas. Os personagens geralmente são muito jovens. No meu filme também. Marighella é um cara de 55, 57 anos, rodeado de garotos de 19, 20, 21 anos. O cinema dos Dardenne sempre foi uma referência para mim.

Eu dizia para a minha equipe: “Imagine se eles fossem dirigir um filme de ação, como seria?”.

É uma situação por demais hipotética, pois eles jamais dirigirão um filme de ação. Mas, se fizessem, seria uma loucura, com o foco nos personagens. Quando dirijo uma cena de ação, embora fique claro os elementos muito fortes do gênero, eu não quero filmar o espetáculo da ação que os americanos filmam. Como os irmãos Dardenne, eu quero saber o que está acontecendo com essas pessoas nesta hora, o que elas estão sentindo no momento do tiroteio ou numa sessão de tortura. No final das contas, acaba sendo mais violento ainda do que a estética da violência em si.

'Marighella' consegue trabalhar muito bem algumas linhas narrativas, como a relação entre pai e filho e a intervenção americana na perseguição ao protagonista, além da própria história de luta de Carlos Marighella. Como se deram essas escolhas?

O filme abre várias linhas, como a necessidade de se comunicar com as pessoas que os guerrilheiros tinham. Essa interdição... é curioso, começo a pensar nisso agora... o que o governo Bolsonaro tenta fazer com relação ao meu filme é uma repetição da interdição da vontade que as pessoas tinham de falar e não conseguiam, já que a imprensa estava amordaçada. Foram obrigados a tomar a Rádio Nacional para poderem se comunicar com o público.

Os donos do poder detêm os meios de comunicação. Voltando para os Dardenne – na verdade, para qualquer cinema mais humanista –, eu sempre digo que 'Marighella' é um filme de amor. Era o que importava para mim sempre. Embora tivesse em mente devolver ao imaginário popular a figura de Marighella, o único jeito que eu sei fazer isso, inclusive pela minha história como ator, é através dos personagens, que precisam ser complexos e ter uma história. Todos os personagens do meu filme têm uma história. A ideia da revolução e da luta contra a ditadura passa primeiramente pelas pessoas.

Eles não são guerrilheiros; são pessoas. Eu não tenho interesse em ver um filme em que os personagens são apenas vetores de um discurso. A compreensão do que era essa luta terrível e da existência de homens e mulheres que lutaram contra a ditadura tem como porta de entrada o indivíduo, cada um com a sua particularidade.

É curiosa a inclusão dos créditos iniciais explicativos sobre o que foi a ditadura militar no Brasil. Em outros tempos, talvez não fosse necessário. Mas hoje, como você tem alertado, as narrativas estão sendo deturpadas.

Ótimo você falar isso. Eu não queria ter aquilo no começo do meu filme. Queria que ele já começasse com a ação, mas eu precisei dar um contexto. Para mim, era muito clara a ideia do que foi a ditadura. Talvez seja uma coisa de geração. Depois que eu filmei e comecei a mostrar para as pessoas, eu me dei conta de que não. Sobretudo porque começou a haver algumas mudanças semânticas. Vi gente dizendo “movimento de 64” e outros falando que a ditadura não foi tão ruim assim. Uma coisa que era bastante óbvia para mim não era óbvia para a maioria das pessoas. E precisei adotar aqueleettering no começo. Ficou elegante, mas foi algo que entrou depois.

Como surgiu a sua admiração por Marighella, a ponto de motivá-lo a fazer filme justamente em sua estreia como diretor?

Eu era marighelista antes de pensar em fazer um filme sobre ele. Marighella é um personagem por quem sempre tive muita admiração. Foi um homem que entregou a sua vida aos valores com os quais me identifico e comungo, com a luta sempre ao lado dos trabalhadores, dos mais pobres e dos mais fracos, além da luta pelos direitos civis e pela democracia. Apesar de seus detratores dizerem que ele queria instalar uma ditadura do proletariado, Marighella era um democrata.

Os exibidores não estão tendo esse problema (de rejeição) com o filme. Eles entendem que é um filme com potencial de bilheteria. Podem ter a ideologia que tiverem, mas não são burros”, salienta Moura, que esperou dois anos para o longa ser lançado"

Se realmente você ler, tudo o que ele escreveu, na prisão e para revistas, ele sempre falava em democracia. Marighella gritou “Viva a democracia!” quando levou um tiro no cinema. Foi um homem que entregou a sua vida à essa luta. O filme nasce da minha admiração por ele. Não era um homem perfeito. Se fosse, seria muito chato e não iria querer fazer um filme. Minha vontade não vem só destas qualidades, mas de outras, como o senso de humor, a baianidade, o amor que ele tinha pela cultura, sendo ele mesmo um poeta. É um personagem por demais interessante e que foi amaldiçoado pela narrativa oficial.


Está no túmulo dele, escrito por Jorge Amado: “Retiro da maldição do silêncio o seu nome de baiano”. Uma coisa muito bonita. Marighella é um nome fundamental da história do Brasil. É um personagem tão forte que causava muito medo aos fascistas naquela época e que segue causando até hoje. Impressionante como o fantasma de Marighella morto faz esses caras cagarem nas calças até agora. Tanto é assim que tentaram interditar um filme sobre Marighella.

Leia mais:
'Ghostbusters - Muito Além' retoma atmosfera de humor e suspense dos filmes originais
Heróis da Marvel: 'Eternos' estreia nos cinemas

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por