Verde que te quero verde

Autor da trilha de Pantanal, Marcus Viana reforça amor à natureza em concerto inédito

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
17/10/2022 às 10:40.
Atualizado em 17/10/2022 às 14:38
“Concerto Acústico” será apresentado amanhã, às 12h, na série Sinfônica e Lírico ao Meio-Dia, com entrada gratuita, e na quarta-feira, às 20h30, no Sinfônica e Lírico em Concerto, com ingressos a R$ 30 (inteira). Ambas no Grande Teatro do Palácio das Artes (Paulo Lacerda/Divulgação)

“Concerto Acústico” será apresentado amanhã, às 12h, na série Sinfônica e Lírico ao Meio-Dia, com entrada gratuita, e na quarta-feira, às 20h30, no Sinfônica e Lírico em Concerto, com ingressos a R$ 30 (inteira). Ambas no Grande Teatro do Palácio das Artes (Paulo Lacerda/Divulgação)

Todos os dias, pontualmente às 18 horas, o músico e compositor mineiro Marcus Viana se vê diante de um espetáculo da Natureza. Morador do Condomínio Retiro das Pedras, em Nova Lima, ele tem uma casa localizada a 1.500 metros de altura, com uma vista invejável. Durante a pandemia, ao perceber que “estava todo mundo muito triste e carente de música”, o artista criou um projeto no Instagram, com vídeos ao vivo do pôr-do-sol embalados por músicas de sua autoria.

Próximo de lançar um DVD com “músicas gravadas no ato da criação e no nascimento da inspiração”, Viana viu uma de suas grandes obras ressurgir na TV este ano, com o remake de “Pantanal”, novela que abriu as portas para esse violinista, integrante do grupo Sagrado Coração da Terra, tornando-se um dos principais autores de trilhas sonoras para telenovelas. Elas estarão presentes, nesta terça e quarta, no concerto que realizará ao lado da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais e Coral Lírico de Minas Gerais. 

O repertório também contará com duas obras – que, apesar de inéditas, levam o compositor de volta ao passado – compostas há cerca de quatro décadas e que, durante a pandemia, ganharam a orques-tração do filho João Viana. “As coisas na vida são assim. Na hora que você olha, já passou um tempão”. A Natureza, assim como em “Pantanal” e nos vídeos para o Instagram, mais uma vez dá o tom.

Por que só agora, 40 anos depois, você está apresentando as peças “Montanhas” e “País dos Sonhos Verdes”?
As pessoas podem pensar que era uma obra menor, do início da carreira, e por isso não tinha apresentado antes. Na verdade, é o contrário. É uma música que eu tinha muito apreço por ela e achei que deveria dar um tempo, para não lançar junto com as minhas obras mais radi-ofônicas. “Montanhas” é obra pesada, com dez minutos. (Na época) Pensei em guardá-la para um momento melhor, mas com o advento da televisão na minha vida, todo o resto ficou em segundo plano. Fiquei compondo trilha para novela. Foi uma sequência de 15 anos trabalhando sem parar. Mas as coisas na vida são assim. Na hora que você olha, já passou um tempão.

A pandemia, de certa forma, ajudou-lhe a encontrar tempo para fazer esse “resgate”?
O tempo passou e eu perdi a única gravação ao vivo que eu tinha dessa música. Foi como ter perdido um tesouro. Essa gravação que mantinha a memória, pois as partituras eu não tinha mais. Eu não sei como certas coisas somem mesmo quando a gente guarda com cuidado. Como era uma obra grande, de uma reestruturação terrivelmente complexa, teve que acontecer uma loucura para a gente ter tempo de recriar. E qual foi a loucura que aconteceu? A pandemia. Estava com meu filho, que estudou música na universidade e aprendeu a orquestrar. Então, para nos ocuparmos, já que estávamos sem poder fazer shows, acabamos recriando essa obra juntos.

As peças abordam a questão da Natureza e a necessidade de preservação, temas que estão na ordem do dia?
É uma obra que será atemporal. Eu brinco que demorou 40 anos porque a gravidez de dragão é assim. A gestação de dragão é muito louca porque os dragões vivem muito. E se está saindo agora é porque é boa. Eu a chamo de uma cantata sinfônica. Por que cantata? Porque parece uma dessas músicas cantadas em igreja, mas com uma textura sinfônica, com uma baita de uma orquestra, numa relação densa com o coral, que conta uma história lírica sobre montanhas. Traz esse grande tema que trabalhei com o Sagrado Coração da Terra, sobre o futuro da humanidade. Eu achava, com segurança, que, há 40 anos, viveríamos um desafio ético, entre a posteridade e a prosperidade. O que eu vou deixar para os meus filhos é diferente da minha prosperidade, né? Hoje vemos essa luta entre os que querem proteger as florestas e os que acham que têm que arrancar porque há muito minério, que lá tem muito espaço para boi, que devemos nos encher de madeira, e que podemos desmatar. “Montanhas” fala da reunião dos bons, das tribos que irão lutar por uma nova terra. Basicamente é o roteiro de todas as letras do Sagrado Coração da Terra. Só que, no lugar de guitarra, baixo, bateria e teclado, eu estou fazendo com uma orquestra sinfônica, de forma totalmente acústica. Então, para mim, é uma tremenda novidade.

A apresentação também o levou de volta à Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, que teve você como um dos instrumentistas entre 1977 e 1984.
Isso é muito bonito, cara, porque é bom voltar para casa, né? Foi onde a minha carreira começou de verdade. Eu participava de festivais de música enquanto estudava Direito. Meu pai queria que eu fosse diplomata. Ele não queria que eu mexesse com música, não. Mas no momento em que comecei a mexer, a minha vida mudou. Em 1977, eu tinha acabado de terminar um grupo chamado Saecula Saeculorum, que foi o primeiro de rock progressivo em Belo Horizonte e que acabou dando origem ao Sagrado. A Fundação sempre me acolheu muito ali, meus projetos. Mas você vai dizer que os músicos não são mais os mesmos da época. Mas tem um lá, com o cabelo branquinho, que é da minha época. O nome dele é Cláudio e ele me falou que é o músico mais velho em atividade em orquestra no Brasil...

As pessoas confundem a projeção nacional de Sagrado Coração da Terra com a abertura da novela “Pantanal”. Mas, na verdade, a música “Flecha” já tinha sido tema de “Que Rei Sou Eu?”, da Globo.
Você foi no ponto, cara. Foi ali que tudo começou. Não foi com “Pantanal”. Não foi quando Jayme Monjardim, que estava assumindo a direção da novela, viu o show do Sagrado na Manchete. Na verdade, a gente estava fazendo aquele especial porque um grupo mineirinho furou a bolha. Na Globo, um cara lá descobriu o disco do Sagrado e adorou a música, colocando-a como o tema do herói de “Que Rei Sou Eu?”. Aí chamaram a gente para fazer o “Fantástico”. Ô novelinha boa aquela, muito engraçada. É uma coisa que a gente esquece, mas foi por causa dela que o Sagrado foi convidado para fazer um especial na Manchete. O Jayme me viu e disse “esse é o cara com quem eu quero trabalhar”. Ele me ligou e perguntou se eu poderia escrever um tango, porque a pessoa que estava fazendo a produção musical não estava dando o que ele queria. Era para uma cena de dança entre Raul Gazolla e Daniela Perez. Foi um sucesso. O Jayme falou que, na próxima novela, me queria ao lado dele. Seria “O Crime do Padre Amaro”, um livro triste, sobre um padre que engravida uma menina e ela se suicida. Só dá merda. Aí resolveram fazer uma ode à Natureza. Na época, ninguém produzia música para novela e entra um desconhecido para fazer a música de “Pantanal”. Ninguém esperava que ela iria arrebentar daquele jeito.

Os bastidores da escolha do tema de “Pantanal” é muito curioso, pois optaram por levar ao ar uma versão demo que você tinha feito.
Eles chamaram o Renato Teixeira, o Sérgio Reis e me pediram para mandar alguma coisa também. Aí eu lembrei que tinha uma música que servia para a abertura. Todo mundo tomando banho pelado lá no Pantanal e eu ouvindo o Jayme dizer que “precisava da música para mover o mundo; sem a música eu não tenho energia para criar”. Mas tenho que confessar: eu tinha uma fobia aérea, um medo de pegar aqueles teco-tecos. É algo que me arrependo, porque o Pantanal daquela época era diferente do Pantanal seco que vimos no remake. Quando aprovaram, não me falaram. Era o Milton Nascimento que eu queria que cantasse. Mas não foi, ficando com a minha voz, naquilo que a gente chama de “demo”, uma pré-produção. Depois eu fiz bacana, mas não gostaram não.

O uso de sua música na nova versão da novela lhe pegou de surpresa?
No remake, a Globo usou como um trailer. E o que ela quis fazer com isso? Ela ativou uma memória afetiva das pessoas. Fiquei nervoso, porque eles não me chamaram para eu participar da trilha ou falaram que iam usar a minha música. Depois ligaram para a minha editora. Respondi que autorizaria, dependendo do intérprete. Quando falaram que seria a Maria Bethânia, gostei. Ela é uma viga de uma construção muito bonita, né? Se fosse um Gustavo Lima, eu morreria. Graças a Deus que houve um bom senso. 

Voltando ao sucesso do primeiro “Pantanal”, as portas se abriram e você não parou mais de fazer trilha sonora, sempre ao lado de Monjardim.
Foi uma doideira atrás da outra. O que acontece geralmente? O diretor que faz uma novela espera anos para fazer outra, mas o Jayme chegou na Globo e foi chamado para dirigir “Chiquinha Gonzaga”. Sem esperar, começou a fazer “Terra Nostra”, enquanto preparava a minissérie “Aquarela do Brasil”. Enquanto esta passava na TV, o doido me chamou para outra novela das nove, “O Clone”. Depois veio ainda “A Casa das Sete Mulheres”. Era só sucesso de parar o pais. Mas aí, em “América”, trombamos num muro de concreto. As coisas todas têm um fim na vida, até o sucesso. Era uma novela muito populista e ele não queria seguir a linha da autora. Houve um choque e uma mudança na direção. Como sempre estive ligado ao Jayme, não permaneci na equipe. Depois fizemos outras, mas eram novelas das seis. Continuei neste mundo paralelo com ele. Foi um período pródigo, entre 1990 e 2005. Quinze anos em que chutava de qualquer lugar do campo e a bola sempre entrava. Isso é campo quântico. Às vezes, você se esforça e não marca gol, com tudo batendo na trave. Ninguém sabe explicar isso, mas é o fluxo da vida e eu tive o meu. Sou muito agradecido às pessoas que me escolheram para trabalhar porque, estando em Minas Gerais, é muita sorte isso ter acontecido.

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