Não foram poucas as vezes que Wallace Soares ouviu da família o conselho de “prestar concurso público para ser feliz”. Aos 39 anos, vindo de uma família humilde de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a história dele poderia ser igual a de outras milhares de pessoas que não puderam concretizar os sonhos, desistindo no meio do caminho.

Mas uma ligação de Portugal, em dezembro de 2020, mudou completamente a vida de Wallace e dos irmãos dele, Peterson e Weverson. Produtor dos Novos Baianos, Renato Freire ficou instigado pelo som do grupo Bistrô, após conferir a interação de internautas com a música “Vida”, e entrou em contato com o vocalista pelo Instagram.

O EP conta com as músicas “Minha preta”, “Menina dos Olhos Puxados”, “Hora de Partir”, “Te Amando Calado”, “Vou te namorar” e a versão de “Tatuagem”, de Chico Buarque

Do outro lado do Atlântico, Freire costurou o contato com a gravadora Sony, ainda no primeiro semestre de 2021. Menos de um ano depois, o grupo tem um EP lançado nas plataformas digitais, marcando o primeiro fruto da parceria com a multinacional. São sete músicas, incluindo uma versão de “Tatuagem”, de Chico Buarque.

Esse trajeto serviu para mostrar que nunca é tarde para começar. “Não imaginava que haveria essa possibilidade agora. Casei aos 23 anos, ganhei um violão do meu sogro e passei a cantar na igreja. Decidi tardiamente sobre minha vocação”, registra o vocalista, parte de uma realidade em que “a cultura nunca é incentivada”.

Com o amigo Leonardo Brito completando o time, todos próximos à casa dos 40 anos, o Bistrô está tirando proveito do sucesso tardio. “Já somos adultos. E isso é bom. Somos quem somos. Sabemos o que queremos e o que é relevante na vida, apesar de não termos o mesmo gás dos 20. Estamos preparados para os ‘sim’ e os ‘não’”, destaca.

Estimulado pelos discos que o irmão mais velho dos Soares ouvia em casa, o grupo nasceu em 2013 e passou um bom tempo tocando em barzinhos e festas. “Tocávamos sem muitas pretensões, até que resolvemos lançar um CD”, lembra. Uma das músicas, “Amado”, composta e cantada por Wallace, ganhou repercussão na internet.

Entre as centenas de comentários no canal do YouTube, havia uma mensagem carinhosa do filho de Djavan, o produtor Max. “Foi isso que nos deu fé no que estávamos fazendo”, ressalta.

Paixão pela gastronomia está na origem do nome

O nome Bistrô surgiu de uma característica muito particular dos integrantes da banda: a relação com a gastronomia. Três deles são chefs de cozinha, o que levou a uma espécie de ritual, com encontros em restaurante após cada ensaio, cenário que completava as trocas musicais.

Cada integrante tem um gosto musical diferente, que vai do soul music e da MPB ao pop rock, influências que cimentaram o estilo do Bistrô. “Essa base musical está no nosso sangue. Costumo dizer que não temos rótulos, mas influências”, explica o vocalista Wallace.

A mistura chamou a atenção de Renato Freire, além da grande interação com o público. O produtor não estava presente na audição especial para executivos da Sony, num estúdio de São Paulo. “Estávamos tensos, mas, na hora, sabíamos o que fazer”.

Numa época em que boa parte dos artistas lança seus trabalhos de forma independente, a parceria com a Sony é vista como uma forma de chegar a mais pessoas. Sem contar o “banho de loja” que receberam, de assessoria de comunicação ao figurino.

“Às vezes (essas interferências) incomodam, mas fazem parte do game. Não é só música. O meio artístico carrega um certo glamour”, opina. O contrato com a Sony é de dois anos e 48 músicas, com a gravadora tendo preferência na renovação.

No próximo lançamento do Bistrô, o repertório contará com uma música inédita de Moraes Moreira, cantor baiano que faleceu em abril de 2020. Ele foi membro dos Novos Baianos, grupo produzido por Renato Freire

Se a pandemia não mudar os planos do grupo, o Bistrô pretende cair na estrada a partir de abril. Alguns shows já foram marcados para São Paulo. Em Belo Horizonte, a “reestreia” deverá acontecer no Quintal do Chalé, no Buritis.

"Tatuagem” integra o repertório, escolhida após a Sony dar liberdade ao grupo para uma regravação. “Cantava a música do Chico de ouvido, num formato voz e violão. Achava que ele não liberaria, mas a gravadora ainda assim tentou e conseguiu”.

O contato com a canção de Chico surgiu após Wallace receber, em 2009,uma caixa completa de discos de um dos maiores nomes da MPB – um presente de aniversário proporcionado pela esposa. Em retribuição, ela faz a segunda voz na regravação.