CINEMA

Filme russo desaparecido de Dziga Vertov é recuperado e estreia após 100 anos

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
Publicado em 11/07/2022 às 06:58.
"A História da Guerra Civil" foi o segundo longa-metragem dirigido por Dziga Vertov (Divulgação)

"A História da Guerra Civil" foi o segundo longa-metragem dirigido por Dziga Vertov (Divulgação)

O interesse do pesquisador brasileiro Luís Felipe Labaki pelo cineasta Dziga Vertov o levou a escrever o mais completo livro sobre o cineasta russo, autor de “Um Homem com a Câmera” (1929), considerado um dos mais importantes documentários da história do cinema. Fluente em russo, foi ele quem apresentou, durante a Mostra de Cinema de Ouro Preto, no final de junho, o longa-metragem “A História da Guerra Civil”,  restaurado em 2021 um século após a sua realização.

A exibição na CineOP foi a segunda no país após o “É Tudo Verdade”, principal festival de documentários no Brasil, e trouxe muitas informações sobre os primórdios do cinema soviético. “Vertov era muito ressentido pelo fato de, nas comemorações e retrospectivas, não lembrarem desse período inicial. A Guerra Civil na Rússia foi muito filmada e não se falava dessa produção, como se o cinema soviético tivesse se iniciado com as ficções como ‘A Greve’, de (Serguei) Eisenstein”, registra.

Segundo longa de Vertov, “A História da Guerra Civil” foi o último trabalho do realizador antes de começar com suas famosas experiências cinematográficas, chamadas de “Cinema-olho”. O filme nunca chegou a estrear comercialmente, tendo sido produzido para o 3º Congresso da Internacional Comunista, ocorrida em junho de 1921, em Moscou. “Depois nunca mais circulou, deixando de existir. Por conter um material que era muito requisitado, ele foi sendo despedaçado”.

Já no final da década de 1920 não havia cópias inteiras do longa. O próprio Vertov, lembra o pesquisador brasileiro, procurou por ele para usar as imagens em um outro projeto, no começo dos anos de 1930, e não encontrou. “Na época, ele escreveu dizendo que não deveríamos tratar o nosso patrimônio daquela maneira. Já havia ali uma discussão, na Rússia, sobre como preservar filmes”, registra.

A obra restaurada por Nicolai Izvolov é, na verdade, uma reconstrução, “uma tentativa de refazer aquilo que Vertov tinha realizado em 1921; um trabalho bem complexo, pois não havia uma folha de montagem, com (descrição de) imagens e intertítulos. Havia quatro partes identificadas nos arquivos, mas não se sabia o que era o todo. Nicolai foi identificando algumas fontes que permitiram a ele entender o que faltava, fazendo isso com um grau de 95% de certeza”.

O restaurador só não conseguiu saber o quanto de imagens foi usado em um determinado plano. Nesse sentido, como Izvolov explica, “pode ser que alguma coisa da montagem autoral de Vertov tenha se perdido neste restauro, mas ele preferiu deixar os materiais na íntegra”. O cineasta tinha 20 anos quando estourou a guerra que gerou a criação da União Soviética. Era um poeta amador e músico e se engaja muito rapidamente na revolução que pôs fim à autocracia imperial.

“Em poucos meses já estava trabalhando no departamento de cinema, mesmo sem ter experiência prévia. Muitas pessoas que fizeram os filmes mais conhecidos do cinema soviético vinham de outras áreas – (Vsevolod) Pudovkin era químico, por exemplo. Era um momento em que as instituições estavam se formando ainda. Vertov começou como secretário do departamento e se engajou na produção do primeiro cinejornal produzido pelo governo, chamado ‘Cine Semana’, realizado em 1918 e 1919”.

Após estrear em longas com “O Aniversário da Revolução”, Vertov dirigiu “A História da Guerra Civil” como um fechamento deste primeiro ciclo de trabalho, “num tempo marcado pela guerra civil e por uma situação política, econômica e social muito instável. Ainda não havia a União Soviética, que foi criada em 1922. Não se sabia se o governo soviético iria sobreviver”, de acordo com Labaki. “O filme pega Vertov numa transição de linguagem”, analisa.

“A História da Guerra Civil” não carrega nas tintas em relação ao ideário comunista. “Não era um filme de propaganda, feito para ser exibido em muitos cinemas e engajar a população. Claro que é um filme de propaganda, de certa forma, mas não tem uma retórica ultra inflamada. Não é um poema revolucionário como ‘A Sexta Parte do Mundo’ (que Vertov lançaria em 1926). Ele é relativamente mais contido no tom do texto que aparece entre as imagens”, assinala Labaki.

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