A difícil arte do recomeço

Grupo Giramundo apresenta, na Praça Raul Soares, instalação baseada no povo bakongo

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
14/02/2022 às 09:05.
Atualizado em 14/02/2022 às 09:39
 (PATTY PENNA/DIVULGAÇÃO)

(PATTY PENNA/DIVULGAÇÃO)

Na Praça Vaz de Melo, na região da Lagoinha, em Belo Horizonte, só estão dois dos três peixes da instalação confeccionada em 1994 por Álvaro Apocalypse, criador do grupo de teatro de bonecos Giramundo. Feita para ilustrar o comércio de peixes no lugar, a convite da Prefeitura de Belo Horizonte, ela estampa hoje o abandono.

Apesar dessa deterioração ao ar livre, uma das poucas instalações urbanas germinadas pelo Giramundo em mais de cinco décadas de fundação serviu de inspiração para o neto Mário Apocalypse conceber “Gira de Novo”. A obra ocupará, a partir de hoje, a praça Raul Soares, dentro da programação do Circuito Urbano de Arte (Cura).

“Fomos convidados para fazermos uma atividade para comemorar os 50 anos do Giramundo. Num primeiro momento, não imaginava o que poderia ser. No lugar de decorar o lugar com bonecos que marcaram a nossa trajetória, tivemos a ideia de criar algo novo, relacionado com os temas dessa edição do Cura”, registra Mário.
Foi assim que, inspirado pela cosmograma bakongo, nome do primeiro povo africano escravizado no Brasil, a companhia concebeu uma instalação que retrata os ciclos do universo, os movimentos do sol e as fases da vida humana como símbolo de recomeço – uma das bandeiras do Cura nesse momento de enfrentamento da Covid-19.

Com quatro cabeças colocadas nos pontos cardeais da Raul Soares, ela representa “o retorno da vida cotidiana quando a pandemia acabar, com a volta às ruas”, de acordo com Mário Apocalypse. “São cabeças de crianças, cuja energia é representativa dos primeiros passos que serão dados para esse recomeço”.

Parte dessa ideia já vinha sendo desenvolvida pelo Giramundo nas pesquisas para um longa-metragem, ainda em processo de elaboração. “Foi quando nos aprofundamos nas raízes da nossa cultura, a partir dos bakongos. Do vocabulário ao gesto e à intenção de voz, muita coisa vem desse povo”, registra o idealizador.
Ao contrário da instalação da Lagoinha, essa não terá caráter permanente, permanecendo exposta até o dia 25. A obra dialogará com um segundo trabalho que chegará à praça na quinta, realizada pela multiartista Mag Magrela, com grafismos que refletem os tempos difíceis de pandemia.

Trupe prepara extensa exposição comemorativa dos 50 anos

O cinquentenário do Giramundo tem sido celebrado a conta-gotas, em meio à pandemia. O pioneiro grupo mineiro de bonecos, criado pelo casal Álvaro Apocalyse e Tereza Veloso, chegou aos 50 justamente no ano do início da transmissão de Covid-19.

Algumas atividades da programação comemorativa continuam de pé, enquanto a ausência dos palcos levou a companhia para outros caminhos. Em parceria com a Cemig, haverá uma exposição, prevista para abril, que envolverá o maior trabalho de inventário e digitalização de acervo já realizado pelo Giramundo.

O trabalho de levantamento levará em conta não apenas os bonecos e objetos cenográficos, mas também a documentação em vídeo de cenas marcantes dos espetáculos, além da preservação do acervo de processos e conhecimentos imateriais, por meio da experiência na arte da manipulação.

“Estamos catalogando todo material desde a estreia em 1975, o que inclui também as trilhas sonoras transformadas em arquivos recentes”, destaca Mário Apocalypse.

Em outra ponta está o envolvimento cada vez maior do grupo com o audiovisual, um desejo antigo do avó que finalmente está se concretizando. “O cinema sempre foi um sonho dele. Ele caminhou para o teatro de bonecos porque, na época, os recursos para cinema eram mais escassos”, afirma.

Durante o Mumia, festival de animação realizado em dezembro, em Belo Horizonte, a companhia lançou “O Pirotécnico Zacarias”, baseado no espetáculo homônimo e que mescla diversas linguagens. “Com a pandemia, fizemos esse projeto em cima da peça. Agora estamos fazendo algo específico para cinema”, adianta Mário. Na conta do audiovisual, ainda há um desenho animado já lançado, intitulado “As Partículas” e voltado para educação ambiental.

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