“Com Amor e Fúria” parte de uma situação consolidada, experimentada por um casal de meia idade que já passou por tudo na vida e que se encontra num momento de estabilidade, sem que nada aparentemente afete a relação. O filme, já em cartaz nos cinemas, se abre com uma extensa sequência em que Juliette Binoche e Vincent Lindon estão num lugar paradisíaco, dentro do mar, com demonstrações de felicidade mútua.
Essa cena é uma das chaves para compreender um filme que, lentamente, vai esgarçando as convicções, criando vários pontos de interrogação até terminar de uma forma muito aberta, recheado de reticências. Enquanto Sara e Jean estão isolados do mundo externo, nada parece macular as certezas em torno do amor deles. Ele tem que resolver um problema com um filho rebelde, mas essa questão vem à tona como uma distração.
Não há muita conexão entre os problemas que começam a surgir para o casal e o filho, um “mestiço” fruto da relação de Jean com uma imigrante da Martinica que nunca aparece na trama. Há sim um estranhamento, mais de como essa história se imbrica com os problemas de Jean e Sara do que seu entendimento propriamente. Por que uma história banal de um garoto com dificuldades sociais quer tanto cruzar o caminho da trama principal?
Não é uma resposta simples, mas provavelmente tem a ver com algo que escapa aos nossos sentidos e que só sabemos pertencer ao passado de Jean. É justamente uma informação do passado que reaparece repentinamente para mudar significativamente a rotina do casal de protagonistas. O presente, desta forma, vai recebendo menos importância à medida que a narrativa avança.
Dirigido com inteligência pela francesa Claire Denis, “Com Amor e Fúria” mostra que os sentimentos vividos, mesmo que tentamos afastá-los, nos acompanharão por toda a vida, moldando muitas de nossas decisões e atitudes. Nesse sentido, é difícil criar julgamentos sobre os novos fatos que são incorporados à história baseada no livro de Christine Angot. E o filme não facilita em nada a nossa tomada de posição.
Para Denis, o espectador não deve chegar ao final com uma resolução ou um pensamento seguro, porque essa é uma farsa que a só ficção nos impõe,que busca sempre criar um desfecho para o que vemos. Para a cineasta, desvincular-se do passado é tão falso quanto achar que, ao apagar as mensagens e contatos do celular, estaremos colocando um ponto final numa etapa e passando para outra.
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