Punk Bob Cuspe, personagem de Angeli, ganha as telonas

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
13/11/2021 às 10:49.
Atualizado em 05/12/2021 às 06:15
 (VITRINE/DIVULGAÇÃO)

(VITRINE/DIVULGAÇÃO)

Para muitos fãs, o cartunista Angeli é um masoquista ao “matar”, sem cerimônia, as suas grandes criações. Ao buscar novos desafios, não pensa duas vezes em encerrar o ciclo de personagens celebrados, como Rê Bordosa, em histórias bem-humoradas e trágicas. 

Não por acaso, um dos temas da animação “Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente”, em cartaz no Belas Artes, é justamente o autor de tirinhas às voltas com as próprias crises artísticas. Um mote que o diretor Cesar Cabral já havia esboçado no curta “Dossiê Rê Bordosa”, de 2008.

"Para não fazer uma extensão do curta, busquei trabalhar mais o Angeli. No primeiro, ficamos muito no ‘vamos investigar a morte da Rê Bordosa’, o que leva um autor a matar o seu personagem. Já no longa o nosso foco é a aproximação do autor diante de sua criação”, compara.

“Angeli está em crise e vai revisitar o trabalho dele. Como sempre faz, resolve expurgar esse passado colocando um fim em Bob Cuspe, o seu grande alter ego”, assinala Cabral, durante viagem de trem que o leva de Lisboa a Espinho, em Portugal, onde participa de festival de animação.

Bob, lembra o realizador, é um punk de periferia, mesma origem de Angeli, que “sempre deixou claro que essa formação faz parte do universo dele”. Cabral também vem da periferia de São Paulo e, devido a essa identificação geográfica, não esconde a preferência pelo personagem.

“No Bob, além desse universo do punk e da música, ele tem uma coisa mais próxima da gente, que é o ritmo urbano. Diferentemente da Rê Bordosa, que é uma personagem muito simples, o Bob abre outras possibilidades, a partir da postura do jovem diante do mundo”, destaca.

Jogar fora
Para Cabral, Angeli tem o seu “jeito punk” de enfrentar as coisas. Razão de o autor nunca se acomodar. “O fato de ele até matar os seus personagens tem a ver com essa postura, não se satisfazendo somente com o que está consagrado. Ele tem que jogar fora para dar um passo à frente”.

Do ponto de vista estético, frisa Cabral, os dois filmes baseados em Angeli também são bem diferentes, com “Dossiê Rê Bordosa” valendo-se mais do recurso da massinha. “A animação era mais simples, enquanto no longa a linguagem é mais realista, fugindo do formato clássico do cartum”, diferencia.

Diretor Cesar Cabral estuda possibilidade de fazer série com as Skrotinhas, criadas por Angeli 

Como em “Dossiê Rê Bordosa”, o longa-metragem protagonizado por Bob Cuspe tem uma forte pegada documental. “O filme tem um processo muito próximo de uma construção de roteiro de documentário, a partir de 30 horas de material que fizemos com Angeli”, registra Cabral.

O diretor destaca que, em alguns momentos, a produção lembra casos de uma equipe de documentário que, na busca de uma importante entrevista, não obtinha êxito. “Angeli não quer mostrar, não quer falar, que são coisas naturais no fazer de um documentário”.

Não faltam referências a outras obras do cinema, como a viagem psicodélica de “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (1968). “Reproduzimos o mesmo processo físico para stop motion, fazendo uma exposição de um minuto por frame para se criar aquela sensação de deformação”.

Outra fonte é “Bang Bang” (1971), produção de Andrea Tonacci filmada em Belo Horizonte. A semelhança está principalmente na discussão do protagonista com um motorista de táxi – papel que coube a Toninho Mendes, editor da revista “Chiclete com Banana” nos anos 80.

“Toninho foi quem juntou toda aquela galera do quadrinho paulistano daquela época, como Laerte, Glauco, Chico Caruso e o Angeli. A cena tem como objetivo dar o tom de que não vamos chegar a lugar nenhum, com a história pirando ao mostrar o que se passa na casa de Angeli”, explica.

Após três incursões pelo universo angeliano (há ainda uma série com Rê Bordosa), Cabral estava convicto de que a parceria “já tinha dado”. Mas recentemente o cartunista propôs uma série com as Skrotinhas, duas garotas que querem fazer programa com homens e são rejeitadas. 

“Falei que conversaríamos depois. São personagens muito apropriadas para abordar o mundo de hoje e iríamos reconstruir praticamente do zero, já que não há um universo tão vasto com elas. Mas tenho outros projetos que, na animação, me custarão anos de vida”, revela. 

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