ENTREVISTA - Gustavo Palhares

Empresa mineira abre as portas aos produtos à base de cannabis

Ease labs é a primeira indústria nacional a produzir produtos com canabidiol

Janaína Fonseca
Editora
Publicado em 15/08/2022 às 15:00.
Gustavo de Lima Palhares, CEO da empresa que deve lançar no mercado produtos que poderão ajudar quem sofre com epilepsia, ansiedade, insônia, depressão e dores crônicas (Lucas Prates)

Gustavo de Lima Palhares, CEO da empresa que deve lançar no mercado produtos que poderão ajudar quem sofre com epilepsia, ansiedade, insônia, depressão e dores crônicas (Lucas Prates)

Uma empresa mineira sediada em Belo Horizonte será a responsável por promover uma revolução na indústria farmacêutica nacional. A Ease Labs é pioneira na produção e comercialização de produtos à base de cannabis sativa para uso medicinal.

A empresa foi criada por dois jovens – um advogado e um empreendedor do mercado financeiro – que viram na aprovação do uso dessa substância pela Anvisa uma grande oportunidade de negócio e de ajudar pessoas que sofrem com problemas neurológicos, psiquiátricos e dores crônicas.

O Hoje em Dia conversou com Gustavo de Lima Palhares, CEO da empresa que deve lançar no mercado, ainda neste ano, produtos que poderão ajudar quem sofre com epilepsia, ansiedade, insônia, depressão e dores crônicas – males contra os quais os produtos à base de cannabis têm eficácia comprovada.

De olho nesse mercado de potencial gigante, os empresários compraram a Catedral, indústria farmoquímica mineira que irá ajudar a Ease Labs a dominar várias fases da cadeia produtiva.

Como e por que a Ease Labs foi criada?
Eu advoguei por 12 anos na área de fusões e aquisições e de estruturação de negócios. Em 2016, eu e meu sócio, o Guilherme, que empreendeu a vida inteira e atuava no mercado financeiro, estávamos na busca de um propósito pessoal, querendo participar de um negócio que tivesse um impacto positivo na vida das pessoas. Acho que a gente encontrou exatamente isso na Ease Labs.

Qual o grande desafio de trazer esses produtos à base de cannabis para a área da saúde?
A gente teve um desafio grande de estruturação. As substâncias da cannabis foram regulamentadas pela Anvisa como uma substância farmacêutica de controle especial, e isso exige diversos controles e uma infraestrutura muito bem preparada, uma equipe técnica muito bem preparada e um tempo de desenvolvimento do produto. Acredito que a gente já passou esse desafio. A Anvisa tem traçado um caminho regulatório muito importante, garantindo a segurança do paciente final. Por conta dessa visão e desse entendimento do ponto de vista regulatório, acho que a gente conseguiu fazer movimentos acertados de uma maneira rápida. Fizemos a aquisição da indústria farmacêutica atual nossa em 2019, que hoje é especializada em cannabis, no mesmo mês que saiu a aprovação da RDC 327. Hoje, do ponto de vista regulatório, está tudo muito bem consolidado para o setor farmacêutico.

O que está permitido pela Anvisa para que a indústria farmacêutica trabalhe com a cannabis?
A Anvisa, com a RDC 327, determinou regras claras para que seja feito o registro de produtos de cannabis. Ela criou a categoria dos produtos de cannabis e, para que esse registro seja concedido, a empresa precisa ter algumas certificações e comprovar que tem capacidade de entregar um produto de qualidade.

Como o paciente tem acesso a esses produtos?
O acesso hoje pode ser feito via importação, processo que tem um tempo de obtenção do produto um pouco alongado. E agora tem a possibilidade de estar nas farmácias, não na gôndola, mas atrás do balcão, mediante receita médica. A gente está nesse momento, como empresa, justamente fazendo essa virada de chave, saindo do modelo de importação – onde a gente fornecia os produtos por via de uma empresa estrangeira nossa – para nossa operação de produção própria e distribuição em farmácia ainda neste semestre.

“O ser humano, há séculos, extrai substâncias da natureza e transforma em aplicações medicinais. A gente está fazendo exatamente isso, com tecnologia, com comprovação de segurança e de eficácia”

Quais são os benefícios do produto à base de cannabis. Ele é usado para que tipo de tratamento?
A primeira coisa que tem que ficar clara é que não serve para tudo. Existem hoje estudos científicos muito avançados em relação à comprovação da eficácia de substâncias e de formulações específicas oriundas da cannabis. A nossa indústria desenvolveu formulações próprias, em que cada produto tem uma aplicação específica para um tipo de doença ou uma linha de doenças e de sintomas. Hoje é aplicada para questões neurológicas, psiquiátricas, dor e aí dentro da dor a gente entra também em tratamentos oncológicos, de dor oncológica, e inflamação pós-atividade esportiva.

Tem estudos que mostram que pode ser aplicado em outros problemas de saúde?
Com certeza. Hoje a gente fala muito do CBD (canabidiol), do THC (tetrahidrocanabinol). São as duas substâncias mais conhecidas, mas existem mais de cem substâncias oriundas da cannabis. E a cada dia tem mais estudos científicos comprovando a aplicação dessas outras substâncias. Então há um campo muito extenso para poder explorar.

A implantação da Ease Labs vai gerar impacto no preço de venda dos produtos no país?
Um dos principais problemas que a gente identificou quando entramos nesse mercado foi justamente a questão do preço. É uma barreira de crescimento desse mercado. Então, tendo isso como pilar essencial do nosso negócio, a gente construiu toda a nossa lógica operacional para que a gente consiga ter preços acessíveis e, consequentemente, ter um mercado maior. Nosso objetivo é chegar com um produto de 40% a 60% menor do que você vê hoje no mercado. E vamos ter diversos tipos de produtos, alguns mais acessíveis. É claro que o custo está muito relacionado com o tipo de tratamento e a condição do paciente. Mas a nossa proposta é reduzir drasticamente o valor.

A indicação tem que ser feita pelo médico. Como está a posição da classe médica com relação aos produtos de cannabis?
Um grande desafio que a gente tem é justamente trazer informação de qualidade para a classe médica. Estamos trabalhando intensamente nisso. Os médicos querem saber, eles querem obter o conhecimento. Muitos médicos ligados à psiquiatria e neurologia já ouviram falar, já sabem alguma coisa, mas querem saber mais, querem saber qual é a aplicação, qual é a posologia, como ministrar esse tratamento. Os produtos da cannabis têm uma aplicação mais personalizado, muito mais do que um medicamento sintético. Então, a classe médica é essencial para que a gente tenha um crescimento desse mercado. A gente está se propondo a entrar com um braço de educação médica, tentar trazer informação de qualidade, estudos científicos.

Vocês fizeram a aquisição da Catedral. Como isso agrega nos planos da Ease Labs?
Essa aquisição representa uma padronização na cadeia produtiva, que é algo extremamente importante para que a gente garanta realmente a eficácia cada vez maior dos nossos produtos. Também traz uma segurança na cadeia produtiva. Depender de uma cadeia de produção internacional é algo extremamente complexo. Cada vez que a gente traz mais processos para dentro do Brasil, mais controle a gente consegue ter e mais garantia de entrega do produto de maneira continuada. Isso representa também um aumento da margem pro grupo e que, consequentemente, vai dar mais flexibilidade para reduzir o custo do medicamento na ponta final. A Catedral é uma farmoquímica que realiza o processo anterior ao que a indústria farmacêutica realiza. Ela faz a produção do insumo, faz um processo de purificação anterior a Ease, então se encaixa muito bem na nossa cadeia produtiva. Além disso, é uma empresa que tem uma receita diversificada no setor de venda de insumos fitoterápicos, que é algo que a gente vê um potencial muito grande no Brasil. O curioso é que o Brasil é a maior biodiversidade do planeta e as empresas importam insumo fitoterápico. A gente aposta muito no crescimento desse mercado, de uma transição de tratamentos sintéticos para tratamentos mais naturais e mais alternativos.

O Brasil ainda não tem aprovação para plantio da cannabis com fim medicinal. Há um projeto no Congresso para mudar essa situação. Qual a importância de essa permissão acontecer?
Cada vez que a gente tiver a possibilidade de realizar mais processos da cadeia produtiva em solo brasileiro, melhor. Melhor pro paciente, porque vai ter um custo de produção reduzido; melhor para o cenário econômico, que é mais geração de emprego, é mais arrecadação para o governo. Então, é uma parcela da cadeia produtiva que a gente deixa para que outros países usufruam. Eu vejo com bons olhos a gente conseguir realizar todo o processo produtivo aqui no Brasil.

De onde vem a cannabis usada como matéria-prima na Ease Labs?
Um trabalho muito importante que a nossa equipe fez foi de fazer a qualificação de fornecedores adequados ao redor do mundo. É um mercado muito novo, poucas indústrias de produção de insumo ao redor do mundo têm uma qualidade e os padrões necessários de gestão de qualidade. Foi um trabalho muito grande e a gente conseguiu selecionar alguns fornecedores em Israel, na Itália, nos Estados Unidos e na Colômbia.

Existe alguma projeção de que vocês atuem em todas as fases da cadeia produtiva?
A Catedral é justamente um movimento nesse sentido. A parte mais importante nossa foi dominar a ponta da indústria farmacêutica, o que proporcionou que a gente desenvolvesse o nosso sistema de gestão da qualidade. Esse sistema começa a abraçar todas as outras cadeias do processo produtivo e a gente começa a verticalizar. Então, estamos fazendo o movimento para dominar todas essas etapas.

A gente tem no Brasil uma demanda reprimida pelos produtos à base de cannabis para uso medicinal?
Se observarmos os números de autorizações de importação nos últimos anos dá para ver que existe uma demanda reprimida. O processo de importação é doloroso para o paciente, leva bastante tempo e, mesmo assim, temos uma taxa altíssima de crescimento em relação a autorizações de importação e de prescrição médica. Além disso, o mercado da cannabis tem um crescimento da receita muito agressivo. O mercado dos EUA no ano passado foi de US$ 15 bilhões. Mercado que tem projeção para dobrar para os próximos cinco anos.

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