Ministra da Igualdade Racial

Anielle defende mudança em livros didáticos e oportunidade para negros

Agência Brasil
Publicado em 02/02/2023 às 09:41.
Grupo de trabalho com o MEC será criado para tratar do assunto (José Cruz/Agência Brasil)

Grupo de trabalho com o MEC será criado para tratar do assunto (José Cruz/Agência Brasil)

A criação de um banco de currículos para profissionais negros e a indicação de alguns desses nomes para trabalhar no governo federal tem uma motivação pessoal para a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.

“Podemos mostrar para o país inteiro o quanto as pessoas negras têm se preparado e são preparadas para adentrar em espaços que historicamente nos negam e dizem que não devemos entrar ou não nos pertence”, destaca.

Jornalista de formação, ela conta que já foi excluída de algumas vagas por ser negra.

A criação de um banco de currículos para profissionais negros e a indicação de alguns desses nomes para trabalhar no governo federal tem uma motivação pessoal para a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.

“Podemos mostrar para o país inteiro o quanto as pessoas negras têm se preparado e são preparadas para adentrar em espaços que historicamente nos negam e dizem que não devemos entrar ou não nos pertence”, destaca.

Jornalista de formação, ela conta que já foi excluída de algumas vagas por ser negra.

“Essa iniciativa é importante para mim, principalmente por ser jornalista, por ter estado do outro lado e me terem me negado a possibilidade de ser âncora [apresentadora de TV], trabalhar como jornalista, por dizerem que eu não tinha rosto [adequado] para aquilo”, afirma a ministra em entrevista exclusiva à Agência Brasil.

Despachando na Esplanada dos Ministérios desde o início de janeiro, Anielle tem trabalhado para conscientizar a sociedade sobre a importância de uma educação antirracista. Fruto da política de cotas no ensino superior, ela adiantou, durante a entrevista, a criação de um grupo de trabalho junto com o Ministério da Educação (MEC) para pensar em mudanças no material didático. “As crianças negras não se encontram no livro didático, ele não tem representatividade.”

A falta de orçamento para construção de políticas públicas de igualdade racial, uma das consequências do abandono da temática pelo governo anterior, é outro tema que preocupa a ministra.

“Chegamos a ter um orçamento de R$ 77 milhões e agora a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial [Seppir] vai virar um ministério com orçamento previsto [ao final da gestão de Jair Bolsonaro] de R$ 4 milhões”, destaca.

“Se conseguirmos atingir 50% do orçamento que tínhamos em 2003, já estaremos dando passos importantes”, afirma Anielle.

A violência contra a população negra também é uma das principais frentes de trabalho da ministra, que teve sua irmã, a vereadora Marielle Franco, brutalmente assassinada. Até hoje, o caso permanece sem punição e sem informação sobre os mandantes do crime. 

Mãe de duas meninas, Anielle Franco é uma das fundadoras e ex-diretora-executiva do Instituto Marielle Franco. Nascida na comunidade da Maré, na zona norte do Rio, a ministra é formada em Inglês pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em jornalismo pela Universidade Central da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, e é mestre em Relações Étnico-Raciais pelo Cefet/RJ.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista de Anielle Franco:

O que a senhora entende por igualdade racial? Por que precisamos discutir o equilíbrio entre as raças no país?
Essa é uma pergunta muito complexa, porém simples de responder. Para mim, igualdade racial é as pessoas terem uma vida digna em qualquer lugar do mundo e é o que a gente não tem ainda no Brasil, para além das pessoas que pensam contrário e para além daqueles que nos tratam de maneira diferente em relação às oportunidades. Igualdade racial, para mim, é a gente não estar falando sempre de racismo. Não estar falando sempre sobre um jovem negro que foi morto a cada 23 minutos no Brasil, não ter que entregar currículos e explicar o quanto nós, pessoas negras, somos qualificadas para estar em vários lugares. Então, para mim, igualdade racial seria termos direitos iguais, salários iguais, oportunidades iguais – o que não há no país.

Uma iniciativa do Ministério da Igualdade Racial recebeu 5.347 currículos de profissionais negros. Destes, 41 já foram encaminhados ao presidente da Embratur, Marcelo Freixo. Por que essa iniciativa foi criada e como tem sido esse processo?
[A iniciativa] foi criada por vários motivos. Entre eles, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governo federal restauram o Ministério da Igualdade Racial, muitas pessoas se disponibilizaram a vir trabalhar conosco. Esse é o primeiro ponto. Começamos a perceber que muitas pessoas tinham diversas qualificações, formações e estavam sempre se colocando à disposição [para trabalhar no governo]. Um dos nossos assessores especiais teve a ideia de criarmos um banco de currículos. Dentro dos mais de 5 mil currículos, temos diversas áreas e podemos mostrar para o país inteiro o quanto as pessoas negras têm se preparado e são preparadas para adentrar em espaços que historicamente nos negam e dizem que não devemos entrar ou não nos pertence. O Marcelo Freixo, especificamente por ser [presidente] da Embratur, solicitou currículos da área de turismo.

No dia anterior, recebemos a Antra - Associação Nacional de Travestis e Transexuais – e elas nos confidenciaram que quando há esse tipo de situação, em que se preenche documentos de modo geral, pessoas trans e travestis se sentem acuadas, ficam com vergonha, não gostam de se posicionar por medo de não terem vagas. Há todo um preconceito que vem por trás desse sentimento. [A Antra] nos pediu que fizéssemos um banco de dados específico para pessoas trans e assim nós fizemos, em parceria com elas, um formulário. Também teve a iniciativa do Elas no Orçamento, que entregamos para a ministra [do Planejamento] Simone Tebet. Eu tenho muita vontade de continuar fazendo isso porque sempre me perguntam [sobre sugestão de nomes de pessoas negras para vagas de trabalho]. Essa iniciativa é importante para mim, principalmente por ser jornalista, por ter estado do outro lado e me terem sido negado ser âncora, trabalhar como jornalista por dizerem que eu não tinha rosto [adequado] para aquilo, mas também iniciar esse letramento racial para entenderem que as pessoas estão qualificadas e têm condições de sobra de ficar.

Existe a possibilidade de fazer o banco de dados para outros grupos, como quilombolas, indígenas?
Estamos trabalhando sob demanda. Quando as pessoas nos perguntam [sobre indicações], fazemos o filtro e se não tiver [aquele perfil], a gente reabre. Nós já fechamos esse primeiro formulário porque já tinha atingido o número máximo, a gente pensou que ia ter até menos inscritos. Estamos agora filtrando os perfis para reabrir em breve para podermos ir acumulando, quanto mais currículo tivermos para direcionar para pessoas em lugares específicos, para gente melhor. É uma ação concreta e contínua. Vamos continuar atualizando, tem muita gente pedindo [indicações] e não queremos parar, pois como são diversas áreas, estaremos sempre com uma “carta na manga” para podermos passar para essas pessoas que pedirem.

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