Prefeito de Brumadinho diz que indenização a condomínios de luxo é forma de punir a Vale

Daniele Franco
27/03/2019 às 17:43.
Atualizado em 05/09/2021 às 17:59
 (Divulgação/Retiro das Pedras)

(Divulgação/Retiro das Pedras)

"Se eles não receberem, o dinheiro fica com a Vale", disse o prefeito de Brumadinho, Avimar de Melo, conhecido como Neném da Asa (PV), sobre o recebimento de indenizações pagas pela empresa a moradores de condomínios fechados no município. A polêmica sobre a ação começou nesta quarta-feira (27), após uma publicação na coluna da jornalista Míriam Leitão, da Globo, apontar o pagamento dos valores a pessoas que, em teoria, não precisam do dinheiro para reparar perdas sofridas no rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão, em janeiro deste ano.

Ao Hoje em Dia, o prefeito Neném da Asa contou que está fazendo um apelo a todos os moradores que se cadastrem e aceitem o recebimento da indenização, independente da condição financeira. "Quem não precisar do dinheiro, eu convido a doar a quantia a uma instituição de caridade, à nossa Apae e ao nosso asilo, por exemplo. A prefeitura também é responsável pela manutenção delas e a nossa situação no momento é de crise financeira", pediu. 

Entre os condomínios beneficiados, estão o Retiro do Chalé e o Retiro das Pedras, este abrigando casas de personalidades como o ex-prefeito de Belo Horizonte Márcio Lacerda, e Andrea Neves, irmã do deputado federal Aécio Neves. A Vale confirmou que os moradores dos locais têm direito ao benefício assim como toda a população que comprove que residia na cidade no dia 25 de janeiro de 2019, quando a barragem se rompeu.

De acordo com a mineradora, a decisão foi tomada em fevereiro durante uma audiência que reuniu representantes da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais (AGE), dos ministérios públicos Federal (MPF) e de Minas Gerais (MPMG), das Defensorias Públicas do Estado e da União e da Advocacia-Geral da União (AGU). Na ocasião, os entes decidiram por indenizar os moradores baseados nos critérios geográficos, o que definiu os limites do município como uma das referências.

Para o chefe do Executivo municipal, aceitar a indenização deve ser visto como um efeito de punição à Vale. "A Vale cometeu um crime muito grande, causou muito dano ao município. Para quem não precisa do valor, é uma oportunidade de, além de punir a empresa, ajudar quem precisa", declarou.

Procurado, o condomínio Retiro das Pedras divulgou uma nota à imprensa na qual afirma não possuir qualquer responsabilidade relacionada aos acordos de pagamento de indenizações e não concordar com qualquer indicação de que está recebendo privilégios no lugar de outras pessoas. "Esclarecemos ainda que, como dito pelo prefeito na ocasião, a eventual indenização vinda da Vale é exclusiva e pessoal ao habitante de Brumadinho que deseje receber, inclusive aos moradores dos condomínios que fazem parte do município", diz trecho da nota.

Aspecto legal

O procurador da Advocacia Geral da União (AGU) Marcelo Kokke, que esteve na audiência que definiu a dinâmica das indenizações, enxerga como um problema a interpretação que vem sendo dada ao pagamento dos auxílios, na qual ele considera que a exceção está sendo vista como a regra. De acordo com ele, não se pode aplicar no caso de Brumadinho a lógica de processos de dano individual, como o de um acidente de trânsito, por exemplo. "Quando se trata de um desastre dessa magnitude precisamos inverter a lógica da presunção, ou seja, todos na área definida são considerados atingidos para que sejam tomadas medidas emergenciais. Essa postura é adotada para lidar com a própria sobrevivência de uma cidade", explicou.

Kokke ainda afirmou que as consequências de uma tragédia como o rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão atingem uma magnitude indeterminada de pessoas, e é daí que os órgãos responsáveis por definir as punições aos responsáveis partem. Segundo ele, se for o caso, caberá à Vale provar se a empresa vier a entender que alguém não foi atingido e não é passível de indenização. "Não há tempo para uma apuração de danos individual para ressarcir algo emergencial, isso gera uma letargia que acaba sendo um novo dano para quem foi atingido e não podemos deixar que ocorra esse processo de revitimização".

Sobre o apelo do prefeito de Brumadinho para que todos aceitem a indenização, o procurador afirmou que a interpretação da AGU é de que cabe a cada um dissociar o que entende como moral, preceito que vai determinar a postura individual em relação ao que é devido pela Vale, seja a de recusar, aceitar ou de doar o dinheiro.

"Nesse caso, sentimos que muitas vezes há uma visão que pensa no indivíduo isolado, mas é preciso entender que as normas não são feitas para cada um individualmente. O mais importante é dissociar a imagem que as pessoas têm de dano isolado das medidas adotadas em situações de desastres, pois se não aplicarmos a ótica da magnitude do dano, corremos o risco de cometer injustiças ainda maiores", finalizou.

Beneficiários

Em Brumadinho, o prefeito estima que cerca de 40 mil pessoas - número aproximado de habitantes da cidade - receba a indenização, que consiste no pagamento de um salário mínimo pelo período de um ano a todos os adultos que residiam no município no dia da tragédia. A outra parcela de indenizações será paga a pessoas que residiam, no dia 25 de janeiro, a uma distância de 1 quilômetro da calha do rio Paraopeba entre Brumadinho e o município de Pompéu, na região Central de Minas, onde está localizada a Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo.

As inscrições para o recebimento do dinheiro começaram na última segunda-feira (25) para a área entre os bairros Alberto Flores e Pires, em Brumadinho, e, de acordo com a Vale, até o momento, cerca de 1300 pessoas do Parque da Cachoeira e do Córrego do Feijão fizeram o cadastro. Outras datas ainda estão marcadas para moradores das demais localidades, tanto em Brumadinho quanto nas cidades à margem da área determinada no rio Paraopeba. A Vale afirmou que não há como precisar o número de pessoas a serem indenizadas, mas o prefeito Neném da Asa estima que, ao todo, cerca de 102 mil pessoas sejam beneficiadas pela indenização.

Confira as datas e locais para o cadastro:

27/3: Brumadinho - Regiões de Capão Redondo, Jangada, Casa Branca, Retiro das Pedras (Endereço do PRI: Avenida Piedade Paraopeba, 1902, Bairro Casa Branca);
3/4 : Município de São Joaquim das Bicas - Centro (Endereço do PRI: Rua José Gabriel de Rezende, 220)
3/4 : Município de São Joaquim das Bicas - Primavera (Endereço do PRI: Rua Tarcilo Teotônio, 200, Lj. A e B)
3/4 : Município de Mário Campos (Endereço do PRI: Avenida Governador Magalhães Pinto, 388, Lj. 05 e 06B, Centro)
10/4: Brumadinho – Sede – Centro/ São Sebastião (Endereço do PRI: R. José da Silva Fernandes, 105, Lj. 02, Bairro Lourdes)
10/4: Brumadinho – Sede – Progresso/ Presidente/ Grajaí (Endereço do PRI: Via Coletora, 439, Bairro Progresso)
10/4: Brumadinho – Sede – Planalto (Endereço do PRI: Rua Presidente Vargas, 1429, Bairro Planalto)
17/4: Brumadinho – Distrito de Conceição do Itaguá – José de Sales Barbosa/ São Judas Tadeu (Endereço do PRI: Rua Caetano José dos Santos,
545, Subsolo, Bairro Dom Bosco)
17/4: Brumadinho – Distrito de Conceição do Itaguá – Retiro de Brumado (Endereço do PRI: Rua Um, 18, Bairro Retiro de Brumado)
17/4: Brumadinho – Distrito de Aranha (Endereço do PRI: Praça Padre Agostinho, 54 - Salão da Paróquia, Bairro Aranha)
17/4: Municípios de Betim e Joatuba – A ser divulgado.
24/4: Brumadinho – Distrito de São José do Paraopeba (Endereço do PRI: Rua Joaquim Augusto Rodrigues, 934 - Salão da Paróquia)
24/4: Brumadinho – Distrito de Piedade do Paraopeba (Endereço do PRI: Praça da Matriz, S/N - Casa Paroquial)
29/4: Demais municípios (Igarapé, Esmeraldas, Florestal, Pará de Minas, São José da Varginha, Fortuna de Minas, Pequi, Maravilhas, Papagaios, Paraopeba, Curvelo e Pompéu). Haverá uma itinerância com posto móvel nesses municípios.

Crise

Um dos motivos que, de acordo com o prefeito de Brumadinho, o leva a pedir que toda a população aceite a indenização da Vale é a crise pela qual o município passa desde a tragédia. Segundo Neném da Asa, a prefeitura tem enfrentado dificuldades financeiras por uma série de motivos, entre eles a falta de repasses do governo do Estado ao município. "Quando a tragédia aconteceu, o governador [Romeu Zema (Novo)] veio aqui e prometeu perante até mesmo à imprensa que adiantaria o repasse devido a Brumadinho por causa do rompimento, mas até agora ainda não recebemos nada", afirmou.

A assessoria do governo foi procurada para comentar a declaração do prefeito e afirmou, em nota, que está em negociação com a Associação Mineira de Municípios (AMM) para pagar a dívida com as prefeituras  referentes aos repasses constitucionais. O Executivo estadual deve, atualmente, mais de R$ 13 bilhões aos municípios mineiros, dos quais R$ 12,3 bilhões são dívidas da administração do ex-governador Fernando Pimentel (PT).

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