Lei da Guarda Compartilhada completa sete anos de avanços para a relação familiar

Raquel Gontijo e Clara Mariz
portal@hojeemdia.com.br
21/12/2021 às 18:26.
Atualizado em 29/12/2021 às 00:35
 (Reprodução/ Internet)

(Reprodução/ Internet)

"Já passamos da época em que a mulher tinha que destruir a vida profissional e amorosa porque agora é mãe. Nós conseguimos ser tudo ao mesmo tempo se as responsabilidades forem divididas igualmente". O depoimento é de Flávia Dias Ladeira, de 39 anos, e se refere a um dos pontos importantes trazidos após a criação da Lei da Guarda Compartilhada  (Lei 13.058/2014), que completa sete anos nesta quarta-feira (22).

Diferentemente da guarda unilateral, em que apenas um dos pais possui a guarda do filho, o modelo divide, de forma mais igualitária, a criação e a rotina do herdeiro entre os dois genitores. E todo mundo, em especial a criança, sai ganhando. 

Flávia é mãe de Júlia, de 9 anos, e há três anos compartilha com o pai da menina, Felipe Delfim, 40, os momentos da filha - sob tetos diferentes. De acordo com a lei, na guarda compartilhada os responsáveis pela criança devem dividir não só o tempo, mas, também, as responsabilidades.

Para a gerente de produto, esse modelo, além de ser essencial para criação de um vínculo maior com os pais, também é importante para que os responsáveis tenham tempo livre para cuidar deles mesmos e reconstruir suas vidas afetivas. Ela lembra que, em muitos casos de guarda unilateral, é a mãe quem fica a maior parte do tempo com a criança.

“Quando isso (divisão de tarefas) não acontece, mais uma vez temos uma mulher oprimindo o seu lado mulher para se encaixar na sociedade; ela para de se ver como um ser ativo dentro da sociedade quando precisa ser mais ativa dentro do lar. Com a divisão igual de deveres, nós dois podemos ter a mesma atividade social”, explica.

Para Felipe, os momentos em que passa com sua filha têm mais qualidade do que quando compartilhava a casa com Flávia. “Como não estou com a Júlia a todo tempo, acho que o tempo em que estamos juntos tem mais qualidade agora do que antes. Não tem mais aquilo de 'bola dividida' quando o assunto é ser responsável por ela. Quando minha filha está comigo, eu assumo total responsabilidade".

Na opinião do analista de sistemas, esse modelo de tutela traz boas experiências para a família inteira, já que a filha possui experiências “de verdade” do que é passar os dias com o pai. “Tenho uma experiência de pai completa, não apenas aquele que se diverte com o filho de 15 em 15 dias. Júlia faz parte da minha rotina”, afirma.

Desde a separação do casal, a menina fica a cada dois dias na casa de um responsável. Por a filha ser muito nova, assim que decidiram pela guarda compartilhada, os pais a levaram a um psicólogo para que ela pudesse ter acompanhamento profissional nesse momento de adaptação que, para alguns, pode ser complicado. A menina encarou a separação e a nova rotina de ter duas casas com tranquilidade e diz que gosta de dividir o tempo com o pai e a mãe, tirando de letra a situação.  “Só uma vez acordei achando que estava na casa da minha mãe, mas era na casa do meu pai”, conta, com graça, Júlia. 

Na modalidade de guarda compartilhada, a criança deve ter todo o amparo nas duas casas. Com isso, tudo é em dobro, como roupas, objetos de higiene, brinquedos, livros. Felipe afirma que essa distinção de objetos ajudou a filha a entender que nos dois lares encontrará tudo o que precisa. “Ela tem que ter tudo duplicado, ela realmente tem duas casas. Não faz sentido ela levar uma mala para vir para a minha casa ou para a casa da mãe”. 

Quebra de paradigmas

Para muita gente, a lei trouxe uma quebra de paradigmas, uma conquista para as famílias e é uma aliada contra a alienação parental. Para o advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Rodrigo da Cunha Pereira, a lei foi um grande avanço. 

Ele explica que um dos principais benefícios deste modelo de tutela é a referência de residências alternadas para a criança, questão que foi evidenciada durante a pandemia de Covid-19. Neste modelo de tutela, educação, lazer, saúde e outros deveres não ficam sob a responsabilidade de apenas um dos pais, o que, na maior parte dos casos, é a solução ideal tanto para os genitores quanto para os filhos.

“Quebra uma estrutura de poder. Estudos europeus comprovam que a guarda compartilhada tem melhores resultados que a guarda unilateral”, explica.

Além disso, para ele, a lei funciona como um antídoto contra o afastamento de pais. "A guarda compartilhada dificulta isso. É um fator que funciona muito bem contra a alienação parental”, disse.

Alienação Parental

A psicóloga clínica Bárbara Neto explica que a alienação parental é uma síndrome resultante das ações de um dos pais ou até mesmo de parentes próximos. Supervisora de psicólogos que atendem filhos de pais separados, ela conta que, nesses casos, as crianças apresentam uma rejeição injustificada com a separação, ou seja, a criança não tem um motivo concreto para interromper o afeto com o genitor.

“Nós, da psicologia, entendemos que o casamento e o casal 'acabam'. Mas a paternidade e a maternidade, não. A criança continua participando de forma igual da vida dos dois”, afirma. Segundo ela, neste modelo de tutela, a vantagem principal é que a criança não sente que está sendo “jogada” pros pais, ou que a relação com o genitor é uma obrigação imposta pela legislação.

Juízes resistentes

No entanto, apesar de trazer tantos benefícios para as famílias e representar um grande avanço para a igualdade entre os gêneros, o modelo ainda encontra resistência no Brasil.

O presidente do IBDFAM explica que, por uma questão cultural e estrutural, muitos juízes são reticentes quanto à aplicação da lei. “Avançou muito, é uma discussão que vem sendo quebrada. As pessoas entenderam que esse modelo, essa rotina de sentir que tem as duas residências, faz bem para a criança. Mas precisa avançar mais”, alertou.

O Hoje em Dia conversou com a Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis), que respondeu que não tem nenhum posicionamento em relação à fala do presidente nacional do IBDFAM. O Hoje em Dia também entrou em contato com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.

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