Pelo menos 16 mulheres são vítimas de violência doméstica por hora em Minas; 64 morreram este ano

Juliana Baeta
16/07/2019 às 18:28.
Atualizado em 05/09/2021 às 19:34
 (Fernando Frazão/Agência Brasil)

(Fernando Frazão/Agência Brasil)

Na próxima hora, 16 mulheres serão vítimas de violência doméstica em Minas Gerais. Os dados da Polícia Civil mostram que, somente nos seis primeiros meses deste ano, 405 mulheres foram agredidas por dia no Estado, resultando em 73.457 mulheres vítimas de violência motivada por gênero de janeiro a junho. 

Mas, este número ainda pode estar muito abaixo da quantidade real de vítimas, uma vez que nem todas as mulheres denunciam formalmente seus agressores à polícia. Os motivos para isso são inúmeros, como explica a delegada Luísa de Oliveira Drumond, da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher. 

"A subnotificação deste tipo de crime é um problema. Entre os principais motivos para as vítimas não denunciarem estão o medo de as ameaças se concretizarem, de a situação piorar, de perder a guarda dos filhos. Precisamos lembrar também que muitas destas mulheres dependem financeiramente de seus agressores. É muito diferente você denunciar um desconhecido que furtou o seu celular, por exemplo, e denunciar o pai do seu filho, alguém que você ama, que você tem afeto", explica. 

Além disso, segundo a delegada, a questão cultural ainda é um empecilho para as denúncias. "A maioria dos crimes de violência doméstica acontece sem a presença de testemunhas, entre quatro paredes, no lar. As mulheres acabam ficando com medo de não receberem atenção ao denunciarem, imaginam que serão desacreditadas, porque a nossa cultura ainda culpa muito a vítima. Temos a tendencia de questionar o comportamento da vítima ao invés de questionar o comportamento do agressor", conta.

Vale lembrar que a Lei Maria da Penha estabelece como violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Mas algumas mulheres demoram a perceber que os abusos psicológicos ou mesmo relações sexuais forçadas dentro do casamento também constituem violência doméstica.  

"As violências são plurais. Um exemplo que acontece muito é a intimidação para manter o ato sexual quando a vítima claramente não está interessada. É quando o parceiro começa a falar, por exemplo, que o que ele não tem dentro de casa ele vai ter que arrumar na rua, e quando ele passa a tecer comentários que vão minando a autoestima da mulher", explica a delegada. 

Esse tipo de comportamento também vai culminando no afastamento da vítima de seus amigos, familiares e outros vínculos, causando o seu isolamento. "O que é outra forma de violência contra a mulher. Até porque, com ela afastada das pessoas de sua confiança, vai ficando cada vez mais calada e sem ter com quem falar sobre os abusos e a violência", pontua. 

Feminicídio

No primeiro semestre de 2019, 64 mulheres morreram nas mãos de seus companheiros em Minas Gerais e outras 104 escaparam por pouco da morte. No último domingo (14) um feminicídio ocorrido em Lavras, no Sul de Minas, chamou a atenção. O marido de Irene Aparecida Borges, de 52 anos, a assassinou com golpes de um banco de madeira e facadas por não aceitar que ela sustentava a casa sozinha, já que ele havia perdido o emprego recentemente. 

O crime bárbaro foi cometido na residência do casal, que estava junto há cerca de 17 anos. A pesquisadora do departamento de Comunicação Social da UFMG, que estuda as relações entre a comunicação e a violência contra a mulher, Bárbara Caldeira, mostra como este caso explicita as relações de poder que permeiam a violência de gênero. 

"A gente não consegue conceber o contrário, a ideia de que a mulher mate o seu marido porque ele está sustentando ela. Quando a gente inverte a situação, a gente percebe o absurdo disso e a relação de gênero fica bem demarcada".   

Ela ainda aponta para a chamada masculinidade tóxica que envolve estes crimes. "São vários casos em que a justificativa é o ciúme, o que indica que a mulher ainda é tida como objeto de posse do homem. Mas a gente nunca ou quase nunca vê noticias de que mulheres mataram o parceiro após o término da relação".

O fato de o homem não aceitar que a mulher sustente a casa ou tenha uma independência financeira é outro traço de como a masculinidade foi construída culturalmente de maneira nociva a ambos os gêneros.

"Este mesmo caso aponta para outro aspecto dessa masculinidade tóxica: a ideia de que homens são criados para serem os provedores, que eles precisam sustentar a família e que o valor deles está medido pela capacidade de prover o lar. E o próprio cerceamento da possibilidade da mulher trabalhar e ter uma renda é também uma marca de violência, a violência financeira ou patrimonial. As vezes, mulheres permanecem em reações abusivas por falta de condições materiais de saírem delas", conclui.  

Ciclo de violência

A delegada Luísa Drumond lembra que as relações abusivas, geralmente, são permeadas por ciclos de violência, onde na primeira fase há as tensões, depois as explosões de raiva, onde o homem geralmente agride verbal ou fisicamente a mulher, e a terceira fase, chamada lua de mel, onde o agressor pede desculpas, se arrepende e diz que vai mudar.

"Este ciclo se repete novamente e diversas vezes. E as agressões vão ficando cada vez mais graves e mais frequentes, em intervalos de tempo menores. Daí a importância de se romper estes ciclos o quanto antes. Grande parte dos casos de agressão física que chegam à delegacia, por exemplo, são casos onde já aconteceram agressões verbais, morais ou de outras formas anteriormente. Ou seja, os sinais de violência já apareceram antes das marcas na pele", diz.

Para ela, é importante, inclusive, educar os filhos sobre a igualdade de gênero para se romper com estes ciclos de violência contra a mulher de forma definitiva e ampliada. "A violência contra a mulher é cultural, homens dizem que viam seus pais batendo em suas mães quando eram pequenos, esta relação de violência está enraizada. Por isso é muito importante que mulheres e homens se conscientizem sobre isso para criarem seu filhos sem essa violência cultural e melhorar as próximas gerações, buscando uma sociedade mais igualitária e justa pra todo mundo", conclui. 

Como denunciar

Para denunciar casos de violência contra a mulher em qualquer lugar do país, o número é 180. Em casos de violência flagrante, a Polícia Militar também deve ser acionada. Sobre casos pretéritos, também é possível formalizar a denúncia em qualquer delegacia de polícia. Lembrando que a Delegacia de Atendimento à Mulher localizada na avenida Barbacena, 288, no Barro Preto, funciona 24 horas.   

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