Cortes nos repasses para procedimentos cardíacos pelo SUS podem prejudicar pacientes em Minas

Raquel Gontijo
raquel.maria@hojeemdia.com.br
28/12/2021 às 17:46.
Atualizado em 29/12/2021 às 00:38
 (Pixabay)

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A oferta de cirurgias cardíacas e procedimentos cardiovasculares como hemodinâmica e implantação de marcapasso pelo SUS pode reduzir drasticamente, prejudicando usuários e hospitais em Minas Gerais. Na última semana, o Ministério da Saúde (MS) publicou uma portaria que altera o valor pago por alguns procedimentos, medicamentos, órteses, próteses e materiais especiais, chamados de OPME´s. Com a medida, a rede hospitalar de Minas Gerais deixará de receber cerca de R$ 36 milhões subsidiados pelo MS para os atendimentos de média e alta complexidade. 

De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais SES-MG, o valor de um marcapasso multi-sitio, por exemplo, passou de R$ 15.720,16 para R$ 8.318,18, totalizando uma redução de 47%. Já o stent para artéria coronária passou de R$ 2.034,50 para R$ 341,17, o que representa uma redução de 83%. 

Segundo a SES-MG, em 2020, uma lei estadual de São Paulo, alterou o ICMS incidente sobre equipamentos e insumos utilizados em cirurgias. Os fabricantes repassaram, então, integralmente os custos para os distribuidores e fizeram, ainda, o reajuste anual. Os preços das OPME´s utilizadas nas cirurgias cardiovasculares aumentaram, o que estava inviabilizando a comercialização para o setor público de saúde, visto que os valores que constam na tabela do SUS estão inferiores aos preços praticados pelo mercado. Diante do fato, muitos hospitais e instituições entraram em contato com a SES-MG informando sobre o desabastecimento de OPME´S em hospitais habilitados na alta complexidade cardiovascular.

Ainda no que se refere à redução dos valores dos OPME´s, a SES-MG informou que não teve acesso à metodologia de cálculo utilizada pelo MS ou motivações para esta ação. Dessa forma, a Secretaria solicitou ao órgão federal um posicionamento quanto ao reajuste praticado e aguarda retorno.

Suspensão de cirurgias e atendimentos

Responsáveis pela maior parte dos atendimentos de média e alta complexidade hospitalar, de acordo com a Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB), estas instituições realizaram 588.318 atendimentos de cardiologia pelo SUS, no Brasil, em 2020. Desse total, 47% foram feitos pelas entidades beneficentes; 45% por hospitais de administração pública e 6% instituições privadas. 

No mesmo período, os hospitais filantrópicos mineiros realizaram 58.830 atendimentos de cardiologia pelo SUS; em 2019, foram 67.384 - queda de 12,7%. Somente na Santa Casa, até novembro deste ano, foram realizadas 1.374 cirurgias cardiovasculares.

As instituições filantrópicas afirmam que serão prejudicadas com a nova medida do Governo Federal. O presidente da CMB, Mirocles Véras, alerta que o impacto será direto na população. “Com a diminuição do valor pago por esses materiais, vai ficar mais caro para o hospital adquirir esses itens, vai ficar impossível subsidiar e vamos ter então a paralisação dos serviços (...) Não temos mais condições de bancar, de fazer o que o Estado deveria fazer, que é atender e remunerar”, ressalta. 

Além do impacto para os pacientes cardiopatas do SUS, a CMB mostra preocupação também com os profissionais médicos. Segundo a CMB, que representa mais de 2 mil instituições em todo país, médicos estão se recusando a realizar determinados procedimentos cardiológicos em função da baixa remuneração pela gestão pública, ou seja, os atendimentos realizados pelo SUS. “Se os médicos se recusarem a trabalhar pelo SUS, os serviços da nossas entidades vão parar”, desabafa Véras. A Confederação declarou que entidades que representam a categoria já se posicionaram contra o reajuste da tabela de procedimentos. 

Ainda segundo a CMB, extraoficialmente o Ministério da Saúde já foi notificado sobre o impacto da portaria nos atendimentos do SUS e nos hospitais filantrópicos. A entidade declarou que, no início do próximo mês, será realizada uma reunião com todas as federações estaduais para definir um posicionamento do setor.

O que diz o Ministério da Saúde

Em nota, o Ministério da Saúde informou que a revisão dos valores da especialidade de cardiologia na Tabela SUS trata-se de uma “otimização de recursos públicos”. O órgão afirmou que o reajuste prevê uma economia de cerca de R$ 292 milhões para os cofres públicos. A pasta declarou ainda que a readequação contempla a avaliação histórica de compras públicas, “oportunizando melhor gestão dos insumos, eficiência no gasto público e alocação de recursos nas demais ações e políticas da atenção especializada”.

O que dizem os fabricantes

A Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para a Saúde (ABIMED) alerta que o corte de R$ 290 milhões reembolsado aos hospitais por procedimentos e materiais poderá prejudicar a população, principalmente a grande parcela que depende do SUS. “A medida impactará fortemente a indústria de produtos de saúde instalada no país e importadores, gerando potencial inviabilidade no fornecimento de equipamentos médicos e de saúde, principalmente os usados para procedimentos cardiovasculares”.

Já a Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos declarou que a revisão dos valores dos materiais “não atende às necessidades do mercado, visto a significativa defasagem na correção destes valores”, e que está avaliando junto aos fabricantes os impactos da portaria no setor.

O presidente da Associção Médica de Minas Gerais, Fábio Guerra, avalia que a portaria do Ministério da Saúde terá um impacto negativo sobre a assistência prestada a uma grande parcela da população que depende do SUS para a realização de procedimentos de alto risco, como cirurgias cardíacas. Segundo o médico, o próximo passo é se reunir com as sociedades médicas de especialidades como cardiologia e cirurgia para avaliar as medidas que poderão adotar de forma conjunta para minimizar os impactos da medida.

A reportagem do Hoje em Dia procurou a Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos de Minas Gerais que não quis se manifestar sobre o assunto. 

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