Impacto humano

Documentário Rejeito expõe o 'terrorismo de barragens' em cidades mineiras

Filme de Pedro de Filippi aborda o medo e a pressão para a saída de comunidades mineradoras

Do HOJE EM DIA*
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Publicado em 05/11/2025 às 09:44.Atualizado em 05/11/2025 às 13:56.
Documentário mostra impactos humanos sob a perspectiva do “terrorismo" (Tomaz Silva/Agência Brasil)
Documentário mostra impactos humanos sob a perspectiva do “terrorismo" (Tomaz Silva/Agência Brasil)

Estreou na última semana nos cinemas nacionais o documentário “Rejeito”, dirigido por Pedro de Filippi. Filmado e produzido ao longo de quatro anos, o filme mergulha no cotidiano de comunidades em pequenas cidades de Minas Gerais, como Socorro e Barão de Cocais, que convivem com a intensa atividade mineradora. A obra tem sido bem recebida em festivais nacionais e internacionais com foco em temas ambientais.

O documentário, que circula em festivais desde 2023, acompanha a rotina dos moradores. O foco central é como o medo da repetição de desastres como o de Mariana é usado como ferramenta para pressionar comunidades inteiras a deixarem seus territórios, facilitando a expansão das operações de mineração.

O assédio às comunidades

O assédio a essas comunidades é o tema central que guia o diretor e as estratégias de resistência dos moradores que lutam pelo direito à existência em regiões que ocupam há dezenas de anos.

Essa investigação foi feita em parceria com a ambientalista Maria Tereza Corujo, a Teca, uma das líderes comunitárias que se levanta contra a pressão das empresas e acompanha o tema desde os anos 1990.

Documentário mostra impactos humanos sob a perspectiva do “terrorismo"

Segundo Teca, a atuação das mineradoras no estado coopta o poder público, destrói recursos naturais e ignora os interesses dos moradores, resultando na divisão de comunidades e famílias. Ela cita o caso de Socorro, onde o medo forçou o esvaziamento às pressas da comunidade após um alerta de risco de rompimento de barragem.

“O que a gente viu, isso é categórico, em Socorro, a gente sempre vê esse movimento de aquisição e através de uma divisão dessas comunidades, até geográfica. Irmãos foram realocados em casas em bairros distantes... Literalmente separar para dividir. Hoje, em Socorro, 90% já é da Vale. A previsão para voltar [a comunidade foi esvaziada às pressas após um alerta de risco de rompimento de barragem] de 2023 foi estendida para 2029”, explica Teca à Agência Brasil.

Segundo ela, a comunidade sofre pressões para vender as terras a preços baixos, o que descaracteriza a ocupação e entrega a administração do território aos interesses das mineradoras.

“Terrorismo de barragens”

Este processo, que utiliza o risco iminente como instrumento para deslocar pessoas, é denominado “terrorismo de barragens”. O diretor Pedro Filippi define o termo:

“É uma estratégia antiga do capitalismo, de apropriação por acumulação. O medo causado pelo próprio setor da mineração, somado aí os rompimentos também, mas não só eles, como uma ferramenta para legitimar a expansão da mineração, principalmente em territórios que ela não consegue acessar sem evacuar [os moradores]. Então, o terrorismo de barragem vem como uma estratégia para contornar algo que seria quase impossível de se conseguir”, afirma Filippi.

O diretor considera o tema central e preocupante, assim como a inserção dos interesses das empresas no poder público, que foi recentemente desnudada na Operação Rejeito, da Polícia Federal.

Exibição e resistência

O primeiro público de “Rejeito” foram as próprias comunidades. Filippi voltou aos locais filmados, como Barão de Cocais e Itabira, e fez as primeiras exibições com a participação das lideranças.

Ele ainda planeja realizar sessões em sete municípios assediados pelo Projeto Apolo — hoje um dos maiores empreendimentos de mineração na região central do estado — e em áreas de Mariana e Brumadinho.

“Eu não prometo nada, principalmente para as comunidades onde eu atuo. Eu não acho que o filme tenha esse poder de trazer promessa, nem um poder de transformação isoladamente. Ele é mais uma das expressões, entre as várias expressões de um movimento de resistência muito grande em Minas Gerais”, conclui o diretor.

O que diz a Vale?

Procurada pela reportagem sobre as acusações de desrespeito às comunidades, a Vale se manifestou por meio de sua assessoria.

A empresa afirmou que tem avançado continuamente para mitigar os impactos de suas operações, promovendo um relacionamento construtivo e respeitoso. Para isso, mantém canais de diálogo abertos e engajamento ativo das populações locais nos processos de tomada de decisão. A empresa articula diferentes áreas internas para gerenciar riscos, apoiar o desenvolvimento local e fortalecer relações baseadas na transparência e na confiança.

A nota destaca que a Vale atua tanto na reparação de Brumadinho quanto em suas operações regulares, priorizando a gestão de riscos e impactos e respeitando os direitos e as especificidades socioculturais das comunidades. A empresa mencionou ainda o investimento em cultura, com apoio a artistas locais e a criação de um museu em Mariana.

Estado reconhece que municípios ainda sentem consequências do desastre

Em meio aos dez anos do rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, o Governo de Minas emitiu uma nota em solidariedade às familiares das vítimas e demais atingidos pelo desastre. O Estado reafirmou "compromisso com a reparação efetiva dos danos causados".

O Executivo estadual também reconheceu que, até hoje, os municípios atingidos ainda sentem as consequências sociais, econômicas e ambientais do desastre. "O Governo de Minas se une às famílias e às comunidades atingidas neste momento de lembrança e de dor, renovando o compromisso de seguir trabalhando na reparação dos danos e para que tragédias como essa jamais se repitam".

*Com informações da Agência Brasil 

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