Estreou na última semana nos cinemas nacionais o documentário “Rejeito”, dirigido por Pedro de Filippi. Filmado e produzido ao longo de quatro anos, o filme mergulha no cotidiano de comunidades em pequenas cidades de Minas Gerais, como Socorro e Barão de Cocais, que convivem com a intensa atividade mineradora. A obra tem sido bem recebida em festivais nacionais e internacionais com foco em temas ambientais.
O documentário, que circula em festivais desde 2023, acompanha a rotina dos moradores. O foco central é como o medo da repetição de desastres como o de Mariana é usado como ferramenta para pressionar comunidades inteiras a deixarem seus territórios, facilitando a expansão das operações de mineração.
O assédio às comunidades
O assédio a essas comunidades é o tema central que guia o diretor e as estratégias de resistência dos moradores que lutam pelo direito à existência em regiões que ocupam há dezenas de anos.
Essa investigação foi feita em parceria com a ambientalista Maria Tereza Corujo, a Teca, uma das líderes comunitárias que se levanta contra a pressão das empresas e acompanha o tema desde os anos 1990.
Segundo Teca, a atuação das mineradoras no estado coopta o poder público, destrói recursos naturais e ignora os interesses dos moradores, resultando na divisão de comunidades e famílias. Ela cita o caso de Socorro, onde o medo forçou o esvaziamento às pressas da comunidade após um alerta de risco de rompimento de barragem.
“O que a gente viu, isso é categórico, em Socorro, a gente sempre vê esse movimento de aquisição e através de uma divisão dessas comunidades, até geográfica. Irmãos foram realocados em casas em bairros distantes... Literalmente separar para dividir. Hoje, em Socorro, 90% já é da Vale. A previsão para voltar [a comunidade foi esvaziada às pressas após um alerta de risco de rompimento de barragem] de 2023 foi estendida para 2029”, explica Teca à Agência Brasil.
Segundo ela, a comunidade sofre pressões para vender as terras a preços baixos, o que descaracteriza a ocupação e entrega a administração do território aos interesses das mineradoras.
“Terrorismo de barragens”
Este processo, que utiliza o risco iminente como instrumento para deslocar pessoas, é denominado “terrorismo de barragens”. O diretor Pedro Filippi define o termo:
“É uma estratégia antiga do capitalismo, de apropriação por acumulação. O medo causado pelo próprio setor da mineração, somado aí os rompimentos também, mas não só eles, como uma ferramenta para legitimar a expansão da mineração, principalmente em territórios que ela não consegue acessar sem evacuar [os moradores]. Então, o terrorismo de barragem vem como uma estratégia para contornar algo que seria quase impossível de se conseguir”, afirma Filippi.
O diretor considera o tema central e preocupante, assim como a inserção dos interesses das empresas no poder público, que foi recentemente desnudada na Operação Rejeito, da Polícia Federal.
Exibição e resistência
O primeiro público de “Rejeito” foram as próprias comunidades. Filippi voltou aos locais filmados, como Barão de Cocais e Itabira, e fez as primeiras exibições com a participação das lideranças.
Ele ainda planeja realizar sessões em sete municípios assediados pelo Projeto Apolo — hoje um dos maiores empreendimentos de mineração na região central do estado — e em áreas de Mariana e Brumadinho.
“Eu não prometo nada, principalmente para as comunidades onde eu atuo. Eu não acho que o filme tenha esse poder de trazer promessa, nem um poder de transformação isoladamente. Ele é mais uma das expressões, entre as várias expressões de um movimento de resistência muito grande em Minas Gerais”, conclui o diretor.
O que diz a Vale?
Procurada pela reportagem sobre as acusações de desrespeito às comunidades, a Vale se manifestou por meio de sua assessoria.
A empresa afirmou que tem avançado continuamente para mitigar os impactos de suas operações, promovendo um relacionamento construtivo e respeitoso. Para isso, mantém canais de diálogo abertos e engajamento ativo das populações locais nos processos de tomada de decisão. A empresa articula diferentes áreas internas para gerenciar riscos, apoiar o desenvolvimento local e fortalecer relações baseadas na transparência e na confiança.
A nota destaca que a Vale atua tanto na reparação de Brumadinho quanto em suas operações regulares, priorizando a gestão de riscos e impactos e respeitando os direitos e as especificidades socioculturais das comunidades. A empresa mencionou ainda o investimento em cultura, com apoio a artistas locais e a criação de um museu em Mariana.
*Com informações da Agência Brasil