‘Em briga de marido e mulher, se mete a colher’, diz delegada de Mulheres da capital

Renata Galdino
rgaldino@hojeemdia.com.br | @renatagaldinoa
26/04/2020 às 19:13.
Atualizado em 27/10/2021 às 03:22
 (Fabiane Otoni/Divulgação)

(Fabiane Otoni/Divulgação)

Estudos indicam que a violência contra a mulher cresceu durante a quarentena em países onde foi instituído o isolamento social. Em Belo Horizonte, apesar da queda no número de ocorrências registradas, autoridades estão atentas aos casos. Titular da Divisão Especializada em Atendimento à Mulher, ao Idoso, à Pessoa com Deficiência e Vítimas de Intolerância, Isabella Franca Oliveira, de 34 anos, destaca as medidas adotadas até mesmo para facilitar a vítima a fazer as queixas. Nesta entrevista, a delegada, que está na Polícia Civil mineira desde 2009, comenta as ações realizadas e a necessidade de denunciar as agressões para evitar uma tragédia. Confira!Fabiane Otoni/Divulgação

Titular da Divisão Especializada em Atendimento à Mulher, ao Idoso, à Pessoa com Deficiência e Vítimas de Intolerância, Isabella Franca Oliveira está na Polícia Civil mineira desde 2009

Recentemente, o Senado Federal alertou para o aumento de casos de violência doméstica por conta do isolamento social. Há um receio por parte da Divisão de um crescimento desses casos em BH?
Com certeza é uma grande preocupação o possível aumento da violência doméstica e familiar contra a mulher e outros grupos vulneráveis, como crianças e idosos, em Belo Horizonte e Minas Gerais. Alguns países que viveram ou estão vivendo o distanciamento social há mais tempo, como a China, apresentaram crescimento nos casos. Segundo dados do Ligue 180, a quarentena recomendada por governos estaduais e municipais para conter a propagação do novo coronavírus elevou quase 9% o número de ligações para o canal. A média diária de 1º a 16 de março foi de 3.045 ligações e 829 denúncias registradas, contra 3.303 ligações e 978 denúncias registradas de 17 a 25 deste mês. Alguns estados tiveram um aumento no número de ocorrências e até mesmo de feminicídios desde o início do distanciamento social. Em Minas, os registros de violência doméstica e familiar contra a mulher reduziram cerca de 13% em março comparado com o mesmo período de 2019. Já em Belo Horizonte, a redução chegou a 23%.

Há possibilidade de subnotificação do registro das ocorrências?
Os dados servem de alerta para a Segurança Pública e precisam ser analisados com cuidado para verificar se realmente ocorreu uma diminuição dos casos de violência doméstica ou se, na realidade, há maior subnotificação, ou seja, essas situações estão ocorrendo e as mulheres não estão conseguindo acessar os serviços de atendimento. Precisamos identificar ainda se a subnotificação decorre da necessidade de ela ficar em casa e, muitas vezes, na companhia do seu agressor. Na análise, devemos levar em consideração a data dos fatos, uma vez que o registro pode ter sido realizado durante o isolamento social, mas referir-se a acontecimentos anteriores, além da possibilidade de o registro ocorrer somente após o fim do isolamento e se tratar de fatos durante o período que estamos vivendo.

“A Delegacia de Plantão Especializada em Atendimento à Mulher em Belo Horizonte continua funcionando 24 horas (na quarentena) para receber as ocorrências da PM bem como atender imediatamente os casos urgentes de violência doméstica e familiar”

Como as autoridades policiais tomam conhecimento desses casos?
Eles chegam à Polícia Civil através da condução pela Polícia Militar, comparecimento da vítima à unidade policial e das denúncias pelo Ligue 180.

Como lidar com a violência contra a mulher nessa quarentena? O que ela precisa fazer e como denunciar os casos?
O isolamento social é necessário para diminuir a propagação da Covid-19. Entretanto, para algumas mulheres a casa não é um local seguro, uma vez que ficará mais tempo com o seu agressor. Urge mencionar que as dificuldades econômicas, o estresse, o medo do contágio e a incerteza dos próximos dias aumentam a possibilidade de conflitos. Recomenda-se que a mulher tenha contato de familiares e vizinhos a quem possa pedir ajuda em casos de violência, caso não seja possível acionar a polícia. Para evitar aglomeração unidades, temos realizado atendimentos agendados e telefônicos, inclusive para registro de ocorrências e solicitação de medidas protetivas. Isso garante o acesso às medidas protetivas de urgência, importantíssimo instrumento no enfrentamento à violência. Nos casos urgentes, o atendimento continua sendo presencial e imediato em qualquer horário e dia da semana, 24 horas. 

Alguma ferramenta específica para denunciar esses casos foi ou está sendo criada?
O governo de Minas lançou, em março, o aplicativo MG Mulher, que possibilita à ela criar uma rede colaborativa, formada por amigos, familiares e vizinhos, e acioná-los com um único comando em situações de emergência. O aplicativo envia imediatamente um SMS para toda a rede com a localização dela e o pedido de ajuda. A mulher pode e deve denunciar qualquer tipo de violência sofrida através do Ligue 180. Em caso de urgência, acionar a PM pelo 190. Em BH, tem a delegacia especializada pelos telefones (31) 3330-5752 ou 5715.

“Na semana de 13 de abril, duas mulheres foram mortas em BH, e elas não tinham BOs contra os companheiros. É difícil acreditar que o feminicídio foi a primeira violência. Verifica-se a importância da denúncia e pedido de medidas protetivas”

Muitas vezes, a própria mulher violentada não quer denunciar a agressão. Como um parente ou amigo pode proceder nesses casos?
Há vários fatores que a levam a não denunciar a violência sofrida, como medo do agressor, vergonha, preocupação com a criação dos filhos, dependência financeira, acreditar que não existe punição, que seria a última vez. Dessa forma, qualquer pessoa que tomar conhecimento da prática de violência doméstica pode e deve denunciar, possibilitando a atuação de toda a rede de atendimento, seja acionando o Ligue 180, que recebe denúncias anônimas ou identificadas. Em caso de urgência, é possível ligar para o 190 e, localizado os envolvidos e constatada a violência, a PM fará a prisão do agressor em flagrante. Todos temos um importante papel no enfrentamento da violência contra a mulher, prevenindo a prática de crimes mais graves, como o feminicídio. Em briga de marido e mulher, se mete a colher. 

A denúncia e a punição ao agressor ajudam, de fato, na mudança de comportamento do homem?
Na maior parte dos casos sim. A denúncia e a punição quebram a crença de certos homens na impunidade como motivadora de reiterados atos de violência. Também, pela denúncia, muitas outras ações, visando a mudança de comportamento dos agressores, são desencadeadas pelos diversos órgãos de defesa da mulher, como tratamento psicológico, orientação de profissionais da área, bem como os grupos reflexivos de homens. A lei 13.984, de 3 de abril de 2020, estabelece como medidas protetivas a serem determinadas pelo juiz o comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação e acompanhamento psicossocial, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio. Ressalta-se ainda a necessidade de conversar sobre machismo, misoginia, sexismo, igualdade de gênero, masculinidade tóxica, violência contra a mulher, dentre outros temas, em diversos ambientes, tais como escolar, profissional e acadêmico, com o intuito de promover uma mudança efetiva de comportamento dos homens antes mesmo de se tornarem agressores. Fabiane Otoni/Divulgação

A Divisão oferece uma espécie de curso para eles. Quais os resultados efetivos desse trabalho?
A Polícia Civil conta com programa Dialogar desde 2011, que atende mulheres e homens investigados em situação de violência contra a mulher e que são encaminhados compulsoriamente, pela Justiça, conforme a Lei Maria da Penha, e, também, atende mulheres e homens voluntários que buscam orientação, apoio e intervenção para não entrarem em conflito ou violência. São realizadas oito oficinas de reflexão e responsabilização com temas relacionados à Lei Maria da Penha, medidas protetivas, machismo, gênero, comunicação não violenta, dentre outros. É um trabalho muito exitoso, com uma taxa de reincidência realmente baixa, em torno de 6%, o que demonstra que realmente precisamos conversar com esses agressores e desconstruir alguns valores, evitando novas violências e novas vítimas. 

“O enfrentamento à violência contra a pessoa idosa é, de fato, um desafio. Na maior parte dos casos, a violência é praticada por familiares, em especial filhos e netos. Dessa forma, há uma grande dificuldade da vítima em denunciar a violência sofrida”

Qual a percepção da senhora, hoje, sobre o tratamento que a sociedade dispensa aos idosos? Nesse período de pandemia, temos visto frequentemente pessoas dizendo: “mas é só idoso que morre (por coronavírus)” no sentido de como se essas pessoas fossem descartáveis.
A população idosa cresce em todo o mundo. O Brasil tem mais de 28 milhões de pessoas com mais de 60 anos, cerca de 13% dos habitantes. Estima-se que este percentual tende a dobrar nas próximas décadas, conforme o IBGE. Assim, é necessário que a sociedade adeque-se de forma a oferecer uma melhor atenção aos idosos, sendo mais solidária e inclusiva, conhecendo as necessidades dessas pessoas e trazendo-as como protagonistas nesta fase da vida. Diante dessa pandemia, sabemos que os idosos figuram o principal grupo de risco, e por isso, é necessário um olhar especial no cuidado com eles. Além do enfrentamento à violência, precisamos redobrar os cuidados de higiene e incentivar e ajudar essas pessoas a ficarem em casa, com o mínimo de contato social possível, e a se protegerem a fim de evitar o contágio da Covid-19, o que é uma forma de carinho e proteção. Esperamos mais solidariedade e empatia.

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