sequelas da covid

Sete em cada 10 pacientes com Covid longa têm problemas de concentração e memória

Raquel Gontijo
raquel.maria@hojeemdia.com.br
26/03/2022 às 14:27.
Atualizado em 26/03/2022 às 14:42
 (Fernando Michel/Hoje em Dia)

(Fernando Michel/Hoje em Dia)

A maioria das pessoas que pega Covid não tem sintomas graves e a recuperação é  relativamente rápida. Mas alguns pacientes têm a chamada "Covid longa", em que os sintomas duram mais de quatro semanas e trazem complicações de longo prazo após a recuperação da infecção original.

Quase três meses depois de ter a Covid-19, a empreendedora Marcela Andrade, 36, ainda sente impactos da doença na capacidade de concentração. “Até hoje tenho dificuldades para me lembrar qual o número do apartamento das minhas clientes. Paro na porta do prédio e fico em dúvida. Tenho de ligar e perguntar. Apesar de ir à casa delas durante anos, simplesmente não me recordo” - diz a hair stylist.

Hair Stylist diz que tem problemas de memória três meses depois da Covid (Marcela Andrade - acervo pessoal)

Hair Stylist diz que tem problemas de memória três meses depois da Covid (Marcela Andrade - acervo pessoal)

Cientistas afirmam que a infecção pelo coronavírus pode levar a sintomas neurológicos e alterações estruturais e funcionais no cérebro. É o que revela um estudo da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, realizado com pacientes com Covid longa, que afirma que 70% dos pacientes relataram dificuldades de concentração e memória.

O levantamento feito com 181 voluntários ao longo de 18 meses e publicado pela revista Frontiers in Aging Neuroscience foi revisado por professores da Universidade de Cambridge. A maioria dos pacientes testou positivo para o coronavírus pelo menos seis meses antes do início do estudo.

Sintomas depois da Covid

Os sintomas neurológicos vão além da alteração no paladar ou olfato. O pneumologista Luiz Fernando Ferreira Pereira, ex-coordenador da Comissão Científica da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, explica que os sintomas mais comumente relatados pelos pacientes, após a fadiga crônica, são déficit de memória e cognição, raciocínio lento e sensação de incapacidade de mover o corpo por cansaço.

Entre os participantes do estudo inglês, 78% relataram dificuldade de concentração; 69% confusão mental; 68% esquecimento, e 60% problemas para encontrar a palavra certa na fala.

Marcela teve os primeiros sintomas no dia 7 de janeiro. Conta que sentiu febre nos dois primeiros dias, além de dores no corpo e dores de cabeça. Perdeu o apetite e o paladar, tinha prostração e desânimo e o cabelo caiu. Os sintomas duraram 10 dias e, quando voltou ao trabalho, ainda sentia muito cansaço mental, não conseguia conversar e precisava reler várias vezes o trecho de um livro, porque não entendia.

“Eu me esquecia de como chegar aos lugares, em trajetos que eu já estava acostumada a fazer, tinha muita dificuldade em me localizar e não conseguia guardar as atividades que tinha ao longo do dia” - relata.

Para entender a causa dos problemas cognitivos, os pesquisadores ingleses investigaram outros sintomas que podem estar relacionados à Covid. Eles descobriram que as pessoas que apresentaram sintomas neurológicos, como tontura e dor de cabeça, durante a fase inicial da doença, eram mais propensas a apresentar alterações cognitivas mais tarde. 

Lucy Cheke, autora do artigo e membro do Departamento de Psicologia da universidade explica outra linha de pesquisa e a mais provável delas. “A inflamação no corpo causada pelo coronavírus pode afetar o comportamento e o desempenho cognitivo de diversas maneiras, mas achamos que as principais estão relacionadas a uma resposta imunológica excessiva precoce”, indica.

Impactos a longo prazo

Segundo o pneumologista Luiz Fernando, para diagnosticar uma pessoa com sintomas de Covid longa ou sequelas da doença é necessário uma avaliação individual e diversos exames para descartar o indicativo de outras enfermidades.

“Sabemos que os problemas de concentração e memória podem surgir vários meses após o início da doença, mas o comportamento do coronavírus ainda é uma surpresa. Existem registros de pacientes que apresentaram doenças cardiológicas e fadiga até um ano depois de ter pegado Covid-19”, relata.

Um estudo da University College London, por exemplo, revelou que podem existir cerca de 200 sintomas em 10 sistemas e órgãos do corpo humano.

Para Lucy, autora do artigo de Cambrige, os resultados apontam que os déficits cognitivos ainda serão um problema de força de trabalho. “Dificuldades de memória podem afetar significativamente a vida diária das pessoas, incluindo a capacidade de fazer seu trabalho adequadamente. (...) Portanto, é importante não apenas para o bem dos indivíduos, mas para a sociedade em geral poder prevenir, identificar e tratar problemas associados à longa Covid.

Quem tem de enfrentar os desafios que a Covid trouxe muito tempo depois da infecção entende bem o alerta da especialista. Marcela diz que tem lido muito para “treinar” o cérebro e tentar recuperar a atenção e a capacidade de concentração, ao invés de ficar vendo bobagens na internet.

Ela dá um conselho: “Não é uma gripezinha. As pessoas devem se cuidar para não pegar o coronavírus, porque, mesmo para quem não tem a forma grave da doença, ela traz sérias consequências. Depois que os sintomas passam, você não fica bem. E pessoas com idades mais avançadas têm mais dificuldade ainda nessa recuperação” - finaliza.

Leia mais

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por