Em Liberdade

‘Viadinho tem que morrer’: sargento da PM é acusado de homofobia após agredir estudante em BH

Clara Mariz
@clara_mariz
16/02/2022 às 17:58.
Atualizado em 16/02/2022 às 18:27
 (Reprodução / Arquivo Pessoal)

(Reprodução / Arquivo Pessoal)

“Minha mãe está muito preocupada. Ontem (15) fomos à padaria e ela ficou desesperada quando viu um carro de polícia”. A reação traumática é da mãe do estudante Matheus Felipe Chagas, de 36 anos, que foi brutalmente agredido por um vizinho.

O rapaz conta que estava com o namorado, no último domingo (13), quando um sargento da Polícia Militar, que estava de folga, invadiu sua casa e o golpeou com uma barra de ferro. 

Matheus afirma que ele e o companheiro vinham sofrendo xingamentos e ameaças do militar. E que a situação ficou insustentável a ponto de eles decidirem se mudar do apartamento na rua Três Pontas, no bairro Carlos Prates, na região Noroeste de Belo Horizonte, no dia 25 de janeiro.

De acordo com o estudante, as agressões verbais começaram há cerca de um ano. E que, nesse dia, ele respondeu aos insultos homofóbicos do suspeito e de sua esposa. E o homem começou a chamá-lo para uma briga. 

“No mês passado, eu estava na janela quando esse homem saiu na varanda da casa dele e começou a  gritar: ‘Viadinho desgraçado, filho da p..., você tem que morrer’. Eu, então, comecei a questioná-lo. Aí, a mulher dele saiu de lá de dentro e começou a me xingar também: ‘Viadinho safado, eu não sei por que você está defendendo ele. Quando você sai daí, isso vira um puteiro, um ponto de droga. Casa de bichinha é assim, mesmo’. Nesse momento, o policial foi para a rua e me chamou para brigar. Aí, o João, meu namorado, chamou a polícia” - relata o universitário.

Desde então, o casal está morando na casa da mãe de Matheus. No domingo (13), eles foram ao antigo apartamento para pegar alguns objetos. Ao entrarem no local, Chagas percebeu que a porta estava com sinais de arrombamento e disse que chamaria a polícia.

“Lá é um local em que as paredes são muito finas. Aí, esse senhor, saiu da casa dele, foi para o corredor de acesso e começou a xingar a gente, chamando de ‘bichinha’, ‘travesti’. E a dizer que ‘bichinha tem que morrer’”, contou. 

Quando se aproximou do portão, Matheus diz que o vizinho deu voz de prisão a ele, afirmando que era policial. “Eu questionei o motivo de estar preso e ele me disse que era só por eu estar ali, 'que lugar de bichinha' é na prisão”.

Agressão

Em seguida, o militar entrou para dentro de casa e começou a gritar que “viados têm que morrer”. O estudante afirma que o vizinho voltou com o que ele achava ser um pedaço de madeira e tentou acertá-lo por um portão que separa as duas residências.

“Eu, então, me defendi. Se eu não tivesse feito isso, naquele momento ele teria matado a mim e ao João. Eu agarrei o pedaço de madeira, tirei da mão dele, joguei no chão e comecei a bater nele. Porque, infelizmente, se eu não o agredisse ele ia me matar. Quando os vizinhos saíram na rua, ele começou a dizer que nós éramos traficantes, mas eles nos conhecem e também ouviam os xingamentos constantes”, contou.

Matheus diz que foi atingido no queixo, no peito e nas pernas. E, assim que a Polícia Militar chegou ao local, o policial mostrou para ele que na verdade, o suspeito o agrediu com uma barra de ferro.

“Quando os militares chegaram, eles deram voz de prisão a ele (o agressor), o colocaram em uma parede e o revistaram. Aí, o policial veio conversar comigo e o João mostrou com o que ele tinha me atingido. O militar pegou a barra e disse que aquilo era ferro maciço e que ele tentou me matar”, contou.

O casal também soube pela PM que o agressor era “policial da reserva”. De acordo com o Portal da Transparência do Governo de Minas Gerais, o agressor aparece com o cargo de terceiro sargento da ativa na corporação.

A reportagem entrou em contato com a Polícia Militar para saber se o sargento sofreu alguma medida administrativa e entender por que a agressão não foi tipificada como homofobia. A PM respondeu que trata-se de um problema de vizinhança envolvendo militar fora do horário de serviço, o que caracteriza crime comum e não crime militar.

E que todas as medidas administrativas foram adotadas pela Corregedoria da instituição, mas não deu detalhes. 

Ocorrência 

O casal explicou que decidiu ir primeiro ao hospital para receber atendimento e, em seguida, à delegacia para registrar o Boletim de Ocorrência. Chegando lá, eles estranharam que os militares que atenderam a ocorrência os deixaram lá e foram embora, antes do processo ser encerrado. Além disso, os dois contam que o militar que os agrediu chegou à delegacia acompanhado de outros militares, não os que estiveram no local da agressão. 

“A Polícia Militar disse que era uma briga de vizinhos e eu sempre afirmei que ele tentou me matar com a barra de ferro. Relembrei que ele ameaçava a mim e ao meu namorado de morte há mais tempo. E disse que ele só não me matou porque eu reagi. Se não, eu viraria estatística”, afirma Matheus. 

Mesmo assim, no boletim registrado no domingo consta que o crime foi em decorrência de uma briga entre vizinhos. O casal foi orientado pela coordenadora do Centro de Referência LGBTIA+ do Estado, Walkíria La Roche, e procurou nessa segunda-feira (14) a Delegacia Especializada em Repressão aos Crimes de Racismo, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas (Decrin), que irá investigar o caso.  A Polícia Civil de Minas informou que também apura o caso.

“Para a gente está horrível, eu não estou podendo sair na rua, a minha mãe está com muito medo. Para ir trabalhar, o João precisa pegar Uber, porque o ônibus passa na porta da casa do agressor. O meu prédio já está avisado de que carro de polícia é para ter atenção. Nós pedimos escolta para pegar as nossas coisas e não conseguimos. Da próxima vezserá que eu vou conseguir me defender?”, finaliza Matheus. 

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