Bem-estar

Emprego em risco: insônia prejudica desempenho e relações no trabalho, apontam estudos

Izamara Arcanjo
Especial para o Hoje em Dia
Publicado em 11/06/2022 às 07:00.
Estudo publicado na Harvard Business Review deixa evidente que a privação do sono prejudica a percepção do trabalhador sobre a qualidade do relacionamento com o chefe e demais colegas da empresa (Freepik.com)

Estudo publicado na Harvard Business Review deixa evidente que a privação do sono prejudica a percepção do trabalhador sobre a qualidade do relacionamento com o chefe e demais colegas da empresa (Freepik.com)

Depois de uma noite mal dormida, quem nunca foi trabalhar de mau humor, com pouca paciência para críticas e orientações da chefia, além de zero disposição para o ambiente de trabalho? Estudo publicado em 2021 pela conceituada revista Harvard Business Review explica: a qualidade do sono pode afetar – e muito – a qualidade das relações no trabalho.

De acordo com o estudo, a falta de sono diminui o carisma de um líder e pode levar, por exemplo, ao comportamento abusivo de um chefe para com seus funcionários. “Pode fazer com que líderes e funcionários sintam emoções mais negativas quanto ao trabalho, na forma de hostilidade mesmo”, explica a psicóloga Carla Picolli.
“Essa questão do sono afeta tudo na nossa vida, não só a saúde, mas as relações e a nossa produtividade porque também deteriora nossas relações de trabalho”, reforça Carla, especialista em sono.

A falta de sono diminui carisma de um líder e pode levar ao comportamento abusivo de um chefe para com seus funcionários

Segundo ela, uma das funções do sono é regular e elaborar as emoções e tudo o que aconteceu durante o dia. Então, se a pessoa não dorme bem, se o processo não acontece completamente ou de forma adequada, ela começa o dia seguinte carregando sentimentos negativos. 

“Tornamo-nos mais impacientes, mas não somente: ficamos implicantes, irritadiços e ainda aumenta a reatividade da amígdala no cérebro, que causa sentimentos de raiva, de tristeza, de ansiedade. Então, passamos a ter muito mais dificuldades nas nossas relações de trabalho quando não estamos dormindo bem”, explica.

Mão dupla
O estudo publicado na Harvard Business Review ainda deixa evidente que a privação do sono prejudica a percepção do trabalhador sobre a qualidade do relacionamento com o chefe. O efeito, claro, também foi sentido do outro lado: quando o chefe não dorme bem, tem piora na percepção sobre o desempenho do funcionário.

“É prejuízo para todo mundo, pois o funcionário começa a achar que o líder não está sendo tão simpático, tão carismático. Já se o líder não dorme bem, de fato ele não é tão aberto, tão disponível, tão compreensivo e paciente com a equipe. É uma via de mão dupla: se o líder não dorme bem, isso não é saudável para a relação; se o liderado não dorme bem também não percebe o líder de forma positiva, o que diminui o engajamento”, avalia a psicóloga Carla Picolli.

Geise Costa Trintinalia atuou como Diretora de Recursos Humanos em grandes empresas por mais de 15 anos e é especialista em psicologia pela Universidade da Pensilvânia (EUA). Desde 2022 atua como consultora de desenvolvimento humano e gestão de pessoas. Ao longo dos anos de atuação na área, percebeu que a privação do sono estava diretamente ligada às dificuldades comportamentais das pessoas.

“As que dormiam pouco tinham relacionamentos mais difíceis e eu percebia claramente também que os perfis que tinham mais ambição de crescimento entendiam que ficar mais tempo no trabalho implicaria em mais sucesso”.

A gestora de Recursos Humanos Kathleen Vieira diz que pode parecer válida a decisão de perder algumas noites de sono para entregar mais trabalho e que num primeiro momento essa escolha pode até ser vista como produtiva. Porém, além de não ser uma decisão sustentável, a longo prazo não é vantajosa nem para empregado nem para empregador. 

A leitura de Kathleen é reforçada por uma pesquisa realizada em 2021 pela Royal Philips e que mostrou que os custos das noites mal dormidas são altos. Apenas nos Estados Unidos, estima-se que as empresas tenham de arcar com mais de US$ 90 bilhões anualmente com perdas causadas pela insônia, responsável por 7% de todos os erros e acidentes causados em ambientes de trabalho e por 24% dos custos relacionados a eles ao afetar seriamente a performance do trabalhador. É a condição com maior proporção de responsabilidade por esses custos. 

Na terra do Tio Sam, cada colaborador chega a perder 11,3 dias de trabalho a cada ano em decorrência da insônia. “O que inicialmente é visto como aumento de produtividade em um espaço curto de tempo se transforma em baixo rendimento, retrabalho e irritabilidade. Profissionais que trabalham demais não dormem bem tendem a ser mais dispersos, esquecidos, ansiosos e terem mais dificuldade nas relações interpessoais”, diz Kathleen Vieira.

Segundo a gestora, por mais que a cultura “successaholic” seja incentivada na nossa sociedade e romantizada atualmente nas redes sociais, assumir essa postura não é a decisão mais acertada quando o objetivo é ter sucesso profissional. 

“Negócios são feitos por pessoas. Logo, pessoas pouco produtivas resultam em organizações menos produtivas. Deve ser do interesse da empresa investir no bem-estar dos seus profissionais, também por uma questão ética e humana, pois está diretamente ligada ao desempenho da instituição”, conclui.

Geise Costa, psicóloga, precisou de ajuda profissional para ajustar a rotina no início da maternidade para garantir sono de qualidade parra ela e o filho (Arquivo Pessoal)

Geise Costa, psicóloga, precisou de ajuda profissional para ajustar a rotina no início da maternidade para garantir sono de qualidade parra ela e o filho (Arquivo Pessoal)

Estatísticas mostram que mulheres sofrem mais com distúrbio do sono

A pandemia deflagrou ou piorou distúrbios do sono. Pesquisa da Royal Philips com 13 mil adultos em 13 países, incluindo o Brasil, mostrou que 74% dos entrevistados tinham problemas de sono. Metade deles (50%) afirmou que a pandemia foi a responsável por essas dificuldades. Bastante preocupante é a quantidade de pessoas que declararam acordar no meio da noite: 47%.

As mulheres foram mais afetadas que os homens. Dentre elas, foi maior o número das que responderam que haviam desenvolvido novas dificuldades para dormir: 79%, contra 68% dos homens. 
A proporção de mulheres que relataram ter insônia (52%) também é superior a de homens: 40%. O impacto da pandemia também foi maior no sono delas do que no deles: 53% contra 43%. 

A psicóloga Geise Costa Trintinalia foi uma delas. Com o nascimento do filho em 2019, ela teve muita dificuldade de equalizar o sono de qualidade para ela e o filho, pois os dois dormiam pouco. Como consultora, Geise precisava trabalhar logo cedo.

“Foi muito difícil no início, tão difícil que procurei ajuda de profissional especializada nesta área. Foi quando percebi que constância e rotina que permitissem a qualidade do meu sono e a do Nicholas, seriam o que me garantiria um tempo para que tivesse mais qualidade de produção ao desenvolver meu trabalho”, relata.
Segundo especialistas, a maioria das pessoas têm uma visão compartimentada da saúde. Geralmente, não se considera o sono como algo essencial, apesar de todas as implicações de saúde que pode trazer. 

“As pessoas estão mais cansadas e dormindo pouco, então é humanamente impossível concretizar todas estas entregas”, afirma Felipe Gouvêa, consultor organizacional e Mentor de carreiras

Para a gestora de Recursos Humanos Kathleen Vieira, é mais comum profissionais apresentarem danos à saúde física e mental antes mesmo de chegarem nesse idealizado sucesso. “Temos o hábito errôneo de atrelar sucesso apenas a coisas grandiosas, sejam grandes feitos, salários altos ou cargos elevados, o que leva à procura incessante de uma conquista atrás da outra, na esperança de finalmente chegar ‘lá’”, diz a especialista. 

“Essa jornada incansável não permite apreciar as conquistas do dia a dia, gerando frustração, baixa autoestima, ansiedade e medo”, observa.

Para o consultor organizacional e mentor de carreiras Felipe Gouvêa, quatro aspectos são muito demandados hoje no mundo do trabalho, inclusive para as mulheres: alta produtividade, proatividade, capacidade analítica e concentração. 

“Neste movimento de retorno da pandemia, temos percebido que as pessoas estão mais cansadas e dormindo pouco, então é humanamente impossível concretizar todas estas entregas. Ninguém rende, ninguém produz com sono, tanto que as empresas com gestão mais moderna e eficiente já perceberam isso e estão buscando um equilíbrio entre trabalho e bem-estar”, diz Gouvêa.

Felipe Gouvêa é mentor de carreiras. Segundo ele, ninguém produz com sono. “Ninguém rende” (Acervo/divulgação)

Felipe Gouvêa é mentor de carreiras. Segundo ele, ninguém produz com sono. “Ninguém rende” (Acervo/divulgação)

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