
- Em tempos em que o substantivo feminino “tolerância” é mais pronunciado que praticado, o estilista Ronaldo Fraga, reconhecido por seus desfiles políticos, acertou mais uma vez na escolha do sentido e da apresentação da coleção.
“A colina da primavera”, tradução literal de Tel-Aviv, segunda maior cidade de Israel, foi inspirada na observação do mineiro durante uma viagem para este destino, em 2017. Durante 30 e poucos dias, Fraga viu tanta coisa bonita que poderia virar coleção de roupa, como a florada das laranjeiras ou mesmo Jerusalém, com todas as suas histórias.
No entanto, foi em um café, que visualizou algo que lhe chamou a atenção. “No cardápio, havia, em hebraico, uma frase que dizia que se um árabe e um judeu sentassem juntos, ganhariam 50% de desconto. Daí, eu comecei a observar o entorno e havia casais héteros e gays em uma convivência que eu nunca tinha visto”, contou após o desfile apresentado na noite dessa terça-feira (23), na São Paulo Fashion Week (SPFW).
A passagem o fez lembrar do Brasil, de uma maneira não agradável. “A gente acha que lá a guerra mata, mas não se mata negros e travestis como se mata aqui no país. Nós temos uma sociedade extremamente intolerante, com a diferença e com as minorias”, afirma.

Mesa foi montada ao centro da passarela
À mesa
Não à tôa, Ronaldo Fraga foi mais uma vez aplaudido de pé por colocar a tolerância na passarela. Ao centro do espaço, uma longa mesa, um verdadeiro banquete, com direito a pães e vinhos, montada especialmente pela renomada chef belo-horizontina Agnes Farkasvölgyi, amiga do estilista.
Essa guerra que está começando agora, independente de quem vá ganhar (a eleição), revela uma fratura do país de coisa que a gente já sabia, de coisas que já eram conhecidas, que a gente fingia que não via e não entendemos o que é a história da tolerância
Ronaldo Fraga, estilista mineiro
“Quando ele me falou da ideia, ofereci montar a mesa. Ontem (segunda) à noite, fomos à Ceagesp (Central de Abastecimento) comprar as flores, frutas. É muito emocionante ver uma cabeça criativa como a do Ronaldo que faz uma coisa como essa em um momento como o que estamos vivendo. Precisamos de muito mais amor do que intolerância”, disse a chef no pós-desfile.
Os modelos, diversos, caminhavam pela passarela e depois se assentavam à mesa e começavam a jantar. Três casais se beijaram: dois gays, duas lésbicas e um homem e uma mulher idosos. Uma criança corria no entorno da mesa, cena típica de uma festa em família.
Na coleção, o tecido predominante foi o jeans, em tons mais densos. Para Ronaldo, uma forma de resiliência. "Não é tempo de estampinha, sedinha, então, por isso, eu escolhi o jeans, que é um tecido de todo o tempo. É uma coleção austera", diz.
(*) Viajou a convite da São Paulo Fashion Week. A cobertura do evento pelo Hoje em Dia é um patrocínio da Ypslon Atacado
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