Pandemia agrava fenômeno da hesitação vacinal e compromete proteção coletiva

Luiz Augusto Barros
@luizaugbarros
06/12/2021 às 08:32.
Atualizado em 08/12/2021 às 01:13
 (Magi-c/ Divulgação)

(Magi-c/ Divulgação)

A hesitação vacinal é um fenômeno que vem crescendo no Brasil nos últimos anos e se agravou durante a pandemia da Covid-19. Mesmo com a disponibilidade dos imunizantes de forma gratuita, muita gente não procurou os postos de saúde com a intenção de proteger os filhos contra doenças já eliminadas no país, como o sarampo e a poliomielite, o que eleva o risco de retorno dessas enfermidades.

Segundo o médico pediatra e presidente da Sociedade Brasileira de Imunização (SBIm), Juarez Cunha, a cobertura de todas as vacinas infantis caiu drasticamente no último ano, passando longe da meta estabelecida pelo Ministério da Saúde. De acordo com o especialista, apenas 70% do público-alvo foi vacinado, sendo que o objetivo é chegar a 95%.Magic/ Divulgação / N/A

De acordo com o especialista, apenas 70% do público-alvo foi vacinado, sendo que o objetivo é chegar a 95%

Dados apontam que a cobertura das vacinas da primeira infância têm caído anualmente. Como está o cenário atualmente?

Aqui no Brasil, desde 2015, são observadas quedas nas coberturas. Em 2019, nós não atingimos as metas de cobertura vacinal em nenhuma faixa etária, em especial das crianças. Então isso já era anterior à pandemia, tanto que a Organização Mundial da Saúde colocou isso como uma das dez ameaças à saúde global. Com a pandemia, aqueles números que já achávamos ruins, que a gente queria 95%, mas chegávamos a 85%, caíram muito mais. Em absolutamente todas as vacinas da infância os números são mais baixos do que estavam em 2019.

Quais doenças preocupam mais diante desses números tão baixos?

Há algumas doenças que nos preocupam especialmente, e o sarampo é uma delas. Nós recebemos o certificado de eliminação da doença em 2016. Ele retornou em 2018 pelas baixas coberturas vacinais, só que desde então continua ativo no país. Atualmente nós temos a circulação ativa em vários estados, principalmente da região Norte. E uma preocupação muito importante é da poliomielite, que assim como o sarampo, está eliminada e pode retornar também por baixas coberturas vacinais.

Atualmente, estamos com em torno de 70% de cobertura vacinal dessas principais vacinas da infância, e é um percentual muito baixo. Significa que de cada dez crianças, três não estão adequadamente vacinadas. Quando pensamos 3 milhões de nascidos por ano, isso significa que temos quase um milhão de crianças não adequadamente protegidas. Se pensarmos nos dados cumulativos, só vai aumentando a população de vulneráveis. Temos um acúmulo que está aumentando cada vez mais, e isso leva a risco de retorno de doenças eliminadas e ao aumento de doenças controladas.


Existe algum risco iminente de surto de alguma doença no Brasil? Como está o cenário no país?

O cenário nos preocupa mais ainda com a flexibilização que está acontecendo. Com a pandemia e com as medidas não-farmacológicas, todas as doenças de transmissão respiratória caíram de forma muito importante. Tivemos diminuição das meningites, pneumococo, meningococo, coqueluche, influenza, de vírus essencial respiratório.

Com a flexibilização, a tendência é de que todas essas doenças retornem e peguem uma população vulnerável por não estar protegida. É um alerta porque a gente não pode, nessa altura em que estamos, numa situação um pouco mais confortável de Covid, correr risco de outras doenças virem a se tornar importantes no nosso meio. Principalmente doenças que a gente tem vacinas gratuitas e disponíveis na nossa rede para toda a população. E não é só vacina para criança que estamos falando, mas para todas as idades.

Qual o risco dessas doenças voltarem para a sociedade como um todo e para o sistema de saúde?

O melhor exemplo é o do sarampo. A partir do momento que houver um caso de sarampo, é necessário uma atividade de vigilância para fazer bloqueio vacinal. O custo é não só econômico, mas de recurso humano e para a saúde quando há um caso de uma doença transmissível. Nós tivemos, em 2018, cerca de 10 mil casos de sarampo, em 2019, 20 mil. Depois, em 2020, com a pandemia, caiu para em torno de 8 mil casos. Agora, em 2021, já tem em torno de 600.

Cada caso desse desencadeia uma atividade que tem que ser desenvolvida, e isso tem um custo e um ônus, não só financeiro, econômico, mas na própria rede de saúde. Então, se há um caso, tenho que pegar a equipe de saúde que vai estar fazendo as vacinas de rotina ou de Covid e fazer uma busca ativa dos contatos para tentar evitar que aquela doença se dissemine.

Diante dessa hesitação vacinal, o que as autoridades de saúde podem fazer para melhorar essa rejeição aos imunizantes?

São cinco ‘Cs’. O primeiro é ‘complacência’, que é a falsa sensação de segurança que as pessoas têm de doenças que elas não conhecem e nunca viram, porque foram vacinadas. Acham que não precisam se vacinar ou vacinar seus filhos. O outro é ‘confiança’. A confiança não é só na vacina, na sua segurança, na sua eficácia, é também confiança nos governantes, nas instituições e em nós profissionais de saúde, porque temos que passar recados de confiança.

Então a partir do momento que a pessoa está hesitante e eu passo um recado de desconfiança, ela não vai vacinar. O outro ‘C’ é a ‘conveniência’. No horário de atendimento da unidade de saúde, às vezes as mães estão trabalhando e não conseguem levar os filhos. A forma como essas pessoas são recebidas. Então é o que a gente fala da empatia, tem que saber explicar para as pessoas, porque elas têm muitas dúvidas, e o nosso papel de profissional de saúde é de tirar as dúvidas, é de explicar é de mostrar o benefício da vacinação. O quarto ‘C’ é da comunicação, daí a imprensa é fundamental, porque infelizmente a gente tem tido pouquíssimas campanhas do Ministério da Saúde sobre a vacinação.

É uma crítica que tem sido feita há alguns anos, porque o nosso sucesso do PNI, como programa, reconhecido mundialmente, tem muito a ver com as campanhas que a gente fez. O Zé Gotinha, os nossos governantes davam um exemplo, se vacinavam, as celebridades se vacinavam, participavam, e a gente não tem visto isso. E o outro ‘C’, que surge muito durante a pandemia, que é o ‘contexto’. O contexto vem, por exemplo, da vulnerabilidade de determinadas populações. Temos que fazer uma busca ativa e oferecer vacinação para essa população”.

Como a rejeição à vacina e a baixa cobertura em alguns países compromete a vacinação como um todo?

A iniquidade existente de vacinação no mundo é uma prova do que pode acontecer e manter a pandemia. Enquanto não tivermos a possibilidade de vacinar esses países que não têm condições de comprar a vacina, enquanto não tivermos uma equidade, o vírus vai continuar circulando, a doença vai continuar acontecendo e as variantes vão continuar aparecendo.

Enquanto isso acontecer, com certeza a gente vai estar em risco, porque enquanto tiver as pessoas não vacinadas, vamos ter a possibilidade de infectar mesmo os vacinados, porque estar vacinado não significa proteção total. Se tiver todo o conjunto da população vacinado, o risco vai diminuir muito mais. No nosso ponto de vista, a vacinação não é só uma decisão individual, ela impacta na coletividade.

Acho que a gente tem que ir para esse lado para convencer as pessoas a se vacinar. Infelizmente algumas só se convencem a partir do momento que precisam demonstrar a vacinação, ou para viajar ou para participar de aglomerações. Não gostaria que fosse assim, que fosse por vontade própria, mas acho que todas as estratégias têm que ser levadas em conta para ampliar a vacinação.

No Brasil, os números indicam que a população tem aderido à vacinação contra a Covid-19. A avaliação é de que a campanha é um sucesso?
 
Estava mais otimista porque achava que o Brasil ia ser o país com as maiores taxas de coberturas vacinais. A partir do momento que a gente chegou a 70% da população vacinada, o lançamento tem sido muito lento e discreto. A vacina está sendo oferecida para 85% da população, tirando as crianças. Temos, então, 10% da população que poderia se vacinar e não vacinou. Claro que dentro da população vacinada, estamos com números bons, em especial aqueles grupos considerados de maior risco. Gostaria que esses números fossem melhores ainda, que a hesitação vacinal, e mesmo os antivacina, participassem disso como uma decisão não egoísta individual, mas também de coletividade.

Como a desinformação e as fake news, principalmente entre o público mais jovem, contribui para o aumento do movimento antivacina?

A desinformação e as fake news não são novidades, há muito tempo a gente já tem. Com a Covid e com as vacinas Covid, aumentaram muito. Isso abala um daqueles ‘C’ , que leva à hesitação, que é a confiança. Nosso papel como sociedade científica é tentar levar esses recados corretos. Agora, nas redes sociais, muitas vezes não temos controle do que é divulgado, e as pessoas compartilham desinforma-ções.

Quando isso chega a uma pessoa que tem dúvida, ela não se vacina. Então é um grande risco que a gente encontra. E aí, especificamente do grupo mais jovem, desde o início a gente tinha uma ideia de que é uma doença que poupava os jovens, e o que nós temos visto é que a doença, a partir do momento que você tem as populações mais vulneráveis vacinadas, têm sido uma pandemia entre os não vacinados. A maioria das pessoas que estão tendo casos graves e morte são de pessoas não vacinadas.

São elas que estão mantendo a pandemia, porque vão contaminar os vacinados. Então a ideia de que um adulto jovem é menos vulnerável não é mais essa realidade. O adulto jovem não vacinado, atualmente, é de risco como qualquer outra faixa etária. Porque o risco está maior em exatamente nos não vacinados.

Como está a situação das vacinas contra Covid administradas no Brasil em relação à nova variante?

O que temos de estudos, principalmente nesse primeiro momento, é que, por exemplo, a Pfizer, a variante não compromete a eficácia vacinal. É muito cedo ainda para saber, porque ainda estamos aprendendo sobre a Covid e as vacinas. E agora com uma nova variante, vamos ter que aprender com ela, como vai se comportar de transmissibilidade, de gravidade da doença, se os testes que a gente faz detectam ou não, se as vacinas que utilizamos dão proteção menor ou não.

Se a própria imunidade natural, quem teve Covid, como é que vai se comportar com a variante. São respostas que ainda não temos, mas a expectativa é que não seja muito diferente das anteriores. Que possa ter uma queda na proteção, mas que continue protegendo para as formas graves. Isso foi observado em todas elas.

Houve um surto de gripe no Rio de Janeiro, e aqui em Minas Gerais a Secretaria de Estado de Saúde já fez o alerta para a população tomar a vacina. Há um risco para o país?

Em 2020 praticamente a gente não teve gripe. Em 2021, a tendência que está acontecendo agora, em especial nesse último semestre, é que todas as doenças de transmissão respiratória aumentem. A campanha da gripe este ano foi uma dificuldade enorme. As pessoas não se vacinaram tendo a vacina disponível.

A campanha foi prorrogada porque não se conseguia atingir coberturas vacinais. As pessoas procurando vacina agora significa que ainda tem vacina disponível, que não foi utilizada na campanha. Então, este é um exemplo de risco de baixas coberturas de uma vacina disponível, gratuita, e que as pessoas não fizeram. Comprometermos a nossa rede com qualquer outra doença que pode ser evitada por vacina vai ser um problemão. Então, esse alerta que a gente já tem dado há algum tempo, acho que temos que chamar mais atenção ainda por essa situação de retorno de gripe.

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