Inflação

'Ainda há espaço para a economia piorar', avalia economista do Mercado Mineiro

Izamara Arcanjo
primeiroplano@hojeemdia.com.br
04/04/2022 às 06:30.
Atualizado em 04/04/2022 às 08:06
Economista Feliciano Abreu, diretor do Mercado Mineiro (Maurício Vieira)

Economista Feliciano Abreu, diretor do Mercado Mineiro (Maurício Vieira)

A alta nos preços dos produtos considerados essenciais, principalmente, alimentos e combustíveis, tem preocupado bastante os brasileiros. Por isso, a pesquisa de preços ganha cada vez mais importância para economizar na hora das compras e fazer o dinheiro render ao longo do mês. Desde novembro de 2000, o consumidor tem como aliado o site Mercado Mineiro, coordenado pelo economista e administrador Feliciano Abreu, que realiza pesquisas de preços em diversos setores da economia. Agora, Feliciano traz mais uma novidade: o aplicativo comOferta, uma plataforma colaborativa, que permite que os consumidores interajam em tempo real, selecionando e compartilhando ofertas nos mais diferentes segmentos, juntamente com a indicação do estabelecimento onde comprar. “Os consumidores estão cada vez mais atentos aos preços e às boas oportunidades. Em tempos de crise, a atenção ao orçamento tornou-se mais necessária”,  diz o economista. Feliciano Abreu conversou com a reportagem do Hoje em Dia.

Qual o real cenário econômico em que nos encontramos. Como o consumidor pode interpretar os sucessivos aumentos que vêm sendo praticados em vários setores?
Realmente o consumidor está em uma situação lamentável.  É difícil você controlar o orçamento com tanto reajuste de preço. E são produtos essenciais, pois estamos falando do gás de cozinha, de hortifruti (que era a saída do consumidor em momentos de crise), o arroz também voltou a subir, temos o feijão carioquinha que pesa muito, sem falar no óleo de cozinha e na carne, que bateram recorde de preços. São itens da cesta básica e que ninguém consegue ficar sem, e isso vem achatando cada vez mais o poder de compra da população, principalmente a de baixa renda. Quem tem melhor poder aquisitivo reclama, mas continua comprando. Você tira algum item do seu dia a dia para manter o seu  padrão de alimentação, mas quem tem o dinheiro contado fica realmente complicado. E quando você mexe em itens da alimentação como arroz e feijão, é um momento muito triste para as famílias.

E quando você percebeu que este cenário estava piorando?
Foi logo que entrou a pandemia. Na época, nós tivemos aquele momento em que se fecharam muitos estabelecimentos e, ao mesmo tempo, as pessoas correram para os supermercados e encheram os carrinhos de compras com medo de faltar produtos. Foi uma situação quase que de guerra, as pessoas guardavam para dois, três meses, pelo menos os itens básicos. A gente viu muita gente comprando papel higiênico, o que chamou muita atenção, porque as pessoas não estavam acostumadas com isso e ficaram com medo. E o medo gera muita ansiedade e a pessoa acaba comprando pelo primeiro preço que ela vê na frente. A gente que trabalha com pesquisa, quando a gente nota que a população fica com muita ansiedade, com medo, como acontece com os combustíveis, por exemplo, se fala que vai faltar, a grande maioria vai pra fila, sem olhar o preço, sem saber se vai realmente precisar daquele combustível. Acho que é o momento, inclusive, da gente chamar a atenção para isso: é o consumidor que tem o poder de compra. Eu sempre falo isso: o estabelecimento pode colocar o preço que ele quiser na mercadoria, mas quem decide é o consumidor final, ele que executa a compra. Se ele vai lá e faz com que a compra se realize, ele vai gerar inflação. Mas, se ele pesquisa preço, compra somente o necessário, se ele troca de produto, ele consegue pelo menos amenizar a situação de crise.  A questão agora é amenizar, pois nós estamos passando por um momento completamente atípico da normalidade, uma situação de escalada de preços que nós não víamos desde 1994, com a estabilização econômica gerada pelo Plano Real.

E o que podemos esperar sobre este quadro inflacionário? Ainda há espaço para piorar?
Eu espero que esteja completamente errado, mas eu acho que ainda há espaço para piorar, infelizmente. Quando a gente volta um ano atrás, a gente imaginava no final do ano que as coisas estariam mais tranquilas, os preços entrariam em uma normalidade, mas, veio a chuva, o agravamento da pandemia, e agora a guerra, diversos fatores que a gente não consegue mensurar para dar uma posição positiva para o consumidor. O que a gente consegue é sempre alertar o consumidor a ter muita atenção aos preços, ajudar a decidir se é o momento ou não de comprar. O que nós podemos dizer é que o momento agora é de ter muita atenção aos gastos. Principalmente a longo prazo, mesmo porque a gente está batendo record de juros, 12% ao mês, então imagina o que está chegando para o consumidor, principalmente aquele que já está endividado. Por isso, a gente tem que ter muita cautela neste momento e evitar comprar qualquer item que não seja de sobrevivência e de primeira necessidade.

Você acha que mesmo com esta crise ainda há margem para especulação por parte das empresas?
Existe essa margem, infelizmente. Durante a pandemia nós tivemos muita especulação quando a gente fala em álcool em gel, máscaras, quando a pandemia voltou a ser amenizada por causa da vacina, a gente vê que estes itens voltaram aos preços antigos. Então tem empresários que especulam sim, mas é neste momento que entra a força do consumidor ao  trocar informações, ao  procurar onde está o menor preço. A gente vê todos os dias no site Mercado Mineiro, no aplicativo comOfertas oportunidades em que o consumidor não precisa atravessar a cidade para fazer uma boa compra. Muitas vezes a boa oferta está perto dele, porque o comerciante precisa vender, porque precisa pagar uma duplicata, precisa manter seu negócio, ou mesmo porque o produto está para vencer, mas tem algum prazo hábil para que você possa consumi-lo. São estes fatores que temos que estar atentos e também ao varejo que não especulou. O que queremos é que o mercado cresça para gerar emprego e riqueza, mas não podemos dar força aos especuladores de plantão que sempre aproveitam desta situação. É até mesmo frieza, poque o que a gente passou na pandemia não foi fácil

Quais itens mais subiram nos últimos meses e que mais impactaram as famílias?
O primeiro, e que mais chamou a atenção é o combustível. Nós tivemos até uma redução no preço durante a pandemia e depois vieram aumentos em cima de aumentos, situação que se agravou com a guerra, então assusta bastante e tem que assustar mesmo. O consumidor que às vezes vê o preço do diesel aumentar e porque não tem um carro a diesel acha que não será impactado, mas será sim: o custo chega à farmácia, ao sacolão, ao supermercado porque o custo de produção, o custo de transporte fica mais caro. Além disso, os produtos que são exportados. Tivemos a carne que subiu bastante. Quando se tem um produto que você exporta e vai receber cinco vezes mais por ele do que o que é pago no mercado interno, se opta por exportar e você tem um mercado comprador que não para de comprar, aí você gera uma inflação muito forte no produto e até uma escassez do produto aqui. Não foi só o consumidor que reclamou. O dono do açougue também reclamou muito, porque ele não tinha uma quantidade de oferta e qualidade, porque as melhores carnes estão indo para fora.

E as verduras, as frutas tendem a estabilizar os preços a partir de agora?
A tendência é essa, pois eles são itens de cultura mais rápida. Com as chuvas do início do ano, houve mesmo uma devastação da produção e até mesmo a infraestrutura de plantação. Então demora um pouco mais, mas vai voltar ao normal. É o caso do arroz, do feijão. A carne não. A carne demora mais e é o mesmo caso do óleo de soja, porque a demanda externa está muito grande. Fizemos até recentemente uma pesquisa sobre o preço dos pães e vimos que o produto subiu bastante porque a farinha de trigo em virtude da guerra, a Ucrânia é um forte produtor de trigo, então influencia no preço final.

Como surgiu a ideia do aplicativo comOfertas?
Na verdade, vimos uma necessidade a partir do momento em que os próprios pesquisadores do site Mercado Mineiro se espantavam nas ruas ao encontrarem  diferenças absurdas de preços entre um estabelecimento e outros. A tecnologia está sempre nos ajudando. Com o aplicativo, o consumidor participa ativamente do processo de compra. Funciona assim:  o consumidor tira foto do produto na prateleira com a oferta e posta no aplicativo. Ele tem que estar dentro do estabelecimento para postar aquela oferta, então ele vai trocando informação o tempo todo com outros consumidores, o que é muito interessante. Hoje temos mais de 80 mil usuários na região metropolitana de Belo Horizonte trocando ofertas. Um acha uma oferta de fraldas descartáveis, outro acha de arroz, de feijão, outro de carne, combustíveis e isso é muito importante. Estamos vivendo cada vez mais um mercado colaborativo, uma economia colaborativa. As pessoas precisam se ajudar e quando ela está ajudando algumas pessoas, ela também é ajudada, porque quando ela abre o aplicativo ela pode ver ofertas que ela tem necessidade para o consumo diário, perto dela.

Seria uma releitura mais contemporânea do antigo Movimento das donas de casa, que surgiu justamente por causa da hiperinflação?
Eu me lembro muito do movimento das donas de casa, que inclusive foi parceiro do Mercado Mineiro, eu admiro muito o movimento e o trabalho delas. Eu aprendi muito com elas, que corriam atrás dos preços e questionavam sempre os aumentos abusivos. A vantagem é que hoje temos a tecnologia a nosso favor, em nossas mãos, coisa que elas não tinham, que é o celular. Naquela época, a gente fazia uma pesquisa hoje, publicava no jornal e amanhã já era outro preço. Hoje com a tecnologia, você postando uma oferta agora, antes de ir ao estabelecimento, você sabe se ele terminou ou não. Então, a gente vem na verdade é lapidando um trabalho que foi feito pelas donas de casa. Essa é nossa função, estar sempre atento ao consumidor. Temos hoje mais de 30 grupos de WhatsApp lotados, segmentados por produtos (ex: carnes, cervejas) em que os consumidores trocam informações e opinam o tempo inteiro. É um termômetro muito importante para este momento que estamos passando. 

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